ESFIHA ALVINEGRA, ALEGRIA DO POVO
por Paulo-Roberto Andel
A SAARA – Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega – é o maior núcleo popular de comércio do Rio de Janeiro, bem no centro da cidade, e é ainda marcada por forte influência dos tradicionais comerciantes árabes, hoje dividindo espaço com os chineses e congêneres. Um de seus pontos comerciais mais queridos é a Padaria Bassil, fundada em 1913 e sempre lotada por clientes ávidos por lives, esfihas, pães e pastas – para muita gente, a esfiha da casa, feita no forno à lenha, é a melhor do Rio, brigando com a maravilhosa Rotisseria Sírio-Libaneza (no Largo do Machado), o imperdível Restaurante Baalbek (de Copacabana) e o El Gebal (no Centro). Aliás, o debate sobre a melhor esfiha do Rio suscita discussões acaloradas, mexe com paixões como se fosse um clássico no Maracanã e convoca os melhores esfihólogos cariocas, mas uma coisa é certa: as quatro são gostosíssimas. Em suma, a Bassil é uma padaria literalmente: há um balcão só, nenhum assento e os clientes se engalfinham em busca de grandes iguarias árabes, ora comendo ali mesmo, ora levando para casa.
Suculências à parte, o que será que a Padaria Bassil tem a ver com a história do nosso futebol? Há um capítulo divertido e marcante que completa 60 anos neste 2022.
Nas décadas de 1950 e 1960, os jogadores de futebol, embora já muito famosos, faziam parte da rotina cotidiana das ruas, longe do modelo superstar atual. Eram gente do povo, das ruas. E quem vivia traçando saborosos lanches árabes em pleno centro da cidade era Garrincha, gênio dos gênios do futebol brasileiro, antes e depois de se tornar campeão do mundo – e fã declarado da Padaria Bassil, assim como diversos outros jogadores do futebol carioca. No ano de 1962, a Padaria estava precisando de algumas reformas e dar uma melhorada no visual. Para ajudar na obra, Garrincha teve uma ideia: apostar com seu amigo Jordan, vigoroso lateral do Flamengo e considerado por muita gente como seu melhor marcador, na decisão do Campeonato Carioca daquele ano. O perdedor da final arcaria com as despesas do retrofit da padaria, fazendo prevalecer as cores do time campeão.
O desfecho da aposta é conhecido: Garrincha deitou e rolou, o Botafogo não tomou conhecimento do Flamengo, disparou 3 a 0 em 15 de dezembro de 1962 – diante de quase 160.000 torcedores – e garantiu o título para General Severiano numa final apoteótica. A Jordan, coube apenas a resignação e o financiamento da obra da Padaria, conforme combinado na aposta, fazendo uma grande parede de azulejos quadriculados em preto e branco, que se tornaram a marca definitiva do lugar a partir de 1963. Hoje, a Padaria Bassil tem a decoração alvinegra em todas as paredes.
Seis décadas depois, a casa de iguarias árabes mantém o sucesso centenário. Reformada e celebrada pelos clientes, atravessou até os tempos brabos que o Rio tem encarado, especialmente o centro da cidade – com enorme esvaziamento, fechamento do comércio e desemprego. Diariamente dezenas e dezenas de clientes continuam a busca por esfihas, quibes, pães e pastas. Belas e discretas, as paredes alvinegras do estabelecimento estampam um verdadeiro tributo aos melhores momentos do grande Campeonato Carioca, bem como a um dos maiores jogadores de todos os tempos – o inesquecível e fabuloso Garrincha, a Alegria do Povo. A Bassil merece um documentário por essa divertida – e deliciosa – história na decisão de 1962, quando o Rio era mais Rio e o nosso futebol rugia para o mundo.
@pauloandel
SAUDADES DO CARLINHOS
por Elso Venâncio
Vendo o desespero dos clubes, contratando essa enxurrada de portugueses, e observando a dificuldade do Paulo Souza em arrumar o Flamengo, o que é preocupante, me lembrei do Carlinhos. De repente, Everton Ribeiro, sem cacoete para a posição, vira ala. Filipe Luís na zaga? Bruno Henrique joga pelo meio e Gabigol, longe da área. E o que é pior: ninguém sabe quem é titular.
Essa febre dos lusos surge após o surpreendente sucesso do Jorge Jesus. Aliás, performance que ele jamais repetirá em outro clube. Mas não podemos negar seus méritos: definia o time, jogava no ataque e se mostrou um líder rigoroso e ideal para um trabalho de tiro curto.
Imagina se o Carlinhos tem esse grupo atual à disposição? Ele entrava sempre na podre. Tá ruim? Chama o ‘Violino’. E resolvia, apostando na garotada. Tempo em que craque o Flamengo fazia em casa. Lembra da demissão do Carlinhos após o título da Mercosul, em 1999? Como é que pode? Decisão do dirigente Gilmar Rinaldi, o mesmo que afastou Romário.
Acompanhei muitos treinadores, mas poucos influíam diretamente no jogo. Diz a lenda que Vicente Feola cochilava no banco da seleção. E o Santos, de Pelé? Sim, Lula dirigiu aquele esquadrão entre 1954 e 1966. Mas era discreto. Como Carlinhos e como Antoninho, que o substituiu.
Telê, Zagallo e Didi foram os grandes treinadores que acompanhei de perto. Cito outros dois, Carlinhos e Wanderlei Luxemburgo – este, quando se preocupava somente com campo e bola.
O técnico não pode ser a estrela. Esse papel é do craque. O árbitro também. Tinha o ditado que ‘juiz bom é aquele que passava despercebido no jogo’. Com as câmeras de TV, os treinadores viraram verdadeiros atores à beira do campo. E os árbitros? Têm também o seu momento de glória, quando sinalizam o VAR.
Tostão escreveu em seu livro “Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos” que, numa excursão à Europa, Gerson, o inesquecível ‘Canhotinha de Ouro’, reuniu certa vez os jogadores no meio do campo e trocou de forma radical alguns posicionamentos. A seleção deu show e goleou. Zagallo, na coletiva, explicava sem passar recibo a novidade tática. O Velho Lobo, após o jantar no hotel, foi à recepção e ficou conversando com Gerson, que tinha dificuldades para dormir, até de madrugada…
Então, pergunto. Até onde vai a importância e a influência do treinador?
PATROCÍNIOS E GUERRA
por Idel Halfen
A invasão russa à Ucrânia, além de toda a atenção que nos desperta por estar dando início a um conflito com consequências imprevisíveis, traz um ingrediente a ser analisado no que tange ao marketing: a postura dos clubes de futebol de países não envolvidos diretamente no conflito que, até então, tinham o patrocínio de marcas russas. São eles:
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O Schalke 04, tradicional clube alemão que deixou de estampar a marca da Gazprom, empresa de gás natural russa, patrocinadora máster do clube desde 2007. O contrato que expiraria em junho deste ano rendia o equivalente a 30 milhões de euros anuais. No site do clube não há mais camisas à venda, pois essas traziam a logo da patrocinadora. Cumpre relatar que a UEFA (Union of European Football Association) acaba de romper o contrato de patrocínio que tinha com a mesma empresa.
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O Manchester United, time inglês, que rompeu o contrato com a companhia aérea Aeroflot, renovado em 2017 e que se encerraria em 2023, cujo valor total equivalia a £ 40 milhões. A marca não era exposta no uniforme.
Ainda que tais clubes tenham outras fontes de receitas, não podemos ignorar que os orçamentos são baseados em projeção de receitas, de forma que qualquer “imprevisto” relativo às entradas incorre em problemas no fechamento das contas.
Pelo lado das marcas, é bem provável que a medida adotada pelos clubes não tenha tanto impacto quando comparado com os prejuízos causados pelas sanções impostas à Rússia por parte de alguns países. A Aeroflot, por exemplo, não poderá voar em diversos espaços aéreos, o que se traduz em queda no faturamento.
Também se faz necessário relatar que os rompimentos dos patrocínios não implicarão em pressões que façam o presidente russo rever sua decisão.
Diante dos pontos narrados acima, mesmo pouco efetiva a título de inibir o prosseguimento da guerra, a postura dos clubes é um alento para o marketing, pois, ao invés de focar simplesmente nas necessidades imediatas de receitas, passa a considerar nas suas definições mercadológicas alguns conceitos fundamentais como o co-branding – associação de marcas – e o posicionamento .
Os que não enxergam muito mérito na iniciativa poderão argumentar que a “não rescisão” implicaria em prejuízos maiores tanto em relação à imagem como nas relações com outros parceiros comercias, torcedores, imprensa e demais integrantes da cadeia que dá sustentação ao futebol no curto, médio e longo prazo. Argumentação legítima, mas que no universo do futebol não é muito comum, visto que a maioria das decisões é voltada ao curtíssimo prazo, principalmente em países, digamos, menos maduros em termos de gestão.
Não faz muito tempo, vimos no Brasil um debate sobre a possibilidade de um clube aceitar como patrocinador uma marca, cujo dono é defensor incondicional do presidente da república. Entre os defensores da parceria, vimos argumentos do tipo: “o que importa é a grana, não quem investe”. Aliás, será que estes hoje acham que o Schalke 04 e o Manchester United erraram ao decidir pela ruptura?
Como já foi escrito aqui inúmeras vezes, para que o marketing se desenvolva de forma sustentável no meio esportivo, é mandatório que clubes e marcas encarem o patrocínio como uma atividade que venha lhes render benefícios no processo de associação dos valores intrínsecos a eles, e não ficarem apenas restritos à mera exposição da marca e eventuais ativações.
Embora o artigo aponte para um cenário de esperança para o marketing, razão que certamente deixa feliz todos aqueles que militam de forma responsável na área, a tristeza pela existência de uma guerra nos dias atuais ofusca qualquer tipo de alegria.
Que Deus ilumine os responsáveis pelos destinos das nações de modo que passem a entender que uma das características da liderança é a habilidade para negociar ao invés de brigar.
FUTEBOL NA ALEGRIA E NA TRISTEZA
por Jack Alves
(Foto: Severino Silva)
Quando leio ou ouço a famosa frase: “É só futebol”, (uma forma de diminuição e desvalorização da importância do esporte bretão), confesso que sou tomado por uma sensação de lamento. O futebol em campo (e fora dele), é um reflexo direto de nossa sociedade.
Os atos terroristas cometidos contra profissionais do futebol nos últimos dias, em várias cidades brasileiras, são tentativas de homicídio e reflexos de uma sociedade doente, agressiva e intolerante. Enquanto as autoridades brasileiras não buscarem soluções efetivas contra esses criminosos, a tendência é piorar. Será que estão esperando a morte de algum desses profissionais? Criminoso só teme a lei, quando ela é cumprida de forma contundente.
E onde entram os verdadeiros torcedores e amantes do futebol nessa história? Nunca devemos deixar de comentar e cobrar das autoridades competentes a punição para os criminosos. Devemos cobrar posicionamento dos atletas profissionais, pois o que gera mudanças é a mobilização geral. A união sociedade + atletas+ autoridades, sempre vai gerar frutos produtivos.
A violência afasta mulheres, idosos, crianças e os verdadeiros amantes do futebol dos estádios. Muitas vezes causa danos tão graves nas vítimas dessas violências, que muitos não querem nem assistir partidas pela televisão. O futebol “morre” para essas pessoas.
O futebol é um dos maiores entretenimentos do planeta, gera fortunas gigantescas, consequentemente milhares e milhares de empregos diretos e indiretos e é inconcebível, que seja tratado de forma tão simplista e irresponsável por autoridades. Dirigentes e uma parte da mídia, também são responsáveis por barbáries como essa ainda acontecerem no mundo atual. A mídia falha quando chamam esses criminosos de torcedores. Dirigentes falham, quando patrocinam essas “torcidas” com ingressos e com influência direta dentro de seus clubes. E há ainda “torcedores” que romantizam essas barbáries, com frases como “O futebol respira”, ” Futebol raiz” e “Futebol sem mi mi mi”.
O futebol já parou, mesmo que momentaneamente, guerras pelo mundo. Foi assim com o Santos de Pelé, no fim dos anos 60, que parou conflitos no Congo e na Nigéria. Foi assim no Haiti, em 2004, quando o povo haitiano largou as armas e parou pra ver a seleção brasileira de Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno. Cito estes fatos históricos, pois tenho visto pessoas ridicularizando as ações da Fifa ao excluir a Rússia de suas competições. Frases como “Agora Putin para a guerra” e “Agora a paz mundial vem”. Lamentável…
Quem ama o futebol, preza pelo sucesso do mesmo. O futebol salva vidas, cura pessoas da depressão, leva alimento para mesas dos profissionais e suas famílias. Leva diversão e alegria para vidas de pessoas ao redor do mundo. Não devemos aceitar, que bandidos ainda tenham espaço e descarreguem suas frustrações no maior esporte do planeta. Que busquemos como sociedade, cada vez mais a alegria do futebol, para cada vez menos, termos sentimentos de dor e tristeza no mundo.
Tudo está interligado: futebol, sociedade e política. Não devemos aceitar que a violência e o desconhecimento vençam. Afinal, disse sabiamente, Arrigo Sacchi “O futebol é a coisa mais importante, entre as menos importantes”.
Eu sou futebol, na alegria e na tristeza.
VOLTA REDONDA: A GRANDE DECEPÇÃO DO CAMPEONATO ESTADUAL
por André Luiz Pereira Nunes
Único representante do Rio de Janeiro na Série C do Campeonato Brasileiro, o Clube da Cidade do Aço, promove no momento pífia campanha no Campeonato Estadual.
Após goleada de 5 a 0 sofrida pelo Botafogo, mantém o péssimo retrospecto de 5 pontos, 1 vitória, 2 empates e 7 derrotas. O Voltaço, desse modo, segura a lanterna da tábua de classificação, empatado com outra equipe que geralmente costuma surpreender mas competições, o Boavista, de Saquarema.
Em relação ao Clube da Cidade do Aço, as coisas já pareciam ir de mal a pior desde o começo do certame. O então treinador, Neto Colucci, ao constatar a impaciência da torcida com as más atuações do time, explicava que os melhores jogadores haviam se transferido e que a situação financeira não era nada boa. Em contrapartida, pedia o apoio dos torcedores, moral este que não foi suficiente para livrar o time da, cada vez mais próxima, possibilidade de degola.
Neto Colucci era o terceiro técnico mais longevo do país ao dirigir o Volta Redonda desde o fim de 2020. Chegou, em 2014, para atuar como gerente da base. Passou, em seguida, a treinador do sub-20, auxiliar-técnico e comandante do profissional. Acabaria demitido no final de fevereiro e substituído por Wilson Leite, ex-goleiro do próprio clube, na década de 80, e posterior treinador com várias passagens pelo times do sul do estado. A sua primeira pelo Tricolor de Aço foi em 1988. De lá pra cá, voltaria a dirigir o Volta Redonda em 91, 94, 98 e 2003, além de ter assumido o timão provisoriamente em 2017, 2019 e 2021. Apesar de conhecer intimamente o ambiente, constata-se que não há muito o que fazer se o elenco é fraco.
Vale ressaltar que há décadas o Volta Redonda não disputa uma segunda divisão. A equipe, não só se sedimentou na elite do estadual, como passou a integrar competições de nível nacional como a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro da Série C.
Mas se nada for feito a curto prazo, o ano será realmente desastroso. O nível da Série C nacional é muito mais forte. Periga, assim, ocorrer um novo descenso e, consequentemente, todo um ótimo trabalho desenvolvido por anos será perdido para a tristeza de uma grande legião de torcedores e admiradores de um clube que tem em seu rico pavilhão a conquista do Brasileirão, Série D, em 2016 e o vice-campeonato estadual em 2005.