MEU MUNDO NÃO EXISTE MAIS
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Não há dúvida, sou um dinossauro, meu mundo não existe mais. Corrupção, ganância, dinheiro, pandemia, guerra, descontrole total. Preciso de paz, amor e justiça para sobreviver. “PC, viu que o VAR beneficiou o Flamengo novamente?”. Tô fora! A tecnologia é necessária, mas afasta. As tevês, lá atrás, ajudaram a esvaziar os estádios e, hoje, é isso que está aí.
Sou um dinossauro, um sobrevivente. E por coincidência, entre os milhares de zaps que recebo me encantei com o vídeo de um dinossauro, justamente um “parceiro” meu, que invade o Congresso para discursar sobre as atrocidades desse mundo atual e lembrar como sua espécie foi extinta. Mas não aprendemos e continuamos nos matando.
Sigo em busca do amor e da pureza. Tenho buscado abrigo, sossego, e volta e meia descubro microcosmos de felicidade habitados por velhos companheiros, heróis da resistência, que já fizeram a alegria do povo, lotaram estádios e fizeram pulsar os corações de milhares de pessoas. Me emocionei no Verzul, em Moneró, na Ilha do Governador, aniversário do excelente zagueiro Gaúcho, dos bons tempos do Vasco. A felicidade estava ali, naquela resenha, com peixe, pirão e pé de galinha.
O Verzul foi fundado por Brito e Nilton Santos, vejam só que coisa linda! É um espaço simples, com um campinho de terra batida. Falei com Brito pelo celular e me emocionei quando vi chegar meu compadre, o lateral Marco Antonio, campeão de 70. O compositor Canário, cantava, Baiano, da Portuguesa, batucava, e eu me sentia abrigado em minha caverna intransponível, cercado de dinossauros e tiranossauros rex, e com a certeza que a simplicidade é a salvação do mundo.
Pérola da semana: “O time joga com as linhas altas, torcendo por uma segunda bola viva, para implementar um futebol consistente, resgatar a intensidade e encontrar a identidade do jogo”.
MANÉ GARRINCHA IN CONCERT
por Péris Ribeiro
Cena de cinema. Garrincha, o maior personagem da Copa, acompanha o acrobático voo de Schroif, notável goleiro tcheco
Como é gostoso voltar a 1962… De repente, a gente fecha os olhos e é como se estivesse diante da cena. Faltam quatro minutos para o fim da partida, mas o Brasil, glorioso, já desfila jogadas com o garbo de um bicampeão do mundo. Mesmo assim, o público ainda se agita, demonstrando querer um pouco mais do que vê como pura magia. E que a imprensa internacional, extasiada, resolveu definir como “ Futebol – Arte”.
Pois é nesse instante – e que bendito instante! –, que a bola chega aos pés de Mané Garrincha, numa das poucas vezes em que ele se desatrela dos seus três implacáveis marcadores. Parece até inverossímil, mas Mané, enfim, aparece desgarrado pela ponta-direita. E é ali, justamente ali, que recebe o passe açucarado, feito sob medida por Didi.
De saída, como que para prender a atenção da plateia, é aquele manjado finge – que vai – mas-não vai. Com os tchecos tontos, sem saber como reagir. Mas, na sequência, Mané já prende a dois adversários com a costumeira facilidade. E, não mais que repente, trava a corrida de estalo. Suspense! Puro suspense em todo o estádio!
É que, no ar, parece existir uma única pergunta: o que fará, agora, o genial jogador? Que mágica ainda sacará da cartola, em pleno ato final do Mundial? Ar debochado, Mané passa o pé direito sobre a bola… e baila! Só que desta vez vêm chegando Novak, seu marcador direto e Pluskal, o quarto-zagueiro. Até o grandalhão Kavasniakaparece, em plena operação de auxílio aos companheiros em apuros. Porém, nada é capaz de impedir que sejam driblados seguidas vezes. E da maneira mais humilhante.
Mesmo assim, o mais incrível nessa história toda é que, já nos minutos finais da partida e com o título mais que decidido, nenhum dos três tchecos tenha sequer percebido que, o que o desconcertante Mané Garrincha mais queria, era…brincar! Ou seja: deixar um último e inesquecível presente, para as multidões das arquibancadas em festa.
Então, ameaçando arrancar novamente, Mané consegue sem dificuldade desestabilizar aos atarantados Novak, Pluskal e Kavasniak. E, como resposta, não há quem contenha o riso franco no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Ainda mais porque, àquela altura, o que mais se vê são pernas se enroscando para todos os lados. Só que Mané ainda quer mais. E, com um leve gesto, balança o corpo e ameaça arrancar. Pela enésima vez. Até que, de repente, se torna imóvel. Aí, é mesmo de morrer de rir…
De um lado, como se fosse um toureiro, lá está Mané. Impávido! Até que, aos poucos, ginga o corpo e vai oferecendo-lhes provocativamente a bola. Mas os três, cada vez mais confusos, já não movem um músculo do rosto. Estão petrificados, como que hipnotizados pela arte chapliniana do camisa 7 brasileiro. Se Mané mandar, Novak, Pluskal e Kavasniak são capazes de ajoelhar a seus pés. Quando não, de beijar a grama – ou até mesmo comê-la. Por isso mesmo, está sacramentado ali, naquele instante, o momento mais sublime da Copa do Mundo de 1962. Ninguém mais se lembra, mas o placar mostra, bem lá no alto, uns definitivos Brasil 3 x Tchecoslováquia 1.
Então, sente-se que é chegada a hora da grande homenagem. É quando o Estádio Nacional, repleto, se entusiasma e bate palmas de pé, em total e emocionada reverência a duas majestades. Ao Brasil, bicampeão do mundo. E a Mané Garrincha, Rei absoluto daquela copa disputada aos pés dos Andes.
Pouco depois, eis que finalmente o jogo termina. E os dois times, após se confraternizarem, já se perfilam para ouvir os hinos nacionais e receber as medalhas de ouro e prata. Um momento em que o ansioso Mauro, o capitão brasileiro, se prepara para erguer, solene, a Copa Jules Rimet em pleno palanque oficial. Justo quando Mané, camisa largada para fora do calção, aparece com um estranho boné na cabeça.
– Mas que negócio é esse? – pergunta Zito, com ar intrigado e repreendedor.
– Sei lá, foi um cara aí que me deu. Um torcedor brasileiro – responde Mané
– Pois tira logo esse troço, que você não está em Pau Grande – replica Zito, já enfezado.
– Qualé, Chulé? Que tira nada! Taí: gostei dele. Vou mais é curtir uma onda por aí…- define o papo Garrincha.
E, ato contínuo, sai em total ritmo de festa pelo gramado. Comemorando à sua maneira simples – matuta; tipicamente provinciana – o título que, praticamente sozinho, havia acabado de ganhar para o Brasil.
Um título, por sinal, com a cara e o jeito do seu jogo desconcertante. Não fosse ele, Mané Garrincha, uma mistura de anjo e demônio de pernas tortas, a brindar o mundo com o esplendor e a irreverência de sua arte.
DEVO AO RÁDIO O AMOR PELO FUTEBOL
por André Felipe de Lima
O rádio me fez amar o futebol. Não tenho a menor dúvida disso. Sou um homem convicto, portanto, e de uma geração que assistia ao futebol na TV raríssimas vezes. Sou também de uma época (e ando repetindo muito isso em cada frase que digo…) onde não havia contrato milionário entre clubes e emissoras. Ao vivo, na velha Telefunken P&B , e para valer, só mesmo jogos de Copa do Mundo. Clássicos, como Vasco e Flamengo, por exemplo, eram raros ao vivo. Só rolavam na telinha quando estava em jogo um troféu da Taça Guanabara ou do campeonato carioca. Sem TV, eu vibrava com as transmissões radiofônicas dos jogos e sempre curtia, horas mais tarde, na TVE, o videoteipe completo do jogo que ouvi e, de quebra, os gols do Fantástico na indefectível voz do Leo Batista, com o notório patrocínio da cachaça Tatuzinho. Quem não se lembra do jingle? “Ai, Tatu, Tatuzinho, me (sic) abre a garrafa e me dá um pouquinho…”. Um verdadeiro “paraíso” do jogo de palavras que poucos anos depois, na faculdade de jornalismo, estudei nas divertidíssimas aulas de linguística do genial mestre André Valente. Aliás, quem nunca leu de autoria do Valente “A linguagem nossa de cada dia”, que leia. É uma viagem deliciosa pelo nosso idioma. Um encanto. Mas como estávamos falando, o meu amor pelo futebol nasceu com o rádio. Esse amor começou tímido, jogando bola com a minha surrada camisa do Vasco, da marca Hering, mas foi crescendo, crescendo, crescendo a cada jogo que ouvia pelo rádio. Acho que a maioria das partidas pode ter sido a maior pelada do mundo, mas eles, os locutores, faziam daqueles jogos “verdadeiros jogões”, como dia desses comentou o amigo Márcio Carneiro. Podia ser um Vasco e Mixto (é com xis mesmo… entenda-se isso), isso pouco importava. Empolgava-me mesmo manter o ouvido colado no rádio e depois tecer entusiásticos comentários com os colegas do colégio na manhã seguinte: “Meu irmão, que jogaço o de ontem do Vasco contra o Mixto…”. Éramos inocentes, ingênuos, mas saudavelmente românticos e com uma capacidade para sonhar que hoje sinto falta nas novas gerações que vivem o seu tempo, é verdade. Um tempo de velocidade, de apelo midiático sem precedentes, de novas e impressionantes tecnologias. Tempos de uma acessibilidade à informação que eu jamais tive quando jovem, mas também tempos de artificialidade. Por isso acredito que a minha geração, a do meu pai e a dos meus avós amavam mais o futebol, porque o rádio nos permitia sonhar mais com o clube, seus brasões e ídolos. Vejam vocês. Hoje em dia, um time é campeão e o torcedor não invade mais o gramado para comemorar com os jogadores. Estes, por sua vez, também são o reflexo dessa artificialidade de que falo. O juiz apita o final da peleja e a comemoração não é efusiva como aquelas que presenciamos nos anos de 1970 e de 80, e isso citando somente as que presenciei no Maracanã ou nas raríssimas transmissões ao vivo pela TV. A festa era impressionante. Revejam, por exemplo, o fim daquele jogo decisivo do Corinthians contra a Ponte Preta, em 1977, e comparem com as “comemorações” de finais dos anos de 2000 para cá. A constatação é óbvia. Amávamos mais o futebol. Vibrávamos mais. Cantávamos mais. Aquilo que o passado roubou de mim era o futebol que o rádio me ensinou a amar. Ah, Jorge Curi; ah, Waldir Amaral, que saudade de vocês…
Jorginho II
DE BEM COM A VIDA E COM O FUTEBOL
por Eduardo Lamas
Assim como a entrevista com Pintado, em novembro de 2019, a oportunidade de conversar com Jorginho aqui em Florianópolis não podia ser perdida. Afinal, como treinadores que nasceram e têm residência fixa em outro estado (no caso de ambos, em São Paulo), acabam sendo moradores apenas passageiros de muitas e muitas cidades. Valia o mesmo nos tempos de jogador. Neste retorno ao Museu da Pelada, em outubro passado, procurei logo agendar esta entrevista, pois sabia que muitas e muito boas histórias com o sempre bem-humorado Jorginho não faltariam. E a expectativa se confirmou, como vocês podem atestar no vídeo acima.
Ex-ponta-direita surgido na Portuguesa dos anos 80, quando o clube paulista ainda despontava em constante busca de um espaço entre os grandes do futebol brasileiro, Jorginho logo se destacou, fez parte de um ataque de sucesso com Lê e Toninho e conseguiu uma convocação para a seleção brasileira. A carreira vitoriosa que passou ainda por Atlético-MG, Palmeiras, Fluminense, Santos, Coritiba, Avaí, Santo André, entre outros, moldou o treinador, que assim como a Lusa até alguns anos atrás, tenta se inserir no hall dos grandes técnicos brasileiros.
Não é uma batalha fácil, ainda mais em tempos de tanta valorização de treinadores estrangeiros por aqui. Tanto, que quase um mês após esta nossa entrevista, ele deixou o Figueirense, logo após a conquista da Copa Santa Catarina. No entanto, ele certamente não perdeu a sua gana de viver e trabalhar que o ajudaram, por exemplo, a superar o momento mais difícil de sua vida: a morte de seu filho Leonardo, ainda muito jovem, num acidente de moto. Na vida e na bola, Jorginho é um grande exemplo, você há de concordar comigo.
O MONSTRO DO FUTEBOL DE SALÃO
texto: Mauro Ferreira
Ele ainda era só Serginho quando o locutor Januário de Oliveira soltou seu tradicional “eeeeeeee o golaço. Goooool do monstro. Serginho sabe que é disso, é disso que o povo gosta!!!! “. Ia além de saber que era disso que o povo gostava. Sérgio Sapo sentia o que o torcedor queria e entregava obras maravilhosas com a bola pesada grudada nos pés. Até hoje, senhor sabedor de seu dom, espalha histórias e uma certa marra típica dos craques sacanas. Pudera. Decidiu dois mundiais de futebol de salão com gols característicos: uma fuga despretensiosa para uma das laterais e um chute do nada no ângulo. O goleiro? Nem na foto saiu.
A pelada tradicional de domingo, no caldeirão do Albertãonão foi tão pelada dessa vez. A bola rolou, é verdade, mas os dribles foram substituídos por risadas, histórias, bolos e uma reunião de craques do futsal. Todos lá para comemorar o aniversário de Sérgio Sapo, o ala-pivô que infernizava os parados. Hoje, sessentão, espalha alegria e continua a ser reverenciado por seus companheiros de quadra e tantos outros súditos. De Paulo César Caju a Marinho; de Paulinho Shaolin a Joaquim, de Neimar a Joãozinho e tantos outros. Ainda joga, é verdade, sempre maroto, quietinho até, do nada, aparecer e… bem, a idade já não permite as mesmas estrepolias de antes.
No vídeo comemoração desta edição do Museu, o presente fica pro final. Não perca. Reveja, veja, olhe novamente, mais uma vez. É de tirar o fôlego. Justifica quando se ouve o aniversariante soltar o seu já tradicional “joguei pra car…”. É verdade. Jogou muito. Aliás, muito mais que o próprio palavrão-adjetivo. Serginho Sapo jogou… escolham o adjetivo que quiserem, será merecido.
Parabéns, Sérgio Sapo. O aniversário é seu, o presente é nosso. Sempre foi nosso.