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A VIDA TORTA DE JOEL CAMARGO

  por Péris Ribeiro


Corria o ano de 1986, e naquela manhã de brisa das mais agradáveis, típica do início de primavera na cidade de Santos, um negro alto e encorpado, de aspecto fechado, transita pelas docas do porto santista quase sem cumprimentar ninguém. Porém, mesmo que se olhasse detidamente a cena, o que bem pouca gente suspeitaria era que estava diante de um ex-campeão. Um antigo artista da bola.

  Aos 53 anos, Joel Camargo, nas poucas vezes em que se abre, procura sempre negar que seja alguém revoltado. De mal com o mundo da bola e dos homens. Mas, bastou alguém perguntar certo dia, em uma descontraída conversa de bar, pelas infinitas glórias do Santos – “Puxa, Joel, você jogou naquele timaço que ganhava tudo, hein?” –, para ele se queimar e trovejar no ato: “Grande merda jogar no Santos do Pelé, cara! Qualé a tua, pô?”

 O mais incrível é que, surgindo como uma das mais gratas revelações, já produzidas pelas divisões de base da Portuguesa Santista, Joel foi chegando à Vila Belmiro e, com apenas 18 anos, arrumando logo um lugar no lendário Santos. No início, apenas substituía o Zito no meio-de-campo. Mas, foi na quarta zaga que viu o seu jogo acadêmico – porém viril, quando se fazia necessário – se refinar e se firmar de vez.

  Tricampeão paulista, penta da Taça Brasil e acostumado a rodar o mundo ganhando títulos da envergadura do Octogonal de Santiago do Chile, do Pentagonal Cidade de Buenos Aires e das Recopas Sul-Americana e Mundial de Clubes – além de torneios de menor expressão, como os de Nova York, Caracas ou Roma – Florença -, o que também não ficava difícil de perceber, era a vida intensa que Joel passara a viver, de uma hora para outra, fora dos gramados.

  De repente, eis que o que mais se comentava era que o sempre altivo e elegante Joel Camargo, praticamente andava sumido. E que, quando muito, só podia ser visto nos treinos na Vila Belmiro. Ou, nos grandes jogos. Nas exibições de gala, do mítico Santos do Rei Pelé.

  Por outro lado, as brigas com os dirigentes do clube, na hora das renovações de contrato, praticamente haviam virado uma constante. E nem mesmo a posição de titular da Seleção Brasileira – pela qual havia conquistado a Copa Rio Branco, diante do Uruguai-, parecia lhe trazer a paz necessária.

  Impaciente, João Saldanha chegou a lhe mandar, certa vez, um bilhete curto e grosso:  “Deixa de ser burro, ô Crioulo! Esfria a cabeça por aí, que o seu lugar aqui na minha Seleção, é sagrado!” Só que nem isso adiantou. E Joel, depois da queda de Saldanha, foi campeão do mundo, sim. Porém, curtindo a reserva de Wilson Piazza na quarta zaga. 

  Com a vida cada vez mais descontrolada fora dos campos, e já casado e pai de uma menina, se viu apontado em um envolvimento com drogas – felizmente, jamais comprovado. Mas, eis que, bem pouco tempo depois, ao dirigir bêbado, acaba provocando um acidente onde morrem duas mulheres. O ponta-esquerda Edu – também do Santos, e também campeão do mundo – sai com várias escoriações e ele, Joel, fica seriamente ferido.

  O acidente, dos mais graves, praticamente decreta o fim de sua carreira. Tanto que a recuperação foi das mais lentas, dolorida. E algumas marcas ficaram para sempre, tanto no rosto como nos ombros. Já o joelho direito, bem mais atingido, passou por delicado tratamento. Só recuperando a articulação normal, depois de um longo trabalho. A muito custo.

  Para culminar, no mesmo período em que começava a dura peregrinação pela recuperação total após o acidente, as brigas com o petulante general Osman, vice-presidente de futebol do Santos, chegavam ao auge. A ponto deste, indignado, comentar abertamente pelos corredores da Vila: “Mas ele é apenas um negro, um jogador de futebol! Como pode discutir assim, de igual para igual comigo?!”

  Militante ativo, nos idos da primavera de 1986, do cais do porto de Santos, Joel, às vezes, dizia não sentir arrependimento de nada. “Ainda mais que, aqui, sempre ganhei pelo que produzi. Não tenho patrão. E sempre fui de vir, à hora e dia em que tenho vontade. Quando sinto disposição!” Só que, os coadjuvantes dessa intrincada história, bem pouco acreditam na versão do seu principal personagem. 

  Afinal, não se apaga assim, do filme da própria memória, que ele foi um dia o orgulhoso e elegante negro Joel Camargo. Que rodou mundo, que foi campeão seguidas vezes com o mágico Santos do Rei Pelé – desfilando, ainda, a sua arte admirável como jogador de Seleção Brasileira. E mais: que ganhou um bom dinheiro com isso.

  Apesar de tudo, o que pouca gente parece entender é que, naquela madrugada fria e chuvosa de novembro de 1970 – exatamente, cinco meses depois do tri mundial no México -, numa rua mal iluminada de Santos, o negro Joel Camargo simplesmente despencou do sonho para a dura realidade, cá fora, do jogador descuidado com o futuro. Aquele que não pensa no dia de amanhã.

  A ponto de, pouco mais de um ano depois, o cenário ser bem outro, Ao invés das  manchetes e fotos nos jornais, o duro anonimato. Dos carrões, roupas bonitas e apartamentos, uma vida modesta. Dos abraços nas ruas, dos pedidos de autógrafo, apenas o descaso da multidão.

UMA ESTRELA POUCO SOLIDÁRIA

por Zé Roberto Padilha


Há pouco mais de oito meses, era comum passar pelo Júlio, meu vizinho, e ele reclamar: “Não vamos subir de jeito nenhum com esse time!”. Pela campanha, tinha razão, seu time se arrastava na competição ao lado do Vasco.

Como num passe de mágica, o time se encontrou. Sem o Julio perceber, acabei lhe contando depois, o Botafogo engatou uma serie de bons resultados. E não apenas retornou à primeira divisão, como foi o Campeão da Série B.

Havia uma unanimidade diante desse milagre: o treinador Enderson Moreira. Recolheu os cacos que encontrou, os colou e apresentou um time sólido e unido. Na última partida, foi ovacionado pelos torcedores. E deu uma volta olimpica inédita no Engenhão, cena que jamais fora concedida a um treinador.

Já de volta à elite, apareceu, claro, um investidor interessado: John Textor. Se o time cai, nem daria as caras. E logo na terceira rodada do estadual, demite o principal responsável pelo investimento que adquiriu.

Pior foi a desculpa: “Em nome da transição de um novo modelo de gestão, mudanças são necessárias e naturais ao projeto!”.

Partindo de um empresário, frio e calculista, que se torna da noite para o dia um cartola, tudo bem. Seria demais exigir que conhecesse a importância da estrela solitária dentro do futebol brasileiro.

Mas e quanto à torcida que o reverenciou? Não protestou? Por que não invadiram o treino para defender aquele indefeso cidadão que sempre perseguem após uma derrota?

O silêncio e a omissão dos torcedores do Botafogo, em relação a quem lhes trouxe a mais recente conquista, tem sido uma das maiores provas de ingratidão que já presenciei no futebol.

Pior do que isso é trazer outro apóstolo de Jesus, como se milagres fossem alcançado por qualquer Luiz Castro.

A memória do torcedor é apenas superior a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói.

Ao Enderson Moreira, nosso apoio, respeito e solidariedade.

TODOS OS GOLS DE ZICO

por André Luiz Pereira Nunes


(Foto: André Luiz Pereira Nunes)

O Shopping Via Parque, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, ficou pequeno para a imensa massa de torcedores, imprensa, profissionais do futebol, amigos e familiares que compareceram para prestigiar o lançamento de “A trajetória de todos os gols de Zico”, de Bruno Lucena, Marcelo Abinader e Mário Helvécio.

Estiveram presentes ao evento, além do imenso contigente de torcedores rubro-negros, o irmão Edu Coimbra, também muito festejado pela torcida, o técnico do Flamengo, Paulo Sousa, diversas equipes de TV, o Diário do Rio e, claro, o Museu da Pelada.

Na luxuosa edição consta a história do ídolo e ainda versa sobre todos os gols – e não foram poucos – assinalados por esse que foi um dos maiores astros do futebol mundial. O prefácio conta com a colaboração do escritor Marcos Eduardo Neves (autor das ótimas biografias de Heleno de Freitas, Loco Abreu e Renato Gaúcho), o ex-dirigente George Helal e o maestro Júnior.

Mesmo tendo acontecido numa terça, a massa não se fez de rogada e se dirigiu em peso na tentativa sofrida por um autógrafo do Galo. Não faltaram crianças e jovens, que trazidos pelos pais, foram reverenciá-lo.

Arthur Antunes Coimbra, maior ídolo rubro-negro, atuou com a camisa do Flamengo por 21 anos, conquistando sete Campeonatos Estaduais, quatro Campeonatos Brasileiros, uma Copa Libertadores, além do Mundial de Clubes de 1981. Uma marca realmente formidável.

DESCENDO A LADEIRA

por Eliezer Cunha


Na semana passada, assisti o jogo entre Brasil x Paraguai válido por uma das vagas para a participação na Copa do Mundo de 2022. Jogo nitidamente protocolar, assim como toda esta competição. Em minhas memórias, nunca tinha assistido um torneio de tal importância apresentar um nível de qualidade competitiva tão baixa. As décadas passadas de 70, 80 e 90 foram contempladas com seleções e partidas de qualidade muito superior que ora apresentada. Jogos aparentemente fáceis com seleções modestas se transformavam em verdadeiras batalhas dentro das quatro linhas. Jogadores defendiam suas Seleções com mais afinco e honradez. Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, etc. se transformavam em gigantes e se colocavam como pedra na chuteira de nossa seleção. A qualidade e competição era tão acirrada que em algumas situações a vaga só foi decidida no último jogo, perante um clima de verdadeira decisão. 

Hoje o que vemos; seleções apresentando um futebol de baixíssima qualidade, facilitando e muito nossa classificação para o maior torneio de futebol do mundo esportivo. Podemos salvaguardar hoje como concorrente, somente a seleção dos nossos Hermanos argentinos e mais nada. Temos uma equipe imatura, em constante período de tentativa e erro. Não temos uma equipe consolidada, como também, qualquer consistência no padrão de jogos. Essa competição de selecionamento das seleções em nosso continente é extremamente protocolar e não validam em nada o nível de qualidade das equipes. Apesar de um grupo de jornalista e seus colaboradores tentarem retirar leite de pedras, exaltando veementemente a importância e a qualidade da equipe, sob análises e tentativas de exposição otimistas, impondo um nível surreal de confiança nas transmissões dos jogos, sabemos que a equipe enfrentará o verdadeiro teste somente no desenrolar da competição na Copa do Mundo que se aproxima, e aí já é tarde. 

Que os Deuses do esporte nos protejam de mais uma melancólica participação na competição, e nos livre as impiedosas seleções Européias livrando-nos da inesquecível goleada ainda tão presente na memória de nós Brasileiros, vide 7×1.

MARINHO SETENTÃO

por Rubens Lemos


Nesta terça, dia 8, a maior glória esportiva do Rio Grande do Norte faria 70 anos. Da eternidade a fotografia de Marinho Chagas com a camisa do Cosmos de Nova York, o time mais badalado do mundo nos anos 1970, desde quando Pelé tirou as chuteiras detrás da porta para ensinar o Soccer aos norte-americanos e fazer sua merecida fortuna.

Marinho Chagas poucas vezes esteve tão pleno na junção espírito e estética. Sua risada é do moleque irreverente das Salgadeiras em Natal, indomável em pleno centro do planeta.

A imagem de Marinho Chagas no Cosmos é como uma resposta definitiva, sem direito a recurso, aos que ainda lhe torcem o nariz.

Marinho Chagas foi comprado ao Fluminense (RJ) e chegou chegando ao time-constelação. Convenceu Beckenbauer, a estrela principal, a lhe ceder a camisa 3 e a posição de meia-armador. Marinho Chagas encantou os States.

Foram 70 mil pessoas pagando ingresso para ver a magia subversiva do loiro irreverente e craque. Marinho Chagas estreou contra o Fort Lauderdale na vitória por 3×2 na primeira rodada da Liga dos EUA. Solto, passarinho voando pelos céus e chãos do meio-campo, levou incrédulos sardentos ao delírio. Marcou os três gols.

Marinho Chagas virava astro num time que, além do mitológico Beckenbauer da Alemanha, contava com o espetacular holandês Neeskens, o brasileiro Oscar, na defesa, o paraguaio Romerito, futuro campeão brasileiro pelo Fluminense e o italiano Chinaglia. A luz loira criava o refletor solar nas suas incursões missionárias ao ataque. A liberdade como filosofia de jogo e de vida.

Quando deixou o Fluminense (RJ) para seguir ao Cosmos, Marinho Chagas estava às turras com diretoria e torcida tricolores, inconformadas com seu desempenho bem abaixo do furor botafoguense que o fez melhor lateral-esquerdo do clube, com a Enciclopédia Nilton Santos deslocada para a quarta-zaga.

A ausência na Copa do Mundo da Argentina foi pior para o Brasil. Marinho Chagas, Paulo Cézar Caju e Paulo Roberto Falcão, os preteridos por Cláudio Coutinho, dividiriam por três a exuberância e a malandragem que faltaram a um time tosco e aquartelado em campo, sem inspiração, entregue à correria do bom e sem magia Dirceuzinho.

Natal, lembro bem pelos jornais, repercutiu a falta de Marinho Chagas na lista do capitão Cláudio Coutinho, que preferiu, primeiro, improvisar o beque Edinho na lateral-esquerda e, depois, entregar a camisa ao sóbrio Rodrigues Neto, envelhecido, mas de bom desempenho no mundial.

Marinho Chagas não agradava ao status quo, ao poder vigente, era acusado de indisciplinas, ele que traçava duas chacretes, bailarinas do Programa do Chacrinha, a cada três dias.

A contratação pelo Cosmos teve o devido aval de Pelé, que, em 1972, Marinho Chagas estreando pelo Botafogo contra o Santos, levou um lençol que gerou espanto e revolta diante da insolência do menino de 20 anos, abusado e confiante no seu brilho incandescente.


Marinho Chagas deixava o calor e a badalação do Rio de Janeiro, onde mandava do Baixo Gávea à barra-pesada da Lapa ou da Praça Mauá, pelos agitos de Manhattan, frequentando discotecas, dançando à John Travolta e colecionando beldades cintilantes que pareciam saídas da forma do paraíso.

Reparem bem no rosto de Marinho Chagas, maior expressão esportiva do Rio Grande do Norte em qualquer tempo. Há o olhar do menino de rua tramando presepadas, há a autoconfiança do gênio de personalidade firme. Há o solitário saindo do casulo no formigueiro do universo.

Sempre será dono do espaço que houve ou no mistério do pós-morte. Marinho Chagas é maior – bem superior – aos corvos que vibravam no seu final melancólico, driblado e dominado pelo álcool. Não é o meu caso.

A fotografia de Marinho Chagas no Cosmos, no Cosmos do planeta da bola, cobiçado por 11 entre 10 bons de molejo do tempo de beleza em quatro linhas, me joga na varanda do orgulho e na tristeza da saudade. Marinho Chagas, o do Cosmos, nunca vai combinar com morte. Anjo setentão.

Na seleção

A primeira partida oficial de Marinho Chagas na seleção brasileira aconteceu na derrota para a Suécia (0x1) durante excursão para a Europa em 1973.

Titular

Marinho Chagas ganhou em seguida a posição de Marco Antônio nos amistosos preparatórios para a Copa do Mundo de 1974, da qual foi o melhor lateral-esquerdo.

Números

Segundo o Almanaque da Seleção Brasileira, de Roberto Assaf e Antônio Carlos Napoleão, Marinho Chagas fez 36 jogos com a camisa do Brasil, ganhando 24, empatando nove, perdendo três e marcando quatro gols.

Títulos

Marinho Chagas ganhou dois títulos estaduais: pelo ABC em 1970 e pelo São Paulo em 1981. Na seleção brasileira, ganhou o Bicentenário dos Estados Unidos em 1976.

Melhor Botafogo

Na seleção do Botafogo(RJ) de todos os tempos, Marinho Chagas ocupa a lateral-esquerda com o deslocamento de Nilton Santos à quarta-zaga.

Time

É Manga ; Carlos Alberto Torres, Leônidas(ex-técnico do América de Natal), Nilton Santos e Marinho Chagas; Gerson e Didi; Garrincha, Jairzinho, Heleno de Freitas e Paulo Cézar Caju.