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CAMISA OFICIAL CARA, GASOLINA BARATA?

por Idel Halfen


Como quase tudo que acontece no Brasil, o aumento nos preços dos combustíveis passou a ser explorado politicamente, fato que deixa mais uma vez evidente a tendência de o brasileiro se julgar conhecedor de todos os assuntos sem possuir o mínimo embasamento para tal, ou pior, se aculturando apenas através de posts que circulam nas redes sociais.

Os que atacam o presidente, ao invés de buscarem entendimento acerca da delicada situação de um país que depende da importação de petróleo, preferem preconizar a interferência nos preços dos combustíveis, interferência, aliás, que seria ainda mais nociva para a economia de forma geral. Isto sem entrar no mérito de que a Petrobrás precisa dar lucro, afinal trata-se de uma empresa de capital misto.

Os que defendem incondicionalmente o mandatário, elegem os governadores e seus impostos como responsáveis pelos aumentos, preferindo ignorar que tais receitas sempre existiram e são indispensáveis para que as contas dos estados não sofram ainda mais. Quando abatidos por esta realidade, buscam o argumento de que o combustível no Brasil, na verdade, é um dos mais baratos no mundo, denotando uma fragilidade intelectual assustadora, pois utilizam simplesmente a conversão do preço sem considerar o poder de compra da população. É justamente neste ponto que fazemos um paralelo com as camisas dos times de futebol, pois, aplicando tal raciocínio, também estariam baratas.


* Preços coletados em 14/mar/22 no site www.globalpetrolprices.com
** Dados coletados www.oecdbetterlifeindex.org

Ao se fazer um exercício de conversão dos preços de tais produtos para dólar, comparando os praticados no Brasil com mais oito países – escolhidos por representarem continentes e/ou terem alguma significância no futebol – veremos que a gasolina no Brasil só tem o preço maior do que a dos EUA e as camisas oficiais são as mais baratas de todas.

Diante desses números, os defensores incondicionais do governo enchem o peito e exclamam: “Está vendo? A economia está muito boa!”.


Só que a realidade não é tão bela quanto todos gostaríamos que fosse, pois, para se tirar tal conclusão, é mandatório parametrizar os preços dos produtos citados com a capacidade de compra do cidadão de cada país. Para realizar tal exercício, poderíamos utilizar o PIB per capita ou mesmo o salário mínimo de cada nação, o que em nada alteraria a posição do Brasil, porém, optamos por um índice que julgamos mais fidedigno: a renda média familiar, conforme pode ser visto no quadro acima.

Enquanto a família norte-americana consegue abastecer com toda sua renda mensal 68,8 vezes um tanque de 50 litros de gasolina, a brasileira encheria 16,5 vezes. Reparem que fazemos o cálculo considerando a média de renda, isto é, incluindo desde as famílias mais ricas até as mais pobres. Já no caso das camisas oficiais, uma família alemã, por exemplo, compraria 36 contra 13 da brasileira.

Culpar exclusivamente o atual governo pela condição econômica também não é justo, afinal, nossa conjuntura econômica é parte de um contexto que precisa considerar as heranças de curto, médio e longo prazo e todas as variáveis exógenas, além, é claro, da política adotada. Agindo assim, conseguiremos entender que temos um cenário ainda muito dependente de exportação e gastos públicos elevados que exigem pesadas cargas de impostos para equilibrar as contas, o que se reflete consideravelmente nos preços dos produtos.

Evidentemente que há soluções, contudo, é preciso ter em mente que o imediatismo político é o pior ofensor que uma gestão pode ter.

O PODER DO FUTEBOL

por Péris Ribeiro


Momento de pompa: a rainha Elizabeth II entrega a valiosa Copa Jules Rimet ao

Capitão inglês Bobby Moore

I) O ano é o de 1962. E, por aqui, a crise é iminente! Tanto que, em Brasília, um presidente balançado parece irremediavelmente sem saída.

Porém, graças às irrefreáveis pernas tortas do genial Mané Garrincha, o Brasil sai do Chile bicampeão mundial. 

E João Goulart – o presidente ameaçado – se sustenta um tanto mais no poder.

II) Ainda o Chile. Ainda a Copa do Mundo de 1962. Extasiado com o que via, o pouco afeito Presidente andino Jorge Alessandri apenas pergunta:

– Ele, esse Garrincha… De que planeta ele vem, afinal?

III) Por sua vez, tão afeita às cerimônias repletas de pompa, a Rainha Elizabeth parecia particularmente feliz, naquela tarde de sábado. E não esconderia, tempos depois, que ali andou vivendo um de seus inesquecíveis momentos de soberana.

É que em pleno Estádio de Wembley, debaixo das palmas quase ensurdecedoras da multidão, havia acabado de passar às mãos do jovem capitão Bobby Moore a lendária Copa Jules Rimet.

Inglaterra, campeã do mundo de 1966!

God …save the Queen!

IV) O clima é de terror. O nazismo apavora. Então, como que numa tentativa de amenizar o gigantesco pesadelo daquela II Grande Guerra, um jogo de futebol opõe onze combalidossoviéticos de Kiev e onze saudáveis alemães do III Reich.

Só que, aí, é o inesperado que rouba a cena. Surpreendentemente, os de Kiev vencem. E, como prêmio pela suprema audácia, são fuzilados sumariamente. Em plena praça pública.

Mas, como que saído do nada, eis que o orgulho soviético se sobrepõe. Os onze mártires viram heróis. Ali mesmo! Naquela mesma praça pública! E tornam-se definitivamente, em símbolos da luta pela liberdade de um povo há anos oprimido.

V) Mais de três décadas são passadas. E o que se vê, naquela noite, é uma alegria incontida tomar conta da imensa União Soviética. É que o surpreendente time do Dínamo – até então, orgulho apenas da gente da cidade de Kiev, na Ucrânia –, acaba de se sagrar campeão mais uma vez.

Só que, agora, o seu feito assume proporções inimagináveis. Tudo porque, desta vez, o Dínamo foi bem mais longe. É o grande campeão da Copa das Copas de toda a Europa.

O herói do momento é um habilidoso camisa onze: veloz, driblador e artilheiro. É o loiro Oleg Blokhin, que mostra um jogo capaz de encantar multidões. Porém, naquele exato instante, o que existe no coração de cada soviético é um sentimento que vai além. Bem mais além.

É como se em meio à loucura de uma festa que parece não ter fim, todos fizessem uma longa viagem no tempo. Em cada coração, o que ecoa é uma profunda e respeitosa reverência aos onze mártires de Kiev.

A bestialidade inominável dos soldados de Hitler, acaba de perder a sua derradeira batalha.

REFLETORES

por Claudio Lovato Filho


De suas primeiras vezes num estádio de futebol, uma das que ele se recorda com mais nitidez (coisa de memória, coração e, claro, também um tanto de imaginação) foi uma noite de casa cheia, uma noite de arquibancadas e almas iluminadas, com os refletores nas seis torres de iluminação fazendo tudo parecer tão irreal (coisa de sonho) e ao mesmo tempo tão verdadeiro (coisa da vida exatamente como ela é).

Nessa noite (e não haveria de ser diferente, como poderia?), o time, no campo, foi tudo aquilo que ele imaginava e esperava e queria, e deixou a ele e ao pai – que o levara ao estádio – orgulhosos e felizes. Felizes como nunca (como nunca mais, não do mesmo jeito).

A torcida, os cantos da torcida, as faixas e as bandeiras, tudo azul, preto e branco; os vendedores de amendoim, pipoca, uísque e conhaque; o vento e o frio; a narração que vazava dos rádios de pilha… E os refletores. O time saindo do túnel e entrando em campo. E depois a luta, a insistência, os erros, os acertos. E os gols.

Como se tira isso de alguém? Como achar que isso pode ser abandonado ou esquecido em algum ponto da vida? Não, não mesmo. É coisa para a vida toda.

Hoje, mais de 50 anos depois daquela noite iluminada, as imagens e as lembranças e as sensações permanecem, processadas pelo tempo que deixa suas marcas no cabelo grisalho, nas guerras perdidas, nas dores acumuladas – dores do corpo e do espírito –, mas também nas batalhas vencidas e nas conquistas que dão sentido ao que, por vezes, parecia se perder no redemoinho do aleatório, do caótico e do despropositado.

Daquela noite no estádio, de tudo o que viveu e sentiu, ele segue extraindo força e alegria. Aquela noite no estádio – não é exagero dizer – o ajudou a chegar até aqui. Ajudou? Mais que isso: aquela noite, de certa forma, foi exatamente o que o trouxe até aqui como o ser humano que ele é e não o que poderia ser.

Aquela noite no estádio – isto também é certo – o ajudará a seguir em frente, porque faz com que o homem maduro de hoje entenda que também precisa se deixar conduzir pelo menino; o menino que ajuda a iluminar o seu caminho e a fazer com que cada passo simplesmente valha a pena.

SÓ DEUS SABE COMO VEIO O TETRA

por Elso Venâncio


A princípio, pensei que fosse piada de português, mas não é. Depois da enxurrada de portugueses, que chegam com uma gigantesca comissão técnica, há quem aposte que vai ser natural um representante da terra de Camões assumir a Seleção após a Copa.

Dois nomes lembrados: Jorge Jesus, pelo trabalho que fez no Flamengo e é adepto do jogo ofensivo, e Abel Ferreira, bicampeão da Libertadores com o Palmeiras.

Por que o treinador brasileiro ficou tão fragilizado? São eles os verdadeiros culpados?

Ao mesmo tempo que ficamos carentes de grandes jogadores, uma onda de retranca assumiu um protagonismo nunca antes visto no nosso futebol. O importante era vencer, não importava de que forma, e manter o emprego. Demissão? O caminho era justiça, direto! Tem profissional recebendo, simultaneamente e sem trabalhar, de dois ou às vezes três ou mais clubes.

Uma fatalidade tira o título do Brasil em 1982 e, doze anos mais tarde, em 1994, só Deus sabe como nos veio o título mundial. Talvez São Romário explique! A partir de então, o futebol-arte foi colocado para escanteio. O esquema fechado, buscando apenas o resultado, virou moda após a Copa dos Estados Unidos. Os times passaram a ter não dois, mas três cabeças de área.

Alguns técnicos ganharam fama e dinheiro com esse esquema. O camisa 10 foi sepultado. O armador, tipo Gerson, o ‘Canhotinha de Ouro’, foi para o saco. O ponteiro virou jogador de lado, obrigado a recuar para marcar. Ainda assim, fomos penta na Coreia e no Japão, com Felipão, adepto da escola gaúcha, e o seu futebol de força e resultados. O esquema, 3-5-2, mas tendo Ronaldo Fenômeno (três vezes eleito o melhor jogador do mundo), Ronaldinho Gaúcho (duas vezes o astro-rei do Planeta Bola) e Rivaldo (Bola de Ouro em 1999), um trio que, quando a redonda chegava ao ataque, resolvia.

O garoto chega hoje na escolinha e avisa:

– Sou cabeça de área, meia de contenção, meia pelos extremos ou atacante recuado (o famoso falso 9).

Vi muito profissional nas categorias de base buscar títulos a qualquer custo. Ninguém se preocupa mais em formar jogador. Parar uma jogada com falta é mais importante do que tentar roubar a bola e sair jogando com ela.

Nosso futebol sempre foi criativo, com dribles, toque de bola, visando o gol. Vitórias convincentes! Exatamente como a Seleção se comportou contra o Chile e a Bolívia. Será que é tão difícil armar esquemas ofensivos?

FLA x FLU, O JOGO QUE NUNCA TERMINA

por Paulo-Roberto Andel


A peleja que começou trinta minutos antes do nada caminha para 110 anos de disputas. A próxima decisão aí está, em carne viva e tensão flutuante do Rio. Flamengo e Fluminense, Fluminense e Flamengo.

No mundo inteiro, há grandes clássicos que envolvem milhões de torcedores. O que difere o Fla x Flu de todos os outros é a relação de intimidade nas entranhas dos dois clubes. Claro que uma história secular também ajuda e ela não é pouca: de Laranjeiras e Gávea para São Januário e, então, para o Maracanã imortal das duzentas mil pessoas. O jogo dos jogos, com dezenas de recordes de público, decisões inesquecíveis e lances imortais, às vezes disputados em situações até comuns, embora o Fla x Flu jamais seja comum.

Por exemplo, o jogo dos três gols do Zico todo mundo se lembra e parece uma decisão de título, mas não foi nada disso e sim a partida de estreia na Taça Guanabara de 1986. O mesmo vale para os três gols de Super Ézio em 1994, num clássico normal de tabela, mas também inesquecível. E aquele golaço do Leandro em 1985? Era o primeiro jogo do triangular final, mas ficou eterno. E o créu do Thiago Neves? São muitas histórias.

Irmãos Karamazov do futebol brasileiro na concepção do genial Nelson Rodrigues, Flamengo e Fluminense têm papel decisivo num dos momentos mais difíceis da história do futebol brasileiro. Após a Copa de 1950, éramos terra arrasada. Pouco se fala dos suicídios ocorridos no Maracanã e no Distrito Federal após a derrota para o Uruguai. O Maracanã corria risco de se tornar um gigantesco elefante branco. Então o Fluminense ganhou o Carioca de 1951 e o Mundial de 1952, refazendo o colorido das arquibancadas, sucedido pelo tricampeonato rubro-negro de 1953 a 1955, confirmando o estádio como a casa da alegria no futebol brasileiro. Pouco tempo depois, veio 1958 e o resto da história já se sabe.

Num país onde a memória costuma ser desprezada, é fascinante pensar que o Fla x Flu atravessou o século XX no Brasil e segue firme no XXI. Quantos jogos, quantos ídolos, quantas histórias caberiam em livros e mais livros sobre o assunto? Fala-se de Zico, Rivellino, Júnior, Assis, Leandro, Félix. Doval vestiu as duas camisas, Renato Gaúcho também. Carlos Alberto Torres, Edinho, Rodrigues Neto, Paulo Cezar Lima, Moisés, Válber, Branco, o goleiro Renato, Cláudio Adão, Robertinho, o saudoso Zezé, Sérgio Araújo, Renato Carioca. Telê sempre foi Flu e depois treinou o Fla. Evaristo sempre foi Fla e treinou o Flu. A gente pode falar de Tim, de Renganeschi, de Zezé Moreira, de Fleitas Solich. É um universo tão marcante que um gol imortaliza até jogadores de efêmera passagem pelos clubes, tais como Luiz Marcelo, Nildo, Jacozinho e Jefferson.

Até aqui, nem falamos de Carlinhos e Nelsinho, de Flávio e Lula, de Denilson, de Didi, Henrique Frade e Joubert Meira. E Castilho e Pinheiro, Batatais e Chamorro. Nem que o Fluminense costumava prevalecer nos Fla x Flus decisivos – o que não tem acontecido nos últimos tempos -, nem que o Flamengo tinha mais vitórias na história do clássico – o que não tem acontecido nos últimos tempos. Nem falamos das grandes finais de 1941 e 1963, de 1969 e 1973, nem das recentes em 2020 e 2021. Hei, tem gol de barriga!

Tudo começou lá atrás, em 1912. O Flamengo montou um timaço com a cisão no Fluminense e era favorito, mas o Tricolor vestiu a roupa de mosca na sopa e ganhou por 3 a 2, com Barthô marcando o gol decisivo. De lá para cá, o Tricolor e o Rubro-Negro vêm se engalfinhando e escrevendo uma linda história de rivalidade e disputa através das décadas. E agora novos nomes concorrem ao prêmio de imortalidade que um título no Fla x Flu é capaz de oferecer. Vença quem vencer, será lembrado daqui a 50 ou 80 anos – a gente mesmo se lembra ou ouviu falar dos 2 a 2 de 1941, e parece que foi ontem.

Nesta semana o Rio vai assistir a mais um capítulo desta série de gala, cujo desfecho é absolutamente imprevisível, porque no Fla x Flu só existe uma única certeza: é o jogo que nunca termina.

@pauloandel