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A MALDIÇÃO QUE CARREGA CADA CARRINHO

por Zé Roberto Padilha

Se jogar um clássico já é difícil, porque se Vasco x Flamengo se tornou um clássico, e dos milhões, foi porque ambos alcançaram um nível alto de excelência, imaginem jogá-lo com menos um?

Já passou da hora dos clubes de futebol punirem jogadores irresponsáveis, como João Victor, que por estarem fora de forma ou mal colocados, recorrem a um carrinho. Mesmo sabendo que este tem 80% a mais de probabilidade de acertar a perna do que a bola.

Com o VAR, então, 99% de seus estragos serem punidos.

Enquanto o carrinho não for banido do futebol, pois ele foi e será responsável pela interrupção parcial ou total da carreira de quem foi vítima desse ceifador de tíbias. maléolos e perônios, os clubes precisam punir duramente quem os pratica.

No nosso futebol, quem é o seu porta-voz, garoto propaganda e seu mais devoto praticante chama-se Felipe Melo. E só não foi punido porque seu treinador vai expulso na frente. Fernando Diniz não abre mão de ser o primeiro a dar um carrinho verbal na arbitragem.

Porque os 6×1 vão entrar para a história não contando que um soldado, João Victor, deixou seus companheiros de meio-campo abandonados diante de Pulgar, De La Cruz, Gerson e Arrascaeta.

Vão registrar, apenas, que há 81 anos aconteceu uma tragédia parecida.

A solução? Dar um carrinho no bolso de cada irresponsável que praticá-lo e deixar seu time exposto a passar um vexame desse tamanho.

YO SOY OBDULIO VARELA

por Elso Venâncio

Nas tardes de sábado, quando não havia futebol, a Rádio Globo-AM, do Rio de Janeiro, produzia uma longa jornada esportiva, com entrevistas ao vivo e os repórteres setoristas participando ativamente dos clubes.

O telefone toca e o segurança na portaria, me avisa:

“Tem um uruguaio dizendo que é campeão do mundo e que quer porque quer conhecer os estúdios”.

Desço e um senhor, de uns setenta e poucos anos, me estende a mão:

“Yo soy Obdulio Varela, fã do futebol brasileiro”.

Por segundos, imaginei a Copa de 1950, que ocasionou a maior depressão popular no país. Alto, forte, corcunda, com pescoço longo e grosso, cabelos crespos e grisalhos, não tive dúvida que eu estava diante do grande carrasco da história do nosso futebol.

Com leve sorriso e falando baixo, ele me contou que ouvia os programas de esporte da Globo, em Montevideo.

No elevador, Obdulio se mostrou descontraído:

“Venho ao Brasil uma vez por ano, e me hospedo no Paysandu Hotel, local da nossa concentração naquela Copa. Sou amigo do Zizinho e do Ademir”.

O capitão do ‘Maracanazo’ era arredio à imprensa. Lembrei de José Maria de Aquino, mestre do Jornalismo, que considera a matéria que fez com Obdulio, na capital uruguaia, a mais difícil, porém uma das mais importantes publicadas na Revista Placar. Notei que estava alegre; logo, ele concordou em nos dar uma entrevista.

”Toda vez que estou no Rio uma cena me vem à cabeça. Fomos para o Hotel, como bicampeões do mundo, e havia a recomendação para que ninguém saísse.”

Nas ruas, havia brigas, discussões e aglomerações.

“Resolvi tomar umas cervejas e levei nosso massagista, o Carlos Alatle”.

O ‘Caudilho Uruguaio’ caminhou pela Rua Paissandu e dobrou à esquerda, na Senador Vergueiro. Ameaçou entrar no Restaurante Recreio, localizado onde hoje fica a estação de metrô do Flamengo, e, ao ser reconhecido, algumas pessoas se puseram de pé.

Obdulio observou que muitos choravam. De repente, foi aplaudido por todos, a ponto de ter uma forte crise de choro.

“Foi nesse momento que passei a idolatrar o país e os brasileiros”, me contou ‘El Negro Jefe’, que tinha 32 anos, 1m83, era volante e vestia a camisa 5.

Líder sindical, ajudava a paralisar campeonatos no Uruguai, atitude logo copiada pelos argentinos.

Naquele dia, o Brasil jogava pelo empate. O Uruguai venceu por 2 a 1, de virada, gols marcados no segundo tempo. O do título eternizou Ghiggia, faltando onze minutos para o término da partida, diante de mais de 200 mil torcedores presentes no recém-inaugurado Maracanã, ‘O Maior Estádio do Mundo”.

Aquela derrota marcou uma geração de craques, dentre eles Zizinho, o ídolo do Pelé. O mais importante jogador da história do Uruguai exigiu a garra da ‘Celeste’ em campo, mandando até na arbitragem, sendo o principal personagem da conquista.

Obdulio Varela faleceu ao sofrer uma parada cardíaca, aos 78 anos, em 1996. Hoje é craque imortal no mundo do futebol.

AMARAL JOGOU DEMAIS!

por Paulo-Roberto Andel

São quatro da manhã e acabo de saber que Amaral morreu. Tinha 69 anos.

Ele jogou demais.

Aos quinze anos, já era titular no Guarani. Só não foi campeão brasileiro pelo Bugre porque já tinha sido negociado com o Corinthians.

Salvou o Brasil diante da Espanha na Copa de 1978, num dos lances de mais talento já vistos em todos os Mundiais de Futebol. Tirou a bola em cima da linha de gol. Só quem viu, sabe o que foi. Oscar e Amaral, uma tremenda dupla de zaga.

Na vila perto da minha casa, todo mundo queria ser Amaral. Essa tarefa coube ao Renato, que também era um monstro da bola e a conduzia igualzinho ao ídolo.

Amaral tinha muito talento, muitos recursos técnicos. Saía jogando com toda a calma do mundo, como se aquilo fosse simplório. Era um digno representante de nomes como Domingos da Guia e Zózimo. Gente que tratava a bola como se dissesse “oi, meu bem,”.

Depois dele, um nome de tanta elegância na defesa foi Ricardo Gomes. Altair também. Mestres do futebol, da técnica do jogo, do futebol onde a bola é o estandarte.

Amaral jogava de cabeça erguida, olhando para frente. A bola deslizava nos seus pés, como se o granado fosse uma mesa de snooker. Cada passe era uma degustação refinada.

Que craque!

@pauloandel

UMA NOITE QUE SERÁ LEMBRADA PARA SEMPRE

por Claudio Lovato Filho

Foto:Albari Rosa/AFP

Foi bonito ver o time no Couto Pereira como mandante.
Foi bonito, mesmo que tenha sido por um motivo triste.
Um mês sem ir a campo.
A comoção do reencontro no exílio forçado.
O azul-preto-e-branco vivendo o desterro.
Representando um estado.
Um estado de espírito.
Para nós, torcedores, apaixonados, foi puro alento.
A retomada de um naco de normalidade, no futebol e na vida.
Um raio de sol peleador.
O time no Couto Pereira foi uma mensagem clara: “Não desistiremos”.
Mensagem não apenas de um clube, mas de um estado (incluindo o nosso arquirrival, no dia anterior, em Barueri).
A mensagem de um estado.
Um estado que é puro espírito.
Espírito de luta.
Sim, foi bonito ver o time em Curitiba (e ainda aplicando goleada).
Um afago na alma.
Um instante de conforto no meio do horror implacável.
A breve interrupção de um pesadelo que insiste em não terminar.
Mas que vai passar.
A esperança transgressora que desafia o cenário.
Um jogo de futebol.
Com tudo o que ele pode significar – e significou.
Um jogo do time amado, depois de um mês.
Longe de casa (mas num estádio, vejam só, que lembra o Velho Casarão da Azenha).
Uma noite para reiterar a certeza de que a superação virá.
E que a vida seguirá.

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 64

por Eduardo Lamas Neiva

Após a brilhante apresentação de Naná Vasconcelos, o percussionista é muito aplaudido. Zé Ary aproveita e chama outro craque ao palco.

Garçom: – Depois deste craque da percussão, vamos chamar um craque do violão: Paulinho Nogueira, por favor, venha ao palco.

Paulinho Nogueira se encaminha com seu violão ao palco, aplaudido pelo público.

Paulinho Nogueira: – Obrigado, gente. Bom, em 1970 gravei uma música que compus chamada “O jogo é hoje” e ela fala que “vai nascer um novo campeão”. E foi o que ocorreu em 70, no México, né? Já éramos bicampeões, mas perdemos em 66. Então… “O jogo é hoje”!

Aplausos para Paulinho Nogueira, que retorna à sua mesa. Enquanto o violonista e cantor ainda estava indo em direção à sua mesa, Idiota da Objetividade foi direto ao ponto nevrálgico da demissão de João Saldanha do comando da seleção brasileira.

Idiota da Objetividade: – Com toda pressão que começou a aumentar após a derrota pro Atlético Mineiro e os resultados ruins em outros amistosos, após o empate em 1 a 1 com o Bangu, em outro jogo-treino, João Saldanha foi demitido em 17 março de 1970, menos de dois meses e meio pro início da Copa.

Sobrenatural de Almeida: – E 14 dias após o João dar a entrevista em que disse que ele escalava o seu time e o presidente, o Ministério dele.

João Sem Medo: – O Havelange me chamou pra uma reunião na sede da CBD e disse que a comissão técnica estava dissolvida. Respondi a ele que não era sorvete para ser dissolvido. Aí ele respondeu que eu estava demitido, então eu disse: “Vou pra casa dormir”.

Garçom: – Fiquei muito triste na época. Sua saída não foi justa.

Ceguinho Torcedor: – Foi um trabalho extraordinário, que resgatou a credibilidade do futebol brasileiro. Perdi a conta do tempo em que João foi malhado como um Judas de Sábado de Aleluia.

João Sem Medo: – Amigos, porque eu saí é muito fácil entender. O que tenho dificuldade de explicar é porque eu entrei.

Ceguinho Torcedor: – Havia um terror de que ele voltasse do México com o caneco de ouro, pra sempre. Houve quem dissesse que João estava poderoso demais, mais que a CBD, as federações, do que as forças ostensivas ou obscuras que manipulavam o nosso futebol. E seria ainda maior, muito mais forte, se voltasse com o caneco de ouro. Teria então meios de transformar a nossa realidade esportiva.

João Sem Medo: – Antes da Copa entreguei ao ministro Jarbas Passarinho um dossiê com todos os problemas que tínhamos e sugestões para corrigi-los. O que foi feito?

Ceguinho Torcedor: – Nunca houve um massacre pessoal tão desumano. E o espantoso é que exigíamos do João Sem Medo um comportamento de estátua de Abraham Lincoln. Se o grande técnico dava uma bronca, nosso grã-finismo estrebuchava: “Não tem serenidade! Não tem equilíbrio!”. Claro que podíamos dizer isso, porque cada um de nós estava fora da guerra, abanando-se com a Revista do Rádio. (o povo ri) É fácil ter boas maneiras, é fácil ter equilíbrio, é fácil ter serenidade quando ninguém nos xinga, quando ninguém nos insulta, quando ninguém nos massacra.

Garçom: – Ninguém é sangue de barata, muito menos o “seu” João.

Ceguinho Torcedor: – João Havelange garantiu que João Sem Medo ficaria até o fim. Chegou a dizer que impediria fisicamente o técnico de sair, se ele pedisse demissão. O primeiro dever dele era a classificação. E ele o cumpriu. O segundo dever era a conquista do título. Parentes, figuras da imprensa, do rádio e da televisão se uniram pra frustrá-lo no seu maravilhoso esforço final. Rolou a cabeça de João Sem Medo e passamos a querer mais do que nunca o caneco. Ah, foi uma guerra suja de tantos contra um só. Guerra digna de nosso vômito.

João Sem Medo: – Obrigado pelo apoio, Ceguinho.

Idiota da Objetividade: – Os jogadores, liderados por Brito, quiseram fazer um movimento de solidariedade ao João, com exceção de Pelé.

Todos olham pra Pelé, que disfarça cochichando algo no ouvido de Coutinho, ao seu lado à mesa.

João Sem Medo: – A decisão já estava tomada, não havia o que eles pudessem fazer. Iam acabar sendo prejudicados. Precisavam ir ao México pra ganhar a Copa. Vida que segue.

Sobrenatural de Almeida: – E a seleção foi para a Copa com Zagallo no comando e a sua inseparável camisa 13.

Zagallo: – “É o tri no México” tem 13 letras.

Neste momento, todos se voltam à entrada do bar Além da Imaginação. É Mario Jorge Lobo Zagallo chegando e logo sendo recebido com aplausos de pé por todo o público. O Velho Lobo logo se emociona. É abraçado por muitos, inclusive pelos componentes da mesa principal.

Garçom: – Bom, minha gente, enquanto Zagallo vai chegando e se acomodando, o que é um enorme prazer pra todos nós. Vamos chamar ao palco a grande dupla Tonico e Tinoco pra saudar Zagallo e todos os que conquistaram o tri no México.

Os irmãos Tonico e Tinoco vão ao palco também muito aplaudidos.

Tonico: – Que festa bonita! Saudamos todos esses grandes campeões que estão aqui. É um enorme prazer cantar pra vocês.

Tinoco: – Em homenagem a todos vocês.

Tonico: – Isso mesmo, Tinoco. Vamos cantar, então, a “Marcha do tri”, composição nossa com o Pedro Capeche.

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Um gol desse não se perde!