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DA PROFECIA DE BRANDÃO, EIS BASÍLIO E, ENFIM, UM TÍTULO

Não há Libertadores, Mundial de Clubes ou Brasileirão que supere em emoção aquele título de campeão paulista de 1977. Para o corintiano, aquela conquista é a mais emblemática, a mais próxima da essência corintiana, que se traduz em duas palavras: alma e superação. E o herói naquela noite histórica no Morumbi foi Basílio, o aniversariante do dia. Conheça um pouco da trajetória deste grande ídolo alvinegro.

por André Felipe de Lima


“Oswaldo Brandão era espírita, kardecista. Ele disse para mim: ‘Esta noite eu tive um sonho. Na mensagem, Neguinho, disseram que você vai fazer o gol’.”

A profecia do velho Brandão foi precisa. O Timão acabou com um jejum de campeonatos paulistas que durava desde 1954, e Basílio entrou para história com o gol que assinalou contra a meta do goleiro Carlos, da Ponte Preta, no dia 13 de outubro de 1977. Final: 1 a 0, e uma das maiores festas que São Paulo já presenciou.

“Na hora, foi correr para o canto do campo, fazer uma oração e esperar pelos abraços dos companheiros. Deus tinha me escolhido. Podia ter sido Vaguinho, naquele primeiro chute, podia ter sido Wladimir, na cabeçada, mas tinha que ser eu porque Deus me tinha escolhido. Deus é uma pessoa estranha e que gosta de fazer as coisas sempre na hora certa. Deixando que eu fizesse o gol, ele estava me dando chance de responder a algumas pessoas que criticavam minha presença no time do Corinthians, dizendo que eu nunca fiz o necessário para justificar minha contratação e também de acabar de lavar a pequena mágoa que eu ainda guardava do clube”, confessara Basílio ao repórter José Maria de Aquino.

João Roberto Basílio nasceu na Casa Verde, bairro da Zona Norte de São Paulo, no dia 4 de fevereiro de 1949. O início, contudo, foi como centroavante do Cruz da Esperança, um time de peladeiros do bairro onde nasceu e foi criado. Gente da Portuguesa de Desportos que andava pelas bandas da Casa Verde viu Basílio e gostou do que viu. Ainda adolescente, Ipojucã, ídolo histórico do Vasco, percebeu que o garoto era bom de bola e o ensinou muito do que Basílio mostraria anos depois nos gramados. O gol de 77, inclusive, garantiu Basílio ter sido inspirado nos ensinamentos de Ipojucã, como narrou ao repórter Paulo Escobar, em entrevista (https://www.museudapelada.com/basilio) o Museu da Pelada. “Foi um atacante alto, mas com domínio e qualidade com a bola.”

Em 1964, o futuro “neguinho” do Brandão já estava no Canindé. Lá conviveu com craques da estirpe de Leivinha e Ivair. Contentava-se com a reserva, o que era plenamente plausível. Levou um tempinho para ser titular, o que aconteceu somente em 1969, quando Leivinha debandou para o Parque Antarctica para escrever uma bela história de gols infindáveis no Palmeiras.

“Meu pai era marceneiro e a gente tinha que se virar para sustentar a casa. Comecei a trabalhar numa loja, mas não durei um mês. Como eu queria continuar treinando nos infantis da Portuguesa, o dono da loja sentiu que não ia dar certo e eu fui embora. Mas passei direto dos infantis e juvenis para os profissionais, e comecei a ganhar dinheiro, bem na hora certa.”

Basílio aprendeu tudo direitinho com os seus mestres. Ainda garoto, foi campeão pela Lusa da Taça São Paulo e do Campeonato Paulista, ambos os torneios disputados em 1973. Aliás, a final do Paulistão daquele ano foi, no mínimo, surreal. A Portuguesa teve que dividir o título com o Santos, tudo por causa de um equívoco do árbitro Armando Marques (1930–2014), que, durante a decisão por pênaltis entre os dois times errou a contagem de cobranças do time da Vila Belmiro e declarou o Santos campeão. Os jogadores da Portuguesa deixaram o gramado e os cartolas do Canindé trataram de botar a boca no trombone. A Federação reconheceu a falha do árbitro e dividiu o título entre os dois clubes.

Antes das conquistas de 1973, mesmo não sendo um jogador com estilo refinado, ou seja, no genuíno significado do termo, um craque, Basílio despertou o interesse do Corinthians em 1972. Mas ainda não era a hora de pisar no Parque São Jorge, o que só aconteceu, por incrível que pareça, na madrugada do dia 4 de março 1975, uma quarta-feira, após uma manobra ágil do presidente corintiano Vicente Matheus, superando a oferta dos cartolas santistas, que também queriam ver Basílio na Vila Belmiro.

Enfim, o Corinthians tentaria fazer de Basílio um substituto à altura do ex-ídolo Roberto Rivellino que, dias antes, se transferira para o Fluminense, seduzido pela oferta do dirigente tricolor Francisco Horta. Missão, no mínimo, incômoda para Basílio, que, mal a tinta do contrato havia secado, já estava escalado pelo então técnico Sylvio Pirillo (ex-ídolo do Internacional de Porto Alegre, Flamengo e Botafogo). O jogo foi contra o Fluminense, de Rivellino e Carlos Alberto Torres, no Pacaembu. O Timão saiu de campo derrotado por 2 a 1, mas a forra viria em 1976, com juros e correção monetária, na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976, quando a torcida corintiana invadiu o Rio de Janeiro e tomou conta da metade do estádio do Maracanã para ver a “Máquina” das Laranjeiras tombar diante de Basílio e a trupe alvinegra. Um jogo que marcou uma das maiores invasões de torcida de outro Estado ao Rio de Janeiro. A Zona Sul da cidade estava vestida de preto e branco. E este cronista, menino na época, estava na Rua Paula Freitas, em Copacabana, e se recorda bem da festa dos torcedores que, entre merecidos goles de cerveja na birosca da esquina, brindavam à inesquecível façanha. Uma epopeia da qual Basílio foi protagonista. Aliás, o meia é o que Nélson Rodrigues definiria como um indefectível predestinado. O cara não falhava nunca e tampouco a santa intuição de Oswaldo Brandão.

O redentor – Logo que foi contratado pelo Corinthians em 1975, o jogador concedeu uma entrevista ao jornalista João Bosco, de “A Gazeta Esportiva”, em que disse que “a sua luta na Portuguesa foi sempre obter um título para enterrar definitivamente o tabu que persistia desde 1936”. Vaticínio cumprido.


“Agora vim para cá (Corinthians) na mesma situação. Tenho certeza de que nossa luta não será inglória. Vamos acabar com esse negócio de fila. (…). Tenham certeza, torcedores corintianos, de que vamos lutar por isso. Será minha gratidão pela maneira com que fui recebido aqui. Quero ser campeão.”

Missão de gente como Basílio é, geralmente, árdua, penosa. Tudo sempre conspira na contramão. O que não falta na História são exemplos iguais ao dele.

Por pouco Basílio não seguiu outro rumo: a Vila Belmiro. Mas o destino era mesmo o Parque São Jorge. Jogar no Corinthians já é um desafio do tamanho de um bonde. Ainda mais quando se é contratado para substituir Rivellino, estreando justamente contra o Fluminense, para onde o Garoto do Parque se transferiu. O jogo, realizado no Pacaembu, no dia 6 de março de 1975, terminou 2 a 1 para o time carioca, com um gol do ex-craque corintiano.

Mas logo no primeiro ano de Timão, um susto. Basílio sofre parada respiratória durante um jogo contra o América FC, de São José do Rio Preto. Viriam, contudo, outras intempéries.

Em 1975, fratura no perônio, durante um jogo contra o Remo, do Pará, deixou Basílio em segundo plano no Timão. Iniciou a temporada de 1977 na reserva. Do banco, viu o time estrear no Campeonato Paulista que o consagraria na final contra a Ponte Preta. O pé-direito, motivo de seu ocaso, foi também motivo de glória. “Muitas vezes, ele reclamou desse rótulo de jogador de uma partida só, achando-se injustiçado. Mas, no fundo, ele sabe que, por esse feito, sua caricatura estará para sempre tatuada na pele alvinegra”, escreveu Bruno Chazan.

“Quando vi a bola pulando e se oferecendo para meu pé-direito, pensei rápido ‘É agora ou nunca! Vou entrar rasgando, que ele (o goleiro Carlos) não pega’. Vi a bola estufando e foi uma loucura. Até hoje ainda sinto a bola tocar no meu pé. Jamais vou esquecer aquele dia”. As duas camisas daquela final e um pedaço da rede que balançou com o seu gol estão devidamente guardados por Basílio.


O querido “Neguinho” do Brandão ainda fez parte do time que anunciou Sócrates como o maior ídolo do Corinthians em todos os tempos e que seria campeão paulista em 1979. Basílio vestiu a camisão do Timão em 253 jogos, marcou 29 gols e ainda se deu ao luxo de fazer um contra. Mas ninguém se lembra disso. E nem é preciso.

A epopeia no Corinthians chegou, contudo, ao fim. Uma operação de menisco e consequente queda de rendimento em campo. Em 1981, foi emprestado para o CA Juventus, após chatear-se com a diretoria, que não o aproveitava no time e tampouco lhe dava o passe livre. E olha que nesse ínterim, entre o Parque São Jorge e a Mooca, recusou em 1980 uma proposta do norte-americano Fort Lauderdale Strikers. Preferiu ficar ao lado da mãe, que faleceu em 1984. Ambicionou o passe-livre, mas os cartolas do Corinthians não lhe deram ouvidos. Em 1983, uma rápida passagem pelo Nacional AC e, em 84, o final da carreira no EC Taubaté.

O ex-ídolo não fugiu à regra. Como a maioria dos jogadores, não conseguiu deixar os gramados. Foi convidado para ser técnico dos times de base do Corinthians em 1983. Em muitas ocasiões, foi treinador interino do time principal até 1992. Nas idas e vindas, que duraram quase dez anos, dirigiu o Timão em mais de 100 partidas.

SANTO EDEMA MUSCULAR

por Zé Roberto Padilha


Melhor do que todas as contratações realizadas este ano, a permanência no elenco de uma das maiores revelações de Xerém, Gabriel Teixeira, foi a grande notícia que nós, tricolores, poderíamos receber neste começo de temporada.

Camisa 10 do elenco Sub-20 que encantou o país, há dois anos, seria um absurdo deixar escapar o que de melhor aquela notável fabrica de talentos, erguida na Baixada Fluminense, tem revelado.

Depois de chegar aos Emirados, de ter sido aprovado no exame do Al Wasl, a Fifa, que se mete em tudo e agora tem um Centro Medico também, detectou o edema e vetou sua contratação.

Posso afirmar que nosso melhor momento, ano passado, foi quando Gabriel Teixeira ocupou o lado esquerdo do ataque e Caio Paulista o direito. E com o Luiz Henrique vindo de trás costurando, Fred voltou a ser o melhor pivô do país. E fomos passando de fases e apresentando, neste breve período, um grande futebol.


Depois esse menino machucou, Nenê foi para o Vasco, trocaram o treinador em plena competição, e aí…

Seja bem-vindo, Gabriel. Quem foi formado nas divisões de base, como fomos, carrega aquele sentimento raro de gratidão, amor ao clube que nos formou e orgulho de defender aquela camisa.

Fora que você joga muita bola e seria um desperdício, para o futebol brasileiro, ver sua categoria ser exibida onde todo o talento emana dos petrodólares e por seus imensuráveis valores serão adquiridos.

ZEZÉ, UM PONTA-ESQUERDA COMPLETO

por Paulo-Roberto Andel


Em fins dos anos 1970, o Fluminense vivia um momento distinto: depois de atravessar o período de 1969 a 1976 como protagonista do futebol carioca e brasileiro, o Tricolor chegou a um período de vacas magras, passando as temporadas de 1977 a 1979 sem títulos e grandes destaques. Desfeita a fabulosa Máquina, o Flu passou a apostar em jogadores mais baratos ou mesmo veteranos sem oportunidades em outras equipes, sem muita preocupação da gestão à época, pouco afeita ao futebol – isso num clube que carrega o esporte em seu próprio nome.

Entretanto, alguns jovens jogadores revelados na base tricolor já começavam a despontar, e futuramente dariam enorme alegria à torcida. Um deles é pouco falado e merece valorização à altura de seu grande futebol: o ponta-esquerda Zezé.

Antônio José Gouvêa estreou pelo Fluminense em 1975 num amistoso em Petrópolis. Já estava acostumado a uma grande concorrência de feras tricolores desde a base, disputando vaga com Gilson Gênio (destaque do próprio Flu e do Bahia), Silvinho (que brilharia no America e no Vasco) e Mário (campeão pelo Flu e depois jogando por America, Vasco e Bangu). Precisou esperar até 1977, quando o treinador Pinheiro efetivou seu pupilo no time titular.

Apesar do Fluminense não brilhar naquele período, o futebol vistoso e ofensivo de Zezé logo chamou a atenção de Cláudio Coutinho, então treinador da Seleção Brasileira, que o levou para a Copa América de 1979. No Flu, o ponta seguia cumprindo grandes atuações e marcando vários gols. Além de seu talento como driblador nato, Zezé era especialista em chutes cruzados da esquerda e um bom cobrador de pênaltis. Só não gostava de marcar e, cá entre nós, tinha razão: seu talento não era para ser desperdiçado como marcador de laterais.

Em 1980, veio a redenção. Já “veterano” no Fluminense aos 23 anos, Zezé foi um dos grandes destaques do time campeão de 1980, praticamente todo feito em casa, desbancando o forte time do Vasco (com Guina, Paulinho, Roberto, Wilsinho, Pintinho e Paulo Cezar Lima) e superando o poderoso Flamengo (campeão brasileiro e que seria também mundial no ano seguinte). Ao lado de Robertinho e Cláudio Adão, o ponta-esquerda formou um ataque veloz e mortífero, todo com jogadores que passaram pela Seleção. Pelo Fluminense, marcou mais de 80 gols como profissional, e isso jogando ao lado de outros excelentes finalizadores.

Ao deixar o Fluminense, Zezé foi para o Guarani de Campinas, onde reencontrou outro velho conhecido das Laranjeiras: o goleiro Wendell. O Bugre fez ótima campanha no Brasileirão, chegando às semifinais, mas depois aconteceu um problema para o atacante: exames apontaram problemas cardiológicos sérios. Mesmo assim, Zezé acabou se transferindo para o Flamengo, não se firmou e a partir de então passou por várias equipes de menor investimento. Já o Fluminense perdeu sua referência de ponta-esquerda, mas logo a reabilitaria com a ascensão de duas outras feras dos anos 1980: Tato e Paulinho.

Zezé desencarnou jovem, aos 51 anos, em Recreio, sua cidade natal em Minas Gerais. Sofreu um ataque cardíaco em sua caminhada matinal. É o único titular tricolor de 1980 que já faleceu. Pouco desfrutou da era das redes sociais e não teve a oportunidade das lives, que hoje tanto ajudam a reavivar belas memórias do nosso futebol.

Ao menos restou a memória dos meninos tricolores daquele tempo, que trazem consigo a lembrança de um grande atacante, fundamental para reabilitar a imagem do Fluminense depois do pós-Máquina. Hoje cinquentões, ele ainda se lembram de cruzamentos e gols do arisco Zezé.

@pauloandel

EVARISTO DE MACEDO, O TÉCNICO QUE ENQUADROU ROMÁRIO

por Elso Venâncio


“Você tem essa marra toda… Quer saber? Eu joguei mais que você. Muito mais.”

Evaristo arrancava gargalhadas de Romário ao apontar para ele, nas preleções.

“Pelé só surgiu porque eu fui vendido. Eu seria o titular na Copa de 58.”

Na época, só eram convocados jogadores que atuavam no Brasil – e, basicamente, atletas do eixo Rio-São Paulo. Evaristo de Macedo era um dos destaques do Barcelona.

As colocações de Evaristo visavam descontrair o grupo antes dos treinamentos e jogos. Principalmente após ter acontecido uma séria discussão entre ele e Romário no início do seu trabalho como treinador do Flamengo.

Jogo com o Atlético Mineiro, no Maracanã. Intervalo e o Galo vence por 1 a 0. Romário entra possesso no vestiário:

“Vocês não jogam merda nenhuma… Maracanã tá cheio por minha causa, salários só estão em dia porque estou aqui, e essa merda de time não faz por onde.”

Não era a primeira e nem segunda vez que o artilheiro agia assim.

Antes, com Joel Santana no comando, o zagueiro Jorge Luiz não gostou das colocações e partiu para o confronto:

“Ah, tá bom… Você não marca ninguém, fica paradão, chupando sangue lá na frente. Não f…!”

A turma do deixa-disso teve de entrar em ação. Vale lembrar que brigas acontecem no vestiário sem que a imprensa sequer fique sabendo. Na volta para o segundo tempo, presenciei as últimas orientações do treinador. Naquele tempo, repórter tinha acesso direto aos ídolos e aos vestiários. Papai Joel terminou assim:

“E você, Baixinho, marca só um pouquinho…”

“Vai pra p…”, reagiu Romário. “Não f…!”

“Não se pode nem brincar um pouquinho?” – sorriu, sarcástico, Joel. A risada foi geral e o time entrou em campo mais leve.

Voltando ao entrevero com Evaristo, o treinador esperou Romário falar de forma áspera, aos gritos e com respiração ofegante.

“Terminou?” – o técnico perguntou, com uma calma de deixar qualquer um se roendo de raiva.

Romário olha sério para todos os cantos do vestiário, ao passo que Evaristo retoma a palavra:

“Foi a última vez que você fez preleção. No vestiário, só eu falo. Mais ninguém.”

“Eu vou falar, sim.”

“Não vai, tá entendido? Isso vale pra todos.”

Silêncio sepulcral…

Segundo tempo começa. O Flamengo vira o jogo com dois de Romário. A cada gol marcado, o artilheiro corre até o túnel e aponta para Evaristo:

“Você jogou mesmo? Já fez gol assim? E aí, já fez?”

Washington Rodrigues, diretor técnico, chama Evaristo:

“O Baixinho não quer briga, ele quer falar contigo.”

O Velho Apolo, meu padrinho no rádio esportivo, com habilidade contornou o impasse. Evaristo de Macedo e Romário viraram amigos e se dão bem até hoje.

A partir de então, a cada preleção o jogo virou:

“Você tem essa marra toda… Eu joguei mais que você” – mandava o técnico. Romário ria, feito criança.

Primeiro brasileiro a ser ídolo no Barcelona e no Real Madrid, Evaristo tinha currículo para falar de igual para igual com o melhor jogador do mundo da última Copa. ‘Dom Evaristo’ me disse que, antes da pandemia, participava com certa regularidade de homenagens nestes dois clubes. Falava que, lá fora, o ídolo é reverenciado sempre, jamais é esquecido.

Um dos destaques no segundo tricampeonato estadual do Flamengo (1953,54 e 55), o centroavante não demorou a ser vendido para a Europa. Onde jogaria com Di Stéfano, Puskas, Gento, craques de outro gabarito. Todos do seu nível.

Único jogador na História a marcar cinco gols em um único jogo com a camisa da seleção, fez também a mesma quantidade contra o São Cristóvão, pelo Flamengo, numa tarde mágica do Maracanã.

Anos mais tarde, na década de 70, abriu caminho para os técnicos brasileiros se aventurarem no mundo árabe, onde, por sinal, enriqueceu com petrodólares.

Treinou vários clubes e também a Seleção Brasileira. Só um ‘peso pesado’ desse porte para bater de frente e chamar o ‘Homem do Tetra’, na época o número 1 do planeta bola, para uma ríspida mas equilibrada e crucial queda de braço.

No fim, final feliz. Hoje, um respeita o outro. Ambos se uniram, para o bem do futebol.

CENTROAVANTE DE AÇO

por Fabio Lacerda


América de 1981: Vitórias marcantes sobre o Cruzeiro, e Wagner, artilheiro do Mineiro

Uma das histórias mais interessantes de jogador que cativou corações por onde passou. Seja desfilando suas qualidades dentro das quatro linhas ou como professor à beira da linha lateral dando instrução aos seus atletas – Alessandro, Evanílson, Alex Mineiro, Ramires, Rodrigo Tabata, Fred e Richarlison, são alguns exemplos de jogadores lapidados pelo mineiro nascido no dia do aniversário do Vasco da Gama, clube este que sofreu junto ao Bangu e Guarani, ambas agremiações que Wagner envergou as camisas.

Nascido no Vale do Aço, em 1959, natural do Inhapim, cujo padroeiro da pequena cidade de 25 mil habitantes entre Caratinga e Ipatinga, é o mesmo da cidade do Rio de Janeiro, Wagner é mais uma história de sucesso que acontece por ironia do destino ou pelos caprichos dos ‘Deuses do Futebol’. Aos 60 anos, Wagner chegou a rechaçar uma ida para Belo Horizonte porque estava em andamento a conclusão do Ensino Médio. Mas no final do ano de 1977, aos 16 anos, rumou para o América-MG. O primeiro treino de um dos centroavantes mais queridos do Brasil foi o último do primo de quem vos escreve – Maurinho, companheiro de ataque de Wagner no Clube Atlético Inhapim (CAI) e em alguns amistosos no Faixa Azul.

Entre 1977 e 1981, Wagner jogou pelo América-MG, clube pelo qual ele tem enorme identidade, assim como seu irmão Waner. Descoberto por Yustrich, único técnico a conquistar o Campeonato Mineiro por quatro equipes diferentes, Wagner, que era juvenil, tinha o hábito de completar o profissional. Sempre requisitado pelo ‘Homão’, Wagner estava às ordens. Em 1979, quando Yustrich precisou do centroavante do juniores, em virtude da suspensão do titular, por ter recebido três amarelos, mandou chamar o ‘Bodinho’ do Inhapim. Partida contra o Nacional de Muriaé, e o América venceu por 2 a 0, ambos os gols de Wagner.

Já nas graças do técnico linha dura, Wagner voltou a ser decisivo na vitória por 2 a 1 contra o Cruzeiro quando fez o gol da vitória dando uma ‘mãozinha’ para o Atlético-MG ser campeão. Mas o melhor estava por vir. No seu último ano pela único decacampeão mineiro em todos os tempos, Wagner deixou o clube da mesma forma que entrou: pela porta da frente, nesta ocasião, com tapete vermelho. Wagner sempre deixou sua marca contra o Cruzeiro. Foi assim no América-MG e também no Bangu. Ele não tinha dó da Raposa. Em 1981, o Coelho enfiou uma goleada de 5 a 0 sobre o time celeste com show de Wagner. O atropelo marcou a estreia do bicampeão mundial, Didi, no comando técnico do Cruzeiro.

No badalado Campeonato Mineiro de 1981, Wagner deixou Minas Gerais para vir jogar no Rio de Janeiro sendo artilheiro do certame e desbancando Reinaldo, do Atlético-MG, Edmar, do Cruzeiro e Casagrande, da Caldense. O filho ilustre do Inhapim balançou as redes adversárias 16 vezes e abriu os olhos de vários clubes do país como Corinthians, Atlético-MG, Cruzeiro, Botafogo, Grêmio e Bangu, para onde foi jogar sob a tutela e cuidados de Castor de Andrade.


Fraternidade: Irmãos Waner e Wagner no forte time do América que contava com o goleiro Hélio dos Anjos, um dos grandes treinadores do futebol brasileiro

“Após o Mineiro de 1981, o América precisava fazer caixa. Os clubes interessados queriam fazer negócio envolvendo jogadores, e a situação do América-MG não permitia este tipo de transação. Foi assim que o Bangu chegou na minha vida. O senhor Zizinho, pai do Castor de Andrade, chegou com o dinheiro que o América-MG precisava e fui jogar no timaço do Bangu”, lembra Wagner.

Chegada ao Rio nas graças de Castor de Andrade


Lendário time do Bangu de 1982: Goleadas sem tomar conhecimento dos adversários

No primeiro ano em Moça Bonita, Wagner foi um dos artilheiros do Brasileiro. Sua boa participação no campeonato nacional que o Bangu foi eliminado pelo Corinthians nas quartas de finais, e grande qualidade dos ‘Mulatinhos Rosados’ no Estadual quando enfiou 6 a 2 no Flamengo, valorizou o garoto do Inhapim que teve um contrato assinado com o Cagliari, em 1983, negócio intermediado pelo ex-zagueiro e técnico Moisés, mas Castor não deixou o atacante da pequena cidade do Leste de Minas partir para o Velho Continente.

Satisfeito com o rendimento de Wagner, Castor de Andrade colocou o atacante mineiro para morar em Copacabana na companhia do seu parceiro de tabelas, Rubens Feijão. Sorridente e brincalhão, Wagner lembra que a ‘seca’ de gols fez com que Castor de Andrade o tirasse da Princesinha do Mar e voltasse para o escaldante bairro de Bangu. Período que o jogador passou a aproveitar mais os encantos do Rio de Janeiro embalados pela Música Popular Brasileira. Jorge Ben Jor, Martinho da Vila, entre outros, passaram a ser parceiros do jogador. Ao jogar por empréstimo no América, em 1984, Wagner estreitou relacionamento com o músico e compositor que é enredo da Unidos de Vila Isabel para o Carnaval 2022.

“A escola de samba do bairro (Unidos de Vila Isabel) ensaiava no estádio do América. Então, era certo estar com Martinho da Vila que, mesmo eu jogando no Bangu, dizia que eu deveria atuar no Rio de Janeiro. Foi uma amizade muito boa. Um grande abraço para ele, referência da música brasileira”, recorda Wagner.

Ainda em 1984, Wagner foi para o Fortaleza. Chegou na reta final do estadual e sagrou-se campeão com o Leão da Pici. No Brasileiro, também figurou entre os principais artilheiros da competição. A passagem pelo Tricolor Cearense foi mais marcante que pelo rubro carioca, segundo time de todo o torcedor do Rio de Janeiro.

“Aquela campanha do Fortaleza foi tão boa que perdurou como o melhor desempenho até o ano passado (2021). Devemos parabenizar todo o plantel e comissão técnica do Fortaleza que superou nossa campanha, que era considerada a melhor da história, e chegou a fase de grupos da Libertadores da América”, diz.

Passagem marcante no JEC


Léo, Leandro, Valter, Alfinete, Ricardo e Jacenir; Geraldo, Nardela, Wagner, João Carlos Maringá e Paulo Egídio. Esquadrão tricolor ocatampeão catarinense.

Seu destino foi o Joinville, e no Sul do país, deixou sua marca no coração dos torcedores. Chegou, em 1983, para os jogos decisivos e foi campeão. Dois anos depois, diferentemente da sua primeira passagem, jogou todo o campeonato catarinense e sagrou-se campeão e artilheiro levando o time ao octacampeonato catarinense.

No Brasileiro, Wagner também continuou colocando seu faro de gol em evidência e, novamente, esteve entre os maiores marcadores. Seus concorrentes eram Roberto e Romário (Vasco da Gama), Zico e Nunes (Flamengo), Washington e Assis (Fluminense), Serginho Chulapa (Santos) e Edmar (Cruzeiro).

“Esta turma aqui era com quem você disputava artilharia. Está bom para você (risos)? Não era fácil não, rapaz!”, relembra Wagner sentado no banco de reservas do Estádio Municipal Doutor Guilhermino da Silveira – https://www.youtube.com/watch?v=9eAbdkJItHE

Estádio Dr. Guilhermino de Oliveira em Inhapim-MG

Imagens do Estádio Dr. Guilhermino de Oliveira capturado pelo DRONE MINI 2 Um espaço muito bem equipado para a pratica do futebol. Inscreva no canal https://www.youtube.com/channel/UCfqTeZ894frsyTN-X_ayzQQ

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Wagner no Guarani: artilheiro cedeu lugar a Evair após grave contusão na tíbia ocorrida em um choque com o goleiro da Portuguesa no Campeonato Paulista de 1987.

Guarani e o adeus aos gramados

Assim como no início da carreira, Wagner pendurou as chuteiras jogando por um clube de camisa verde. No Brinco de Ouro, Wagner não conseguiu soltar o grito de ‘campeão’ da garganta. Muito pelo contrário, o grito de dor foi muito mais alto. Contratado pelo lendário dirigente campineiro Beto Zini, Wagner chegou a Campinas em 1986. Por duas ocasiões foi vice campeão brasileiro, em 1986, na derrota para o São Paulo, nos pênaltis, e em 1987, para o Sport, na polêmica Copa União. O título também escapou no Paulista de 1988 que ficou marcado pelo gol do predestinado Viola, que aproveitando um chute despretensioso de Wilson Mano, desviou a bola de Sérgio Neri para dar o título ao Corinthians depois de cinco anos.

Após quebrar a tíbia numa partida pelo Campeonato Paulista de 1987 contra a Portuguesa, Wagner passou 18 meses no Departamento Médico na companhia do técnico da seleção brasileira, Tite, que também buscava uma reabilitação. Ambos passaram mais tempo com os médicos do que com os técnicos. No final de 1988, Wagner percebeu que seus esforços para retornar aos gramados seriam em vão.

A contusão do ‘centroavante de aço’ abriu espaço para um jovem atacante, também mineiro, de fazer sua história no Bugre, e posteriormente, nos demais clubes onde atuou. Surgia Evair que aproveitou as oportunidades dadas, assim como Wagner fez no América-MG, em 1977, e desembestou de fazer gols. Sua volta aos gramados coincidiu com as primeiras convocações de Evair para a seleção brasileira pré-olímpica. Wagner assumiu a camisa 9 do Guarani, mas percebeu que a contusão no tornozelo não foi recuperada plenamente.

Finalizador e centroavante que dava nos zagueiros sem levar desaforo para casa, Wagner elegeu alguns meio campistas como preferidos. O atacante faz a diferenciação entre aqueles que chegavam de frente para finalizar, e os construtores natos de jogadas para os atacantes. Segundo ele, na sua época, inúmeros meio campistas, também chamado de pontas de lança, eram artilheiros nos seus clubes.

“Tive a honra e a satisfação de jogar com grandes meio campistas. Alguns chegavam muito na área para concluir a gol, caso de Arthurzinho, Rubens Feijão e Muricy. Outros, deixavam o talento na construção das jogadas para colocar os atacantes na cara do gol como Nardela, no Joinville, e Marco Antônio Boiadeiro, no Guarani. Estes eram mais passadores de bola”, diferencia Wagner, que por muitas vezes fazia papel de anfitrião para Éder Aleixo no Rio de Janeiro.

Embora tenha tido uma carreira considerada curta – 1977 até 1988 – Wagner deixou amigos e saudades por onde passou. Sua carreira começou no Clube Atlético Inhapinhense (CAI). Filho da tradicional família Alves, Wagner abriu os olhos dos dirigentes do América-MG após uma partida festiva entre seus familiares e funcionários da TV Itacolomi. Na ocasião, o América-MG levou para Belo Horizonte seu irmão, Waner, lateral-esquerdo, para um período de testes. Wagner seguiu para a capital das Alterosas no final do ano de 1977 para não interromper o ano letivo – oitava série. E assim começou sua história nos gramados do Brasil. Atualmente, o ex-jogador mantém relacionamento estreito com os responsáveis pelas categorias de base do América-MG, e vislumbra muitos anos de sucesso e título do Coelho.