A INAUGURAÇÃO DO FUTEBOL MODERNO
por Zé Roberto Padilha
O ano era de 75 e os professores da Escola de Educação Física do Exército, espalhados pelo maiores clubes do nosso futebol, começaram a nos preparar para a transição de jogadores de futebol para atletas profissionais.
Depois da arte se impor em 70, no México, quatro anos depois a Alemanha ganhou em casa o mundial, e junto a Laranja Mecânica holandesa, inaugurou o futebol moderno.
No Fluminense, o responsável para realizar tal transição foi Carlos Alberto Parreira.
Interval-training, Circuit-training, Teste de Cooper foram incorporados à preparação física. E as máquinas Apolo e Nautilus foram instaladas para aumentar a nossa força muscular.
Nos jogos, os duelos, que eram individuais, lateral versus pontas, atacantes versus zagueiros, foram se tornando coletivos. Isto é, todo mundo contra todo mundo.
Para nós, foi em um América X Fluminense, Brasileirão de 75, que tudo começou.
Flecha, ponta-direita do América, cansou de duelar com o Marco Antonio. Como cobaia do Parreira, que chegou a me escalar na lateral para aprender a marcar, e estava voando, quando o Flecha preparou seu drible eu vim por trás e lhe roubei a bola.
Irritado, inconformado, partiu atrás de mim. Não para retomar a bola, mas para tirar satisfações: “Vá se ferrar, baixinho. Sou eu contra o Marco Antonio, não tem nada que se meter!”
No vestiário, relatei para o Parreira o ocorrido. E ele achou interessante, porque o futebol moderno tinha começado, só não havia uma data de sua inauguração.
Agora, disse, ele tem. Você, Flecha e Marco Antonio inauguraram, hoje, nesse lance aqui no Maracanã, as bases do futebol moderno.
Lembrei disso, hoje, porque o Flecha, que era Guilherme, nascido em Canoas, RS, nos deixou.
Descanse em paz meu amigo.
Obs. Na foto, Marco Antonio, Edinho e eu contra Flecha e Tadeu.
MÃOS SÁBIAS E SEGURAS PARA NOS CONDUZIR À VITÓRIA
por Zé Roberto Padilha
Fábio acabara de renovar seu contrato com o Cruzeiro. Na Série B, do ano passado, foi seu melhor jogador. Aos 41 anos, idade onde o goleiro alcança sua plenitude, se preparava para uma nova temporada.
Daí chegou o novo dono do clube, um ex-jogador, e no lugar de apontá-lo como exemplo de sua administração, aponta-lhe o olho da rua. Quando, na verdade, merecia uma estátua.
E rasga um contrato assinado e o coloca para treinar à parte.
De uma maneira seca, covarde, Ronaldo, o Fenômeno da imbecilidade, esquece suas origens e inicia sua gestão desrespeitando um companheiro de profissão.
Quando um goleiro não se lesiona, e treina forte, e joga todas as partidas de uma temporada, como Fábio faz há anos, não há uma bola, chutada ou cabeceada, de córner, falta ou um tiro de fora da área que lhe surpreenda.
Que não tenha vindo em sua direção e que já tenha encontrado maneiras de colocar o perigo para escanteio. Tal sabedoria acontece em toda a profissão em que a vocação, a preparação e e a seriedade vão a campo defender um patrimônio.
Em meio a tanta indignação ocorrida no mundo do futebol, protestos de todos os lados, o único que não reclamou foi ele, Fábio. Sabia que encontraria um clube à altura não apenas do seu talento, mas da sua nobreza.
Recebeu, calado, a notícia de sua liberação e desembarcou, em silêncio, no Rio. E foi para debaixo das traves tricolores trocar a voz pelas mãos. Responder com defesas e dar sequência a sua admirável trajetória com a qualidade das suas intervenções.
Sua vinda para o Fluminense não foi por acaso. Teve o de dedo de Carlos Castilho, as mãos seguras do Félix, no texto redigido por Nelson Rodrigues e encaminhado aos Deuses do Futebol.
Na terça, Fábio foi o goleiro titular em nossa estreia na Copa Libertadores. Com ele no gol, o Fluminense iniciou sua caminhada em uma competição que tem a sua cara. O seu prestígio. A sua história.
Porque com a experiência do Fábio, a juventude de Luiz Henrique, André, Calegari e uma lenda viva à sua frente, como referência, deixaremos, como dizia nosso mestre e dramaturgo, de ser grande.
Seremos ainda maiores.
FORÇA FEMININA
por Wendell Pivetta
Em Tupanciretã muitas conquistas esportivas ainda estão por vir. O município do interior do Estado do Rio Grande do Sul ainda está em evolução, e construindo campeões.
Em tempos áureos, o título de maior expressão do futebol local é a conquista da segunda divisão do Gauchão realizada pelo GEPO, nos anos 80.
No domingo, 20 de fevereiro, a equipe do SPORT F.C entrou para a história, se tornando o primeiro time a ser sede de uma competição Estadual na categoria feminina. Sim, apenas em 2022 o município conseguiu este mérito, e com uma equipe determinada a almejar o topo.
O SPORT F.C tem se tornado cada vez mais exemplo de garra e conquistas, batalhando por um espaço ainda pequeno dentro da cidade, mas unindo a família, o time está muito bem estruturado. Prova disso, a classificação da equipe na Copa de Verão Nedel organizada pela Liga Sul Rio Grandense de Futsal.
No domingo, a equipe enfrentou durante o dia, a primeira etapa da competição, envolvendo os times Industrial da cidade de Palmitinho, o Barcelona e o Bonekas F.F de Júlio de Castilhos. As gurias tupanciretanenses se classificaram em segundo, e jogam a segunda etapa da competição em São Luís Gonzaga, município com mais de 3 horas de distância.
E prova da união desta família, e dedicação tática de muito treino destas gurias, que muitas vezes treinavam a meia noite no Ginásio Municipal, foi o registro fotográfico que realizei no embate final da chave, quando o SPORT F.C precisava vencer o Bonekas F.F para garantir o acesso.
Em um jogo eletrizante, mas de goleada, a equipe de Tupanciretã batalhou, e superou suas adversárias com um belo futsal. E em um lance especial, trouxe o esplendor do dia. O time estava vencendo, porém acabava de tomar um gol, e às adversárias estavam apelando diretamente para a agressividade. Muitas faltas sendo cometidas, arbitragem com o pulso leve, e em um lance para expulsão, a ala do SPORT F.C escapa pelo setor direito, chega frente ao gol, e é parada com um carrinho de uma atleta, e por cima, um cotovelo da outra adversária. Prensada e afetada pela agressão, a jogadora não conseguiu seguir em quadra diante de tamanha dor em sua perna.
A substituição aconteceu naturalmente. Tensão e nervosismo, um clima de briga estava se instaurando na partida, então o técnico foi ágil: “Ei, gurias, elas estão só batendo. Façamos o seguinte, se soltem, troquem passes, façam 2-1 e deixem elas correrem atrás da bola, vamos cansar elas”.
Sábia dica para o atendimento rápido do time. A cobrança da falta, o 2-1 realizado e na esquina direita da área, um chute raivoso, forte, feroz, ultrapassa a linha defensiva adversária para a euforia dos torcedores do Ginásio Municipal. A atleta foi ao alambrado, vibrou, celebrou, abraçou.
Muita emoção tomou conta de um jogo, para terminar SPORT F.C 5×1 Bonekas F.F. Tupanciretã classificada, e a representação de um belo futsal com determinação, garra, dedicação e emoção pura da magia do futebol raíz, do alambrado ainda vivo.
FUTEBOL CARDS, UMA ONDA IRRESISTÍVEL
por Paulo-Roberto Andel
Entre 1978 e 1981, a garotada que curtia futebol foi tomada por uma verdadeira febre que até hoje repercute no mundo adulto: a coleção de cartões Futebol Cards.
O lançamento veio na estreia da Copa da Argentina e logo mobilizou uma multidão. Pela primeira vez, o futebol não era lançado em figurinhas para um álbum, mas em cartões de papelão de ótima qualidade – mais de 40 anos depois, colecionadores ostentam peças impecáveis.
Cada cartão vinha com a foto do jogador vestido com a camisa do clube e, em seu verso, uma pequena ficha de apresentação com dados pessoais, gostos e trajetória na carreira. A venda era em pacotinhos com três cartões e o chiclete Ping Pong, também chamado de Magrão pelo seu formato retangular finíssimo. Bem, o chiclete não era grande coisa (…), mas o fato é que a garotada invadia as bancas de jornal – que, acredite, vendiam jornais naquele tempo – com suas moedas para a arrebatar os pacotes. Num mundo sem internet, o Futebol Cards era uma das raras oportunidades de se conhecer um pouco mais os ídolos.
Como em toda coleção, Futebol Cards tinha os cartões mais populares, que acumulavam repetições e eram usados em trocas, enquanto os mais raros eram disputados a tapa. Todo mundo tinha um Fred do Botafogo, zagueiro e irmão de Paulo Cezar Caju. Abel, o Abelão, hoje treinador consagrado, era um símbolo permanente do Vasco nos pacotinhos. Pelo Fluminense, o cartão popular era do multitarefa Rubens Galaxe. Do Flamengo, Rondinelli. E das equipes de outros estados? Quem não teve vários Iúra do Grêmio, Victor do Santos, Odirlei da Ponte Preta e o cracaço Zé Carlos do Guarani?
Num primeiro momento, a coleção se limitava aos grandes clubes, mas rapidamente abrigou equipes expressivas de outros estados e, numa segunda etapa, algumas equipes de menor investimento. Um caso típico foi a simpática Caldense de Minas Gerais, que ganhou projeção nacional com a coleção. Já incensado pela bela campanha em 1977 e o grandioso Estádio Santa Cruz, o Botafogo de Ribeirão Preto também teve grande visibilidade graças à coleção, que incluía nomes como os de João Carlos Motoca, o do goleiro Aguilera e do veteraníssimo Zito.
Alguns cartões ficaram muito valorizados por erros de edição. Por exemplo, no Guarani, os cartões dos pontas Capitão e Bozó, campeões brasileiros de 1978, saíram trocados. Em outras situações, os jogadores que mudaram de clube possuem cartões diferentes. É o caso de Nunes, que tem dois cartões quando jogava pelo Fluminense (um de camisa branca e o outro com uma camisa tricolor estranhíssima) e depois um pelo Flamengo, com a camisa rubro-negra. Também é o caso do xerife Moisés, com cartões pelos dois clubes. No Grêmio, o goleiro Remi não tirou a foto com a camisa da posição, mas sim a do time.
A Futebol Cards também lançou a série Grandes Jogos, registrando partidas importantes dos anos 1970, com fotos maravilhosas. Clássicos como Atlético e Cruzeiro, Fla x Flu e o incrível Fluminense x Corinthians de 1976 estão na lista.
Mais de quarenta anos depois, a coleção mexe com os torcedores cinquentões. Negociações na internet alimentam o sonho de se conseguir um cartão que faltou à época. Lá estão muitos e muitos nomes que ajudaram a escrever a história cotidiana do futebol brasileiro. Que tal o Helinho do Vasco? Ou o trio Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá da Ponte Preta? Juari e Nilton Batata no Santos. Zé Carlos, Renato e Zenon no Guarani. Marinho, Jair Gonçalves e Pires no Palmeiras. Você sabia que Ancheta, zagueiro símbolo do Grêmio, depois virou cantor na noite de Porto Alegre?
Ah, o meu time com Wendell e Renato, Gilson Gênio e Zezé, Pintinho e Cleber, que saudade!
@pauloandel
AS CICATRIZES DE UMA PAIXÃO
por Zé Roberto Padilha
Nem sei o que faria sem essa válvula de escape em que, quase diariamente, registro as lembranças de dezessete anos como jogador de futebol. O jornalismo, em que fui buscar ferramentas para descrevê-las melhor, tem me ajudado bastante.
Conto as passagens vividas, sofridas ou vencidas, tem empates também na loteria. E logo existo.
Mas penso nos meus amigos que ralaram ao meu lado. De como estão se defendendo sem uma caneta nas mãos. Como o Paulo Sérgio (foto), esse excepcional goleiro, pelo Té, símbolo maior de Santo Antônio de Pádua, do Marco Aurélio, o dono de Muriaé, do Rubens Galaxe, que está no Detran mas que merecia era dar nome a Sala de Troféus do clube em que se entregou de corpo e alma: o Fluminense FC.
Como tantos, viveram intensamente o mundo da bola e ele, por ser a paixão maior do nosso país, não tem respeitado, ou aposentado com dignidade, os que viveram debaixo da emoção única que o cerca.
Ao contrário das demais profissões, não há um só dia de trabalho em que você não esteja sendo observado. Cobrado nos treinos, por alguns, nos jogos, por uma multidão. Durante a semana é o chefe e seu auxiliar técnico quem berra contigo. E, no final, são os torcedores.
No nosso tempo, segunda-feira vinha a nota de sua atuação. Não no mural da escola, no quadro de funcionários do mês, mas nas bancas no Jornal dos Sports. Um dia a Robertinha, minha filha, comentou: “Nota quatro, pai!” Nossos feitos, bem ou mal feitos, eram de domínio público.
Em Campos, onde atuei por três anos, dois no Americano e um no Goytacaz, tinha um caixa no banco que não podia me ver. Como não tinha Pix, ou mesmo Caixa Eletrônico, antes de me pagar o salário, exclamava, ao vivo, para todo mundo escutar: “Puxa, Zé Roberto, que vexame, hem!”.
Ele queria que ganhássemos do Flamengo. Em 1982.
Não são apenas dezessete anos que o INSS deveria levar em conta ao nos aposentar. Recebemos o triplo de pressão, pancadas e contusões que deveriam computar. No corpo e na alma.
Por na conta duas décadas sem o sábado, passados em uma concentração, sem horas extras computadas. Duas décadas atuando no domingo, sem a paga dobrada, tendo apenas a segunda-feira, de clubes fechados, boates, discotecas e teatros sob manutenção, para o lazer. Seu e dos seus filhos que estarão no colégio.
Só lhes restou a praia. E quando você mergulha, uma voz, que gritou o seu nome na véspera, não o reconhece sem o pavilhão para o qual lutou por noventa minutos. E comenta, dentro de um Copacabana-Irajá, via Jóquei: “Mas como tem vagabundo neste Rio de Janeiro!”
Alguns são lembrados na televisão. “E aí, Maestro!”. “O que achou do River Plate, nosso Tetra?”. “E a atuação do Palmeiras, Animal!”.
Mas são exceções. A maioria está se virando em outro ofício diferente do talento herdado. Do dom tão cobiçado que os levou, um dia, a serem ídolos de alguém.
Hoje, são reféns do ostracismo, alguns com retratinhos no bolso tentando provar, pelos barzinhos que perambulam, os heróis que foram um dia.
Sendo assim, em nome de todos aqueles que são, hoje, esnobados pela indiferença dos que um dia subiram as rampas, dos maiores e menores estádios do país, para gritarem seu nome e pedirem garra para reforçarem a sua, os meus respeitos.
Vou continuar aqui nos defendendo, contando nossos casos. Quem sabe um dia levem nossas histórias a sério? E nos aposentem pelo tempo que merecemos, mesmo que tenhamos que esperar pelo dia em que vivermos em um país sério.