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BATISTA, UM ÍDOLO PARA O ORGULHO DE DONA BELMIRA

O Internacional o tem como um de seus maiores jogadores na história. Não é para menos. Ao lado de Falcão e Jair (o “Príncipe Jajá”), Batista formou uma das melhores meias canchas que o Colorado teve em todos os tempos e que foi decisiva para o tri brasileiro (e invicto!) em 1979. Conheça um pouco da história do craque, que faz anos hoje.

por André Felipe de Lima


Dª. Belmira, enfermeira aposentada, estava exultante. Seu único filho, João Batista da Silva, que criou sozinha, com todo esmero, estava de volta a uma Copa do Mundo. A de 1982. Sofrera tortuosos meses vendo-o padecer por conta de uma grave contusão, ocorrida um ano antes. Muitos o achavam acabado para o futebol.

O Internacional, clube de Batista, não o queria mais. Logo o Colorado, para quem o bravo volante dera tantas alegrias e títulos de campeão. Sem o reconhecimento devido dos ingratos cartolas do Beira-Rio, Batista foi para o Grêmio. E foi vestindo a camisa tricolor que voltou à seleção brasileira. Quem não o deixou imerso na depressão foi Dª. Belmira.

Órfão de pai, Batista recebeu todo o cuidado de Dª. Belmira. Ela chegou a abandonar a profissão, no começo dos anos de 1960, para educar o filho, cujo maior prazer na infância era atazanar os gatos da vizinhança, em um bairro pobre de Canoas, a 15 km de Porto Alegre. Ela conseguiu e fez do garoto levado uma grande profissional. Um vencedor. Essa foi a trajetória que Dª. Belmira desenhou para Batista. A estrada de um campeão.

Reconhecidamente campeão e bom de bola, mas boêmio, o que desagradava muitos técnicos, com os quais conviveu ao longo da carreira. Mas Batista respondia em campo com um futebol que encantava treinadores como Rubens Minelli e Telê Santana (1931–2006), considerados “cascas-grossas” por muitos jogadores, devido à rigidez e disciplina que empregavam.

De Telê, com quem se indispôs durante a Copa do Mundo de 1982, na Espanha, Batista ouvia elogios que poucos receberam no futebol da década de 1980: “Ele (Batista) conseguiu unir dois estilos: o forte, programado e persistente, com o criativo, malicioso e colorido”. Um ano antes da Copa de 82, o jornalista João Saldanha, ex-treinador do Escrete Nacional, em 1969, espinafrou Batista, aconselhando Telê a não levá-lo para o Mundial, da Espanha. “É um bêbado”, rebateu Batista.

O craque – para uns, rebelde, para outros, apenas um camarada decidido – nasceu no dia 8 de março de 1955, em Porto Alegre. O Internacional lançou-o em 1974, sob o arguto olhar do treinador Rubens Minelli, mas foi no antigo Cruzeiro da capital gaúcha que Batista deu os primeiros passos no futebol, em 1971.

Antes de se tornar um dos maiores volantes do Brasil, o Inter o experimentou na lateral direita. Mas a propalada versatilidade garantiu a Batista a vaga de titular, em 1975, no meio-campo do Inter após a transferência de Paulo César Carpegiani para o Flamengo.


Marcador implacável – Maradona que o diga durante a Copa na Espanha… – e armador primoroso, o meia foi um dos ícones, ao lado de Falcão, Jair Prates, Mário Sérgio, Dario, Valdomiro e Elias Figueroa, do Internacional das décadas de 1970 e 80.

O futebol de Batista encantava. Forte e habilidoso, era o volante dos sonhos de muitos cartolas brasileiros. E, por pouco, em 1978, não aportou no Parque São Jorge, numa transação em que o Corinthians emprestaria Zé Eduardo e Cláudio Mineiro ao Inter para ter o craque gaúcho. Os dirigentes do Colorado, sabiamente, rechaçaram a proposta do clube paulista.

Com a camisa do Inter, foi campeão brasileiro em 1975, 1976 e 1979. Foram quatro títulos gaúchos (1975–76, 1978 e 1981) e um vice-campeonato da Taça Libertadores da América (em 1980), quando o Inter foi derrotado pelo Nacional do Uruguai, do centroavante Victorino.

O declínio no time do Rio Grande do Sul começou em 1981, quando sofreu uma grave contusão, após partida contra o Sport Club do Recife, realizada no dia 5 de abril. Merica foi o seu algoz, quebrou-lhe a perna, embora Batista tenha dito na época que o volante do time pernambucano não tenha sido desleal, o que os cartolas gaúchos discordaram.

Os mesmo dirigentes, curiosamente, segregaram Batista, que estava parado por mais de seis meses. O contrato não foi renovado e Batista se revoltou com o desprezo dos cartolas. “Alguns dirigentes só valorizam o atleta enquanto ele está jogando. Quando se machuca, passa a ser esquecido e tem pouco reconhecimento. Isso é injustiça.”

Antes de se machucar, Batista foi sondado pela Internazionale de Milão, que pagaria a fortuna de um milhão de dólares para tê-lo. Os dirigentes do Inter, sobretudo o presidente José Asmuz, esnobaram a proposta.

Vingança ou não, com o passe disponível na Federação Gaúcha de Futebol, Batista arrumou as malas e embarcou para o Estádio Olímpico, do arquirrival Grêmio que, convenhamos, teve no recém-empossado presidente do clube, Fábio Koff, um habilidoso estrategista de marketing.

Mas propaganda não ganha jogo e tampouco títulos. “Depois que estava tudo acertado com o Grêmio, um conselheiro do Inter, contrário à transação, me ofereceu o dobro para que eu não fosse para o rival, e sim jogar em qualquer outro clube, menos o Grêmio”. Koff desembolsou 163 milhões de cruzeiros. Um dos mais altos negócios do futebol brasileiro na época. Batista queria permanecer no Inter, mas dizia, publicamente, que a diretoria do Colorado o tratava com indiferença. “Foi uma barra pesadíssima. E não é fácil ficar tanto tempo sem receber salários. Sabe de uma coisa? A grana estava acabando.”

Tortuosa troca de camisa – E a barra foi mesmo pesada. Com Asmuz insuflando a torcida, Batista chegou a ser ameaçado de morte. Dª.

Belmira, a mãe superprotetora, não deixou o filho fraquejar. Impetuosa, peitou a diretoria do Inter e até xingou um cartola do clube, quando ouviu deste que Batista estava “liquidado, morto e sepultado”, caso fosse para o Grêmio. Ela ficou vigilante ao lado do filho para que não cedesse às ameaças do Inter e não aceitasse a proposta do São Paulo, que tentava seduzi-lo com um cheque em branco. “Meu time não é o Grêmio, nem o Inter, é o João Batista. Para onde ele for, vou junto. Me preocupo muito com ele, sim, e sofro bastante com seus problemas. Afinal, se eu não cuidar bem dele, quem vai cuidar?”

O volante foi titular do Grêmio, vice-campeão brasileiro em 1982, diante do Flamengo de Zico. De qualquer forma, foi com aquela derrota para o rubro-negro carioca, por 1 a 0, com um gol de Nunes, que o Grêmio iniciou a sua gloriosa jornada rumo à Tóquio, onde se consagraria campeão do mundo em 1983.

Mas foi com suas atuações no Grêmio que Batista deu a volta por cima e começou a pleitear regressar à Seleção brasileira. “Quem fizer qualquer lista para a Espanha, não esqueça de mim, porque eu sou de briga e vou estar lá”, disse ele, novembro de 1981, quando ainda se recuperava da grave contusão, tratando-se na Escola Superior de Educação Física do Exército, no bairro das Urca, no Rio de Janeiro.


O vaticínio de Batista foi preciso. Ele foi convocado por Telê Santana para a Copa do Mundo de 1982, contrariando muitos desafetos, que o achavam acabado para o futebol. Era a sua segunda Copa. Havia sido convocado em 1978, por Cláudio Coutinho, para o torneio na Argentina.

Após o fracasso da seleção, no Mundial de 82, e a perda do campeonato gaúcho para o Inter, começou a ruir o casamento com o Grêmio. Logo após o Gre-Nal decisivo de 82, inconformados gremistas o abordaram em seu Alfa-Romeo preto e quase o agrediram. Novamente Batista se defrontava com uma oposição ferrenha. “Se eu conseguisse ganhar um pouco menos noutra profissão, largaria o futebol, e nem me importaria de ser um cara obscuro”.

A imprensa pegava no seu pé. Chamavam-no de mascarado e vedete. Irritado, não quis mais falar com os jornalistas. Diante de tantas críticas, dizia que desejava sumir por um ano. Era um craque incompreendido. Suas virtudes, aos olhos da imprensa e da torcida, ficaram em segundo plano.

Concluída sua passagem sem títulos no tricolor dos pampas, Batista seguiu, no início de 1983, por indicação do treinador Rubens Minelli, para o Palmeiras, que pagou 280 milhões de cruzeiros pelo seu passe. Mas o que ninguém esperava é que o jogador ficaria apenas cinco meses no Alviverde, período em que disputou apenas 14 jogos, com seis vitórias e sete empates, marcando dois gols.

O passe do jogador foi adquirido pelo Grupo de Apoio ao Presidente (GAP), formado por poderosos empresários palmeirenses, liderados por Márcio Papa. A turma endinheirada pagou 200 mil dólares ao Grêmio, manteve Batista, por empréstimo de seis meses, no Palmeiras.

A estreia foi em um jogo realizado em um sábado à noite contra o Bahia, pelo Campeonato Brasileiro. Exatos 47 mil 702 palmeirenses foram ao Morumbi para ver uma goleada de 4 a 0.

Em junho, a Lazio viu-o durante jogos da Seleção na Europa e pagou um milhão de dólares para tê-lo com a camisa azul celeste do clube romano. A expectativa da crônica esportiva italiana era de que Batista chegasse ao mesmo nível de Falcão, o líder da arquirrival Roma. E a de Batista, claro, que a Lazio fosse tão forte como a Roma, ambos sob um nível de rivalidade com a qual se acostumou no Rio Grande do Sul, entre Inter e Grêmio.

Por conta da fragilidade do time da Lazio, a estada no futebol italiano foi difícil. Batista estava acostumado com títulos, a maioria deles com o Inter, clube do qual, apesar da despedida pouco amigável, tornou-se ídolo histórico.

Na Itália, nada de flores. Chegara a um clube que acabara de retornar à primeira divisão italiana e que, já na temporada seguinte, estava ameaçado de novo rebaixamento. Além deste incômodo, também o importunava na Itália a fama de indisciplinado e notívago – um deleite para os paparazzi e jornais sensacionalistas, que insinuavam casos com modelos locais.


Mas o craque deu a volta por cima em poucos meses. E até a braçadeira de capitão conquistou. O bastante para que renovassem seu contrato e permanecesse por mais dois anos na Lazio. As contusões insistiam, contudo, em atrapalhá-lo. Culpa de uma suposta vida desregrada e de pouca preparação física? Para agravar sua situação, o time italiano não engrenava no campeonato nacional.

O time acabou novamente rebaixado, em junho de 1985. Em função disso, Batista recebeu um indesejável prêmio: o de pior jogador brasileiro da temporada. As incômodas críticas da imprensa italiana desgastaram Batista, que quase deixou a Itália. A Unione Sportiva Avellino acreditou nele. Em outubro de 1985, meses depois do vexatório rebaixamento da Lazio, Batista teve o passe emprestado ao time da comuna sulista italiana, que se encontrava na primeira divisão. Ficou apenas uma temporada. Em julho de 1986, foi devolvido à Lazio. Permaneceu inativo durante alguns meses, pois o clube italiano não o queria mais, mas reteve seu passe. O jogador desejava voltar ao Brasil, especialmente para Porto Alegre, onde mantinha uma invejável mansão.

Nenhum clube esboçou esforço para contratá-lo. Batista ficou praticamente todo o ano de 1987 longe do futebol. Somente em outubro daquele ano, quando, enfim, a Lazio concedeu-lhe o passe-livre, surgiu uma luz no fim do túnel. O ex-jogador Marinho Peres, que treinava o Clube de Futebol Os Belenenses, de Portugal, telefonou para o amigo Baidek, que se preparava para trocar o Grêmio pelo futebol português, e este indicou Batista para o técnico.

E Batista foi mesmo para o Belenenses. Ficou por lá durante uma temporada e retornou ao Brasil para jogar pelo catarinense Avaí. Participou de apenas duas partidas, concluindo ser hora de parar. E, assim, em 1989, um dos maiores volantes do futebol brasileiro pendurou as chuteiras.

Pela seleção brasileira, Batista teve uma performance satisfatória. Estreou no dia 5 de abril de 1978, em Hamburgo, na vitória por 1 a 0 sobre a Alemanha, após substituir Rivellino durante o segundo tempo de jogo. Conquistou a confiança do treinador Cláudio (Pêcego de Moraes) Coutinho (1939–1981) e foi convocado em maio para a Copa do Mundo na Argentina, sendo titular da equipe durante toda a competição. Dali em diante fez parte de todas as convocações até o Mundialito, em janeiro de 1981, no Uruguai. Durante o jogo contra a Argentina, o zagueiro adversário Daniel Passarela o atingiu com violência. Recuperou-se rapidamente, mas, em abril, sofreu novo revés: a entrada de Merica, que o afastou do futebol durante o resto do ano.

Em 1982, foi à Copa na Espanha, mas ficou praticamente na reserva de Toninho Cerezo. Inconformado com a reserva, iniciou pela imprensa um bate-boca com o técnico Telê Santana. Antes, porém, fez uma grande partida contra a Argentina (3 a 1 para o Brasil), sem deixar Maradona respirar em campo. Mas a imaturidade do craque argentino, que na época não tinha mais de 21 anos, prevaleceu. Bastou uma entrada violenta de Maradona em Batista, e o jogador estava fora daquele que seria um dos mais trágicos jogos do Brasil em Copas do Mundo: contra a Itália, no estádio Sarriá.

A rusga com Telê era intensa: “Tenho brios e razões para não deixar barato a injustiça que cometeram comigo naquela Copa de 1982. Foi a minha grande chance e eu tinha perspectivas otimistas quanto à sorte do Brasil. Em 1986, estarei com 32 anos e praticamente em fim de carreira, talvez até radicado no futebol europeu.”

Batista até retornou à seleção, pelas mãos de Carlos Alberto Parreira, em 1983, mas nunca mais sentiria prazer de participar de uma Copa do Mundo.

Quando encerrou a carreira, em 1988, decidiu afastar-se cinco anos do futebol. Nesse período, casou com Mayone, com quem teve duas filhas. A família passou a ser sua inabalável prioridade. A renda, durante os cinco anos incógnito, vinha da administração dos imóveis que mantém em Porto Alegre, onde vive com a família. Deflagrou uma carreira de técnico (comandou os juvenis do Inter, em 1994), mas desistiu dela, ainda no começo, para assumir uma nova faceta profissional: a de comentarista esportivo, em um canal de TV a cabo.

Batista foi singular. Ídolo incontestável, independente acentuada fama de rebelde. (José Luiz) Carbone, ídolo colorado, volante de estirpe, que se preparava para abandonar a carreira, viu aquele garoto magrinho, jogando uma barbaridade no time infanto-juvenil do Inter: “Está ali um dos jogadores de maior futuro deste clube”. Ele acertou em cheio. O menino Batista, líder do Inter, campeão da Taça São Paulo de Juniores, de 1974, cresceria vigoroso. Craque de bola. Ídolo do Inter.

MEU MUNDO NÃO EXISTE MAIS

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Não há dúvida, sou um dinossauro, meu mundo não existe mais. Corrupção, ganância, dinheiro, pandemia, guerra, descontrole total. Preciso de paz, amor e justiça para sobreviver. “PC, viu que o VAR beneficiou o Flamengo novamente?”. Tô fora! A tecnologia é necessária, mas afasta. As tevês, lá atrás, ajudaram a esvaziar os estádios e, hoje, é isso que está aí.

Sou um dinossauro, um sobrevivente. E por coincidência, entre os milhares de zaps que recebo me encantei com o vídeo de um dinossauro, justamente um “parceiro” meu, que invade o Congresso para discursar sobre as atrocidades desse mundo atual e lembrar como sua espécie foi extinta. Mas não aprendemos e continuamos nos matando.

Sigo em busca do amor e da pureza. Tenho buscado abrigo, sossego, e volta e meia descubro microcosmos de felicidade habitados por velhos companheiros, heróis da resistência, que já fizeram a alegria do povo, lotaram estádios e fizeram pulsar os corações de milhares de pessoas. Me emocionei no Verzul, em Moneró, na Ilha do Governador, aniversário do excelente zagueiro Gaúcho, dos bons tempos do Vasco. A felicidade estava ali, naquela resenha, com peixe, pirão e pé de galinha.

O Verzul foi fundado por Brito e Nilton Santos, vejam só que coisa linda! É um espaço simples, com um campinho de terra batida. Falei com Brito pelo celular e me emocionei quando vi chegar meu compadre, o lateral Marco Antonio, campeão de 70. O compositor Canário, cantava, Baiano, da Portuguesa, batucava, e eu me sentia abrigado em minha caverna intransponível, cercado de dinossauros e tiranossauros rex, e com a certeza que a simplicidade é a salvação do mundo.

Pérola da semana: “O time joga com as linhas altas, torcendo por uma segunda bola viva, para implementar um futebol consistente, resgatar a intensidade e encontrar a identidade do jogo”.

MANÉ GARRINCHA IN CONCERT

por Péris Ribeiro


Cena de cinema. Garrincha, o maior personagem da Copa, acompanha o acrobático voo de Schroif, notável goleiro tcheco

Como é gostoso voltar a 1962… De repente, a gente fecha os olhos e é como se estivesse diante da cena. Faltam quatro minutos para o fim da partida, mas o Brasil, glorioso, já desfila jogadas com o garbo de um bicampeão do mundo. Mesmo assim, o público ainda se agita, demonstrando querer um pouco mais do que vê como pura magia. E que a imprensa internacional, extasiada, resolveu definir como “ Futebol – Arte”.

Pois é nesse  instante – e que bendito instante! –, que a bola chega aos pés de Mané Garrincha, numa das poucas vezes em que ele se desatrela dos seus três implacáveis marcadores. Parece até inverossímil, mas Mané, enfim, aparece desgarrado pela ponta-direita. E é ali, justamente ali, que recebe o passe açucarado, feito sob medida por Didi.

De saída, como que para prender a atenção da plateia, é aquele manjado finge – que vai – mas-não vai. Com os tchecos tontos,  sem saber como reagir. Mas, na sequência, Mané já prende  a dois adversários com a costumeira facilidade. E, não mais que repente, trava a corrida de estalo. Suspense! Puro suspense em todo o estádio!

É que, no ar, parece existir uma única pergunta: o que fará, agora, o genial jogador? Que mágica ainda sacará da cartola, em pleno ato final do Mundial? Ar debochado, Mané passa o pé direito sobre a bola… e baila! Só que desta vez vêm chegando Novak, seu marcador direto e  Pluskal, o quarto-zagueiro. Até o grandalhão Kavasniakaparece, em plena operação de auxílio aos companheiros em apuros. Porém, nada é capaz de impedir que sejam driblados seguidas vezes. E da maneira mais humilhante.

Mesmo assim, o mais incrível nessa história toda é que, já nos minutos finais da partida e com o título mais que decidido, nenhum dos três tchecos tenha sequer percebido que, o que o desconcertante Mané Garrincha mais queria, era…brincar! Ou seja: deixar um último e inesquecível presente, para as multidões das arquibancadas em festa.

Então, ameaçando arrancar novamente, Mané consegue sem dificuldade desestabilizar  aos atarantados  Novak, Pluskal e Kavasniak. E, como resposta, não há quem contenha o riso franco no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Ainda mais porque, àquela altura, o que mais se vê são pernas se enroscando para todos os lados. Só que Mané ainda quer mais. E, com um leve gesto, balança o corpo e ameaça arrancar. Pela enésima vez. Até que, de repente, se torna imóvel. Aí, é mesmo de morrer de rir…

De um lado, como se fosse um toureiro, lá está Mané.  Impávido! Até que, aos poucos, ginga o corpo e vai oferecendo-lhes provocativamente a bola. Mas os três, cada vez mais confusos, já não movem um músculo do rosto. Estão petrificados, como que hipnotizados pela arte chapliniana do camisa 7 brasileiro. Se Mané mandar, Novak, Pluskal e Kavasniak são capazes de ajoelhar a seus pés. Quando não,  de beijar a grama – ou até mesmo comê-la. Por isso mesmo, está sacramentado ali, naquele instante, o momento mais sublime da Copa do Mundo de 1962. Ninguém mais se lembra, mas o placar mostra, bem lá no alto, uns definitivos Brasil 3 x Tchecoslováquia 1.

Então, sente-se que é chegada a hora da grande homenagem. É quando o Estádio Nacional, repleto, se entusiasma e bate palmas de pé, em total e emocionada reverência a duas majestades.  Ao Brasil, bicampeão do mundo. E a Mané Garrincha, Rei absoluto daquela copa disputada aos pés dos Andes.

Pouco depois, eis que finalmente o jogo termina. E os dois times, após se confraternizarem, já se perfilam para ouvir os hinos nacionais e receber as medalhas de ouro e prata. Um momento em que o ansioso Mauro, o capitão brasileiro, se prepara para erguer, solene, a Copa Jules Rimet em pleno palanque oficial. Justo quando Mané, camisa largada para fora do calção, aparece com um estranho boné na cabeça.

– Mas que negócio é esse? – pergunta Zito, com ar intrigado e repreendedor.

– Sei lá, foi um cara aí que me deu. Um torcedor brasileiro – responde Mané

– Pois tira logo esse troço, que você não está em Pau Grande – replica Zito, já enfezado.

– Qualé, Chulé? Que tira nada! Taí: gostei dele. Vou mais é curtir uma onda por aí…- define o papo Garrincha.

E, ato contínuo, sai em total ritmo de festa pelo gramado. Comemorando à sua maneira simples – matuta; tipicamente provinciana – o título que, praticamente sozinho, havia acabado de ganhar para o Brasil.

Um título, por sinal, com a cara e o jeito do seu jogo desconcertante. Não fosse ele, Mané Garrincha, uma mistura de anjo e demônio de pernas tortas, a brindar o mundo com o esplendor e a irreverência de sua arte.

 

DEVO AO RÁDIO O AMOR PELO FUTEBOL

por André Felipe de Lima


O rádio me fez amar o futebol. Não tenho a menor dúvida disso. Sou um homem convicto, portanto, e de uma geração que assistia ao futebol na TV raríssimas vezes. Sou também de uma época (e ando repetindo muito isso em cada frase que digo…) onde não havia contrato milionário entre clubes e emissoras. Ao vivo, na velha Telefunken P&B , e para valer, só mesmo jogos de Copa do Mundo. Clássicos, como Vasco e Flamengo, por exemplo, eram raros ao vivo. Só rolavam na telinha quando estava em jogo um troféu da Taça Guanabara ou do campeonato carioca. Sem TV, eu vibrava com as transmissões radiofônicas dos jogos e sempre curtia, horas mais tarde, na TVE, o videoteipe completo do jogo que ouvi e, de quebra, os gols do Fantástico na indefectível voz do Leo Batista, com o notório patrocínio da cachaça Tatuzinho. Quem não se lembra do jingle? “Ai, Tatu, Tatuzinho, me (sic) abre a garrafa e me dá um pouquinho…”. Um verdadeiro “paraíso” do jogo de palavras que poucos anos depois, na faculdade de jornalismo, estudei nas divertidíssimas aulas de linguística do genial mestre André Valente. Aliás, quem nunca leu de autoria do Valente “A linguagem nossa de cada dia”, que leia. É uma viagem deliciosa pelo nosso idioma. Um encanto. Mas como estávamos falando, o meu amor pelo futebol nasceu com o rádio. Esse amor começou tímido, jogando bola com a minha surrada camisa do Vasco, da marca Hering, mas foi crescendo, crescendo, crescendo a cada jogo que ouvia pelo rádio. Acho que a maioria das partidas pode ter sido a maior pelada do mundo, mas eles, os locutores, faziam daqueles jogos “verdadeiros jogões”, como dia desses comentou o amigo Márcio Carneiro. Podia ser um Vasco e Mixto (é com xis mesmo… entenda-se isso), isso pouco importava. Empolgava-me mesmo manter o ouvido colado no rádio e depois tecer entusiásticos comentários com os colegas do colégio na manhã seguinte: “Meu irmão, que jogaço o de ontem do Vasco contra o Mixto…”. Éramos inocentes, ingênuos, mas saudavelmente românticos e com uma capacidade para sonhar que hoje sinto falta nas novas gerações que vivem o seu tempo, é verdade. Um tempo de velocidade, de apelo midiático sem precedentes, de novas e impressionantes tecnologias. Tempos de uma acessibilidade à informação que eu jamais tive quando jovem, mas também tempos de artificialidade. Por isso acredito que a minha geração, a do meu pai e a dos meus avós amavam mais o futebol, porque o rádio nos permitia sonhar mais com o clube, seus brasões e ídolos. Vejam vocês. Hoje em dia, um time é campeão e o torcedor não invade mais o gramado para comemorar com os jogadores. Estes, por sua vez, também são o reflexo dessa artificialidade de que falo. O juiz apita o final da peleja e a comemoração não é efusiva como aquelas que presenciamos nos anos de 1970 e de 80, e isso citando somente as que presenciei no Maracanã ou nas raríssimas transmissões ao vivo pela TV. A festa era impressionante. Revejam, por exemplo, o fim daquele jogo decisivo do Corinthians contra a Ponte Preta, em 1977, e comparem com as “comemorações” de finais dos anos de 2000 para cá. A constatação é óbvia. Amávamos mais o futebol. Vibrávamos mais. Cantávamos mais. Aquilo que o passado roubou de mim era o futebol que o rádio me ensinou a amar. Ah, Jorge Curi; ah, Waldir Amaral, que saudade de vocês…

Jorginho II

DE BEM COM A VIDA E COM O FUTEBOL

por Eduardo Lamas

Assim como a entrevista com Pintado, em novembro de 2019, a oportunidade de conversar com Jorginho aqui em Florianópolis não podia ser perdida. Afinal, como treinadores que nasceram e têm residência fixa em outro estado (no caso de ambos, em São Paulo), acabam sendo moradores apenas passageiros de muitas e muitas cidades. Valia o mesmo nos tempos de jogador. Neste retorno ao Museu da Pelada, em outubro passado, procurei logo agendar esta entrevista, pois sabia que muitas e muito boas histórias com o sempre bem-humorado Jorginho não faltariam. E a expectativa se confirmou, como vocês podem atestar no vídeo acima.

Ex-ponta-direita surgido na Portuguesa dos anos 80, quando o clube paulista ainda despontava em constante busca de um espaço entre os grandes do futebol brasileiro, Jorginho logo se destacou, fez parte de um ataque de sucesso com Lê e Toninho e conseguiu uma convocação para a seleção brasileira. A carreira vitoriosa que passou ainda por Atlético-MG, Palmeiras, Fluminense, Santos, Coritiba, Avaí, Santo André, entre outros, moldou o treinador, que assim como a Lusa até alguns anos atrás, tenta se inserir no hall dos grandes técnicos brasileiros.

Não é uma batalha fácil, ainda mais em tempos de tanta valorização de treinadores estrangeiros por aqui. Tanto, que quase um mês após esta nossa entrevista, ele deixou o Figueirense, logo após a conquista da Copa Santa Catarina. No entanto, ele certamente não perdeu a sua gana de viver e trabalhar que o ajudaram, por exemplo, a superar o momento mais difícil de sua vida: a morte de seu filho Leonardo, ainda muito jovem, num acidente de moto. Na vida e na bola, Jorginho é um grande exemplo, você há de concordar comigo.