SHOW DE HORROR
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Assisti ontem a final da Supercopa e vou confessar que fazia tempo que não dava tanta risada. Quem acompanhou a decisão, sabe o que eu estou falando! Uma cobrança mais bisonha que a outra e parecia que ninguém queria ficar com o título. Isso porque estamos falando de Atlético-MG e Flamengo, as duas equipes consideradas as melhores do país, junto com o Palmeiras, de Abel Ferreira.
Isso é reflexo da falta de treinos, não tem mistério. Sinto falta dos coletivos, de 11 contra 11, contra a base, contra o time reserva, para simular situações de jogo. Já bati diversas vezes nessa tecla, mas parece que os professores de educação física só estão preocupados se o atleta vai conseguir correr infinitos quilômetros dentro do gramado. Claro que o treino físico é importante, mas não podemos deixar a bola em segundo plano.
Pênalti é um fundamento básico que todo jogador deveria treinar diariamente para não ser surpreendido em decisões. Ontem, com um gol daquele tamanho, perdi as contas de quantos jogadores isolaram as cobranças. Um deles foi o zagueiro Godin! Com 15 anos de Europa e Copa do Mundo no currículo, pediu para ser o último a bater, depois até do goleiro, e ainda jogou lá na arquibancada.
Em muitas peladas por aí, o cobrador é obrigado a bater com a perna trocada para dar mais chance para o goleiro. Imagina se fizessem isso ontem? Acho que o zero não sairia do placar!
Mas o pior é que o pênalti é só a cereja do bolo. Os “craques” de hoje em dia não sabem chutar, dar um passe, um lançamento, um drible, um cruzamento… Não sabem os fundamentos básicos! O que me deixa mais chateado é que, além de errarem, a consciência deles nem pesa! Os craques da minha geração passavam horas treinando e, se por acaso errassem um pênalti, passavam noites sem dormir. Ou seja, chegamos ao ponto de normalizar os erros básicos!
Eu achava que já tinha visto tudo no futebol, mas depois de ontem… Vamos aguardar as cenas do próximo capítulo e continuar rezando por uma revolução – cada vez mais improvável – do futebol brasileiro!
Já ia me esquecendo, mas os analistas de computadores também estão precisando dessa revolução urgente! Ontem ouvi que “houve uma ligação direta para o atacante agudo, que estava de tanque cheio, espaçando os setores do campo e afetando o balanço defensivo com transições rápidas”. Teve também “pênalti chapado na bochecha da rede”, mas a pior foi “os times precisam ser CAMALEÔNICOS”. Que p**** é essa??
VOCÊ CONFIA NO VAR?
por Elso Venâncio
O VAR e confiável? Acha precisa essa tecnologia? Tenho lá minhas dúvidas. Ou, para ser mais claro e direto, entendo que o sistema deixa dúvidas no ar. Não é inquestionável. Muito pelo contrário.
Fiquei mais de 25 anos trabalhando como repórter no campo de jogo. Quando a bola rolava, ia para trás do gol. Na Rádio Globo, do Rio de Janeiro, onde permaneci por 17 anos, o “Garotinho” José Carlos Araújo, nosso grande locutor esportivo, me posicionava, independentemente de partidas no Brasil ou no exterior, sempre no gol à direita da cabine. Vi de perto vários lances que não foram pênaltis mas que a TV indicava falta.
Junior Baiano deu um carrinho em 1997, visando e tocando só na bola, dentro da área, e não atingiu Zé Alcino, atacante do Grêmio, no Estádio Olímpico. Lance legal. Alexandre Serquiz, que coordenava a jornada esportiva, entrou no retorno dizendo que a televisão, com uma câmera lateral, mostrava a falta… Cito aqui um dos inúmeros exemplos que presenciei in loco.
Nelson Rodrigues, há mais de 50 anos, falava que o videotape era burro. O que posso afirmar sobre a dúvida, se a bola tocou na mão ou não, depende do ângulo de posicionamento da câmera. E, no fim, acaba valendo sempre a interpretação. Ridículo o locutor e o comentarista de arbitragem repetirem o óbvio. Nesse ângulo não foi. Mas nesse… hum, nesse foi…
A jornalista e ex-árbitra Renata Ruel, em seu blog, analisou cientificamente o caso. Ela entrevistou o professor Felipe Moura, do Laboratório de Biomecânica Aplicada da Universidade Federal de Londrina. A margem de erro do equipamento é de 10 cm a meio metro.
O VAR é um GPS que determina a posição do jogador. O dispositivo aciona pelo menos três satélites, para fazer a triangulação. O professor Felipe alerta que a Ciência lida frequentemente com erro de medidas. O equipamento leva em torno de um minuto para conferir um impedimento. Por isso, os lances seguem, mesmo tendo a gente notado uma irregularidade clara – o que, convenhamos, é um retrocesso.
O tema merece um debate maior… A tecnologia chegou para evitar os erros ou nos confundir ainda mais?
A cada paralisação pra checarem o vídeo, os árbitros ficam acuados, cercados pelos atletas. O jogo fica, ao contrário da Europa, irritantemente parado.
O VAR é uma ferramenta que possui limitações e, ainda por cima, é pilotada por humanos. Isso sem falar nos gigantescos interesses da CBF, dos clubes, dos patrocinadores e, o que é mais perigoso, empresas de apostas, que hoje dominam no mundo – o dinheiro mais pesado colocado no futebol.
ZICO – UMA HISTÓRIA DE SUCESSO
por Luis Filipe Chateaubriand
1. O Começo
Em 03 de Março de 1953, nascia, no bairro de Quintino, no Rio de Janeiro, Arthur Antunes Coimbra – que viria a ser uma das maiores personalidades da história do Brasil.
O pequeno garoto foi chamado pelos familiares, primeiro, de Arthurzinho, depois, de Arthurzico e, finalmente, de Zico, nome que marcaria sua trajetória ao longo de sua atividade profissional.
O Zico menino e, depois, adolescente – irmão dos jogadores de futebol Antunes e Edu – jogava bola pelas ruas e campos de Quintino.
Jogava bem.
Muito bem!
Tão bem que se via gente vir do outro lado de Quintino, atravessando a linha do trem, para ver o pequeno Zico jogar.
2. A Ida ao Flamengo
O radialista Celso Garcia ouviu falar que havia, em Quintino, um menino lourinho, de 14 anos, que “comia a bola”.
Resolveu ir ver pessoalmente.
Foi a Quintino ver uma partida de futebol de salão do adolescente Zico.
Saiu de lá de “queixo caído”, maravilhado com a quantidade de gols e jogadas geniais que Zico produziu.
Imediatamente, foi à casa dos Antunes, pedir permissão para levar Zico ao Flamengo.
O velho Antunes, pai de Zico, foi reticente de início, mas acabou concordando.
O Flamengo acabava de ganhar o que viria a ser seu melhor jogador em todos os tempos!
3. A Preparação Física
Na Gávea, todos se encantaram com a técnica do jovem Zico.
Mas havia o temor de que aquele rapaz franzino não vingasse para o futebol, muito magro e pequeno, poderia ser presa fácil de zagueiros altos, fortes e violentos.
Então, foi feito um trabalho especial de fortalecimento muscular, comandado por José Roberto Francalacci, onde Zico fazia musculação, tinha uma alimentação especial e tomava suplementos vitamínicos.
O trabalho fez Zico ganhar peso em massa muscular e, assim, se tornar um jogador mais resistente fisicamente.
4. Os Fatídicos Anos de 1971 e 1972
O ano de 1971 não foi dos melhores para a carreira de Zico.
Promovido dos juvenis aos profissionais com 18 anos, teve que voltar aos juvenis, pois Zagallo – o novo treinador do Flamengo – argumentou que ele foi lançado nos profissionais prematuramente.
Se Zico jogasse nos profissionais desde 1971, provavelmente chegaria à Seleção Brasileira mais cedo e, quem sabe, disputaria a Copa do Mundo de 1974.
Também em 1971, disputou o Torneio Pré-Olímpico, e a Seleção Brasileira se classificou para as Olimpíadas com um gol seu.
Porém, na lista de convocados para as Olimpíadas de 1972, seu nome não constava.
Uma clara perseguição da ditadura militar à família Antunes, uma vez que seu irmão Nando militava em movimentos de esquerda.
O baque para Zico foi tão forte que ele pensou seriamente em abandonar o futebol.
Para nossa sorte, isso não aconteceu.
5. A Seleção Brasileira
O ano de 1974 marcou a ascensão de Zico aos profissionais do Flamengo, já como titular.
O mancebo jogou tanta bola que recebeu o prêmio mais importante do futebol brasileiro, a Bola de Ouro, da Revista Placar.
Dois anos depois, em 1976, debutaria na Seleção Brasileira, em jogo contra o Uruguai, em Montevidéu, no qual marcaria um gol de falta.
Pouco depois, conquistaria o Torneio Bicentenário dos Estados Unidos.
Jogou na Seleção Brasileira até 1986 – foram 10 anos, portanto – tendo participado de escretes marcantes, como o que disputou a Copa do Mundo da Argentina, em 1978, a Copa do Mundo da Espanha, em 1982, e a Copa do Mundo do México, em 1986.
6. A Era de Ouro
Entre 1978 e 1983, o Flamengo – liderado por Zico – ganhou títulos em profusão, de todos os jeitos, de todos os modos, de todas as maneiras.
Foram nada menos do que quatro Campeonatos Estaduais (1978, 1979, 1979 especial, 1981), três Campeonatos Brasileiros (1980, 1982, 1983), uma Copa Libertadores da América (1981) e um Mundial de Clubes (1981).
Era uma época em que o time do Flamengo era uma verdadeira Seleção Brasileira – talvez, até melhor que a própria seleção, por ter mais conjunto e ter boa estrutura tática.
Zico era o craque do time.
7. Na Itália
Em meados de 1983, Zico é vendido para a italiana Udinese, por astronômicos (para a época) quatro milhões de dólares.
Zico não queria ir, mas era a oportunidade que o Flamengo tinha de fazer dinheiro com ele, pois teria passe livre ao final de seu contrato.
Na primeira temporada na Itália, Zico foi a sensação: gols atrás de gols, foi vice-artilheiro (perdeu para Platini, que fez mais jogos que Zico), passes, lançamentos, cobranças de faltas, cobranças de pênaltis.
Na segunda temporada na Itália, Zico, o “Galinho de Quintino”, não foi tão bem, teve problemas físicos.
Era hora de voltar para casa.
8. De Volta
A volta de Zico ao Brasil foi comemorada em prosa e verso pela torcida rubro negra.
O ídolo à casa retornava.
Só que, infelizmente, a alegria durou muito pouco!
Depois de Zico ter disputado poucos jogos, veio a partida contra o Bangu.
E, aí, um troglodita chamado Márcio Nunes acertou o joelho de Zico!
Quanta dor, quanto sofrimento!
Foram meses de tratamento para voltar a jogar.
9. Campeão Novamente
Após a Copa do Mundo de 1986, no México, Zico operou o joelho machucado e, em 1987, voltou a jogar – com algumas restrições, mas ainda em alto nível.
Assim é que se tornou decisivo para o título da Copa União, ainda em 1987, quando o Flamengo tinha um timaço que encantou o Brasil jogando uma bola que era de se admirar.
Esse foi o título derradeiro da carreira de Zico no Brasil.
10. A Despedida no Brasil
Os anos de 1988 e de 1989 foram sem título no Flamengo e, então, Zico decidiu que era chegada a hora de parar.
Uma festa linda, em um Maracanã com mais de 120000 pessoas, jogadores de nível internacional, luzes encantadoras, algo ao nível do “Galinho de Quintino”.
Mal se sabia que a história não acabaria ali…
11. No Japão
Em 1990, 1991, e 1992, Zico foi Secretário de Esportes do Governo Federal.
Depois disso, aceitou ou convite do clube japonês Sumitomo (Kashima Antlers) para voltar a jogar e popularizar o futebol no Japão.
Foi isso que fez, fazendo que o futebol se tornasse um esporte popular no Japão.
Lá, ele fez o gol que muitos consideram o mais belo de sua carreira, o “gol escorpião”, em que ele faz o movimento de um gol de bicicleta, só que com o calcanhar.
No Japão, também teve direito a uma despedida de gala, com direito a um boneco seu em tamanho gigante.
12. Depois do Jogador de Futebol
Embora tenha relutado a princípio, tornou-se técnico de futebol, tendo treinado diversos clubes e seleções.
Ensaiou, também, uma candidatura a presidente da FIFA.
Ao momento, é Gestor de Futebol do Cashima Antlers.
Tem, também, o seu próprio clube de futebol, o CFZ.
13. O Legado
Quando se pensa em Zico, se pensa em profissionalismo, se pensa em dedicação, se pensa em trabalho, se pensa em superação, se pensa vitória!
Zico II
O GALO CANTA ALTO
texto: Mauro Ferreira | vídeo: Daniel Planel
É necessário recorrer aos mestres. Para escrever ou falar sobre Zico, não se pode usar qualquer ajuntamento de palavras ou frases; não se pode simplesmente obedecer regras básicas de pontuação. Uma história de superlativos não permite o trivial, o comum, o corriqueiro. Embora para ele suas obras de arte sejam de simples execução, para os pobres mortais é algo impossível de realizar.
“Eu vi dois zagueiros me marcando. A bola deu uma quicadinha, passou um pouco de mim e eu trouxe ela de volta com a lateral do pé. Passou na altura da cintura dos dois e eles não podiam fazer nada. Depois, foi só tirar do goleiro”. Diria mestre Armando Nogueira: “E a bola, coladinha no pé, parecia amarrada no cadarço da chuteira. Um gol de enciclopédia”. É necessário recorrer aos mestres!
Mesmo que sejam invejosos.
Luís Fernando Veríssimo, torcedor do Internacional, para fugir do reconhecimento, elevou o craque à categoria de “entidade abstrata criada pelo inconsciente coletivo do Maracanã”. Mero distanciamento de quem queria fingir não ver o que estava estampado em vermelho e preto. Melhor seria, Veríssimo, acompanhar Fernando Calazans: “Se Zico não ganhou uma Copa do Mundo, azar da Copa do Mundo”.
Pois é. Faz tempo que as tardes de domingo ficaram mais pobres em sorrisos. Faz tempo. Mesmo assim, a tal entidade do Veríssimo flana entre o abstrato e o concreto. O tempo não lacra a caixinha do imaginário, crianças de pouca idade, ainda com menos de 10, envolvem o 10 mais famoso do Flamengo pra pedir um rabisco em papéis, camisas, bonés, seja lá o que for. É a impressão, um carimbo eterno em algum objeto que ocupe espaço de honra em alguma parte da casa. Um “eu consegui”.
Quando Zico parou de jogar, Sergio Cabral sentenciou: “Adeus, Zico. Nós vascaínos, tricolores, botafoguenses etc., dormiremos mais tranquilos sabendo que uma falta cometida nas proximidades de nossa área não será tão perigosa assim. Que não teremos de enfrentar os seus dribles, seus lançamentos, suas soluções inteligentíssimas para as jogadas mais difíceis, a sua movimentação que o levava, em frações de segundo, da intermediária à porta do gol e aos gritos de “Zico!Zico!Zico!” quando você fazia uma das suas e chutava aquelas bolas que tocavam na rede e batiam em cheio em nossos corações. Em compensação , nós, que tanto amamos nossos clubes quanto o futebol, estaremos com as nossas tardes de domingo mais pobres. E, aí, veja que ironia, teremos saudades de você.”
E põe saudade nisso!
UM QUILO DE ALCATRA
por Claudio Lovato Filho
A carne era tudo o que ele carregava.
O açougueiro a havia cortado em bifes grossos e colocado no saco plástico com a etiqueta que informava o peso e o preço. No caixa rápido – para “10 volumes no máximo” – ele pagou pelos 987 gramas de alcatra usando o cartão do banco em que abrira conta havia menos de um mês e saiu do supermercado.
Saiu do supermercado, mas não conseguiu sequer chegar à esquina que lhe daria acesso à avenida que ele percorreria até chegar em casa, onde a mãe – ele sabia – ficaria de queixo caído e sem saber o que dizer assim que se desse conta daquela surpresa que ele havia preparado para ela.
Ele não chegou à esquina porque uma viatura da Polícia Militar subiu na calçada e lhe interrompeu a passagem. Ele só teve tempo de arregalar os olhos e sentir o coração disparar antes que o PM que saiu do assento do lado do motorista começasse a gritar com ele.
“Na parede! De frente pra parede!”
“Solta a sacola!”
“Mão na cabeça!”
“Abre as pernas!”
Com o nariz quase encostado ao muro da escola pela qual ele tantas vezes havia passado na vidapercebeu a aproximação, à direita, de outro PM. Esse outro tinha uma voz arranhada, grossa, e o cheiro que vinha daquela boca lembrou a ele um bicho morto.
“Onde é que você arranjou dinheiro para comprar esta carne?”
Ele conseguiu reunir calma e coragem para responder.
“Eu ganhei. No Castanheira. Eu jogo lá”.
“Cadê a nota fiscal?”.
“Joguei fora”.
O PM que havia se aproximado primeiro começou a enfiar as mãos e mexer nos bolsos da bermuda dele,até que os forros ficassem para fora. Com brutalidade, o policial tirou um chaveiro com o escudo do clube, ao qual estavam presas duas chaves (do portão e da porta de casa). Depois puxou uma carteira de plástico. Por fim arrancou do bolso de trás o celular com o protetor de tela rachado.
Esse mesmo PM examinava lentamente o conteúdo da carteira (havia uma nota de R$ 20, uma de R$ 10 e duas de R$ 2, a carteira de identidade, o cartão do banco, um bilhete do metrô e a carteirinha do clube com a foto dele e o registro como jogador das categorias de base), enquanto o outro se mantinha com a mão na coronha da pistola automática e com um dos coturnos encostado na sacola com a carne.
Então o que tinha o bafo de esgoto disse:
“Vira”.
Ele se voltou devagar até ficar de frente para os dois policiais.
O PM que havia revistado a carteira a devolveu. Devolveu também as chaves e o celular. O outro lhe entregou a sacola do supermercado. Os dois policiais se entreolharam.
“Tranquilo. Poder ir”, disse o primeiro PM.
E o outro:
“A gente recebeu uma informação e a descrição bate com uma pessoa com a sua… com a sua… aparência. Pode ir”.
Ele ouviu – não viu, porque não conseguiu olhar;apenas ouviu, de cabeça baixa e com os olhos fixos na calçada – os dois policiais entrarem no carro e irem embora.
Foi para casa como se fosse a primeira vez que estivesse andando naquela avenida e naquela cidade.
Quando chegou e entregou a compra à mãe, ela ficou sem saber o que dizer, apenas sorriu e ficou olhando para ele, exatamente do jeito que ele imaginou que seria.
“Vou fazer com ovo pra você, meu filho”, ela disse. “E batata frita”.
Ele tentou sorrir. Tentou deixar para trás o medo, ao mesmo tempo em que – agora, sim – sentia a raiva se apresentar com toda a força.
“Agora você é jogador profissional, meu filho. Você conseguiu. Vai ganhar o seu o dinheiro, vai ficar conhecido, vai ser respeitado, porque neste país só assim para uma pessoa como nós ser respeitada”.
Pensou no enorme esforço que teria que fazer para engolir aquela carne que a mãe já estava começando a preparar na cozinha. Seria mais uma luta que teria que empreender, uma luta pequena em comparação às tantas que já havia se acostumado a enfrentar desde muito cedo, desde sempre.
Mas foi só quando olhou para o irmãozinho, que assistia TV sentado no chão e sorria para ele de um jeito que só as crianças conseguem fazer, que as lágrimas finalmente vieram, e ele teve que correr para o banheiro porque não poderia deixar que nenhum deles visse em seu rosto a amarga materialização de todo o medo e de toda a desesperança e de toda a humilhação que naquele momento ele carregava dentro de si.