OBRIGADO, ABEL
por Zé Roberto Padilha

Acabo de enviar uma crônica para o Abel. Como jornalista, sempre faço isso, pois somos amigos desde os 16 anos, quando fomos fazer teste nas Laranjeiras. Fomos aprovados e nos formamos por lá, na Rua Álvaro Chaves, como atletas profissionais de futebol. A nossa “graduação” aconteceu em 1975, sete anos depois, na Máquina Tricolor. O paraninfo? Roberto Rivelino.
Abel retribuiu a gentileza da crônica com uma mensagem que me emocionou: “A inteligência sempre foi a tua marca!”
Somos todos carentes de um abraço. Reféns de um carinho quando o mundo nos atropela, os que amamos muitas vezes se afastam e as eleições nos deixam reflexões que nos fazem questionar se realmente as merecemos. Esse afago veio na hora certa, e como minha vida é um livro aberto, não poderia deixar de compartilhar o elogio do meu amigo. Foi um refresco para a alma.
Esse gesto me lembrou outro elogio raro, vindo de Roberto Alvarenga, um dos supervisores mais respeitados do nosso futebol. Na Máquina Tricolor, Alvarenga era tanto meu admirador quanto crítico da ideia de que Mário Sérgio fosse, por um breve período, meu reserva. Ele não escondia isso pelos vestiários.
Até que, em um Fla-Flu, nosso lateral-direito Toninho Baiano se lesionou e precisou sair de campo. Antes que o treinador Didi tomasse qualquer decisão, cruzei o campo. Era ponta-esquerda, mas fui cobrir o Toninho. No caminho, avisei ao Rivelino: “Segura um pouco as subidas do Júnior.”
A cobertura foi tão natural que poucos notaram. Quando Toninho voltou, cruzei novamente o campo e retomei minha posição. Talvez nem me lembrasse do que fiz se Roberto Alvarenga não tivesse murmurado ao meu ouvido, nos vestiários: “Agora entendi por que você é titular. Eles jogam, você pensa o jogo!”
Inteligente. Ouviu, pai? E você, minha mãe, Dona Janet? Quando compraram a enciclopédia Barsa, a coleção completa dos Gênios da Pintura e depois Os Pensadores, e nos apresentaram à Bossa Nova, eu e meus irmãos jamais jogaríamos como Mário Sérgio.
Mas perceber um buraco na zaga e cobrir a lateral? Esse é o mínimo que eu poderia fazer para honrar o investimento que vocês fizeram na cultura de sua prole.
ASSOCIATIVO OU SAF
por Idel Halfen

Ao fim de mais uma temporada do Campeonato Brasileiro, surge um debate que tem como objeto de discussão o modelo gestão no que tange à competitividade: associativo ou SAF?
Certamente os defensores do modelo SAF vão evocar o Campeonato Brasileiro e a Copa da Libertadores de 2024 como argumento de convencimento. No lado oposto, a Copa do Brasil e as três citadas competições em 2023 embasarão a defesa pelo modelo associativo.
Já sob o prisma dos rebaixamentos, dos quatro ocorridos na atual temporada, dois times são SAF, mesma quantidade de 2023.
Embora sejam parametrizações interessantes, é preciso considerar que análises que se baseiam em recortes, na maioria das vezes não inspiram muita confiança, visto carecerem de bases históricas robustas, as quais são essenciais para se avaliar a sustentabilidade dos resultados, isto é, entender se há realmente um projeto duradouro ou se não passa de algo ocasional.
Nesse contexto, um questionamento se faz mandatório: por quanto tempo os investidores das SAFs estarão dispostos a manter a posição acionária até realizarem seus lucros? Ainda que títulos tragam reflexos nas receitas, 20% dessas, em razão do regime centralizado de execuções (RCE), devem ser direcionadas à justiça para o pagamento das dívidas cíveis e trabalhistas, sendo que muitos juízes excluem do montante as advindas das vendas de jogadores e premiações. Preciso ser mais explícito?
Pelo outro lado, é preciso ver até quando os clubes “associativos” conseguirão rolar suas dívidas sem prejuízo das respectivas competitividades e operações. Há consideráveis casos de times que, numa espécie de all in, foram sendo geridos irresponsavelmente, até não conseguirem mais suportar o endividamento, culminando na conclusão de que o modelo de SAF era a única solução que restava.
A alegação de que as SAFs apresentam uma melhor governança pode até fazer sentido, mas não é regra, vide os escândalos que aparecem frequentemente no mundo corporativo, inclusive em empresas listadas na Bolsa e com fortes iniciativas de compliance. Claro que, no caso dos clubes “associativos”, o modelo de gestão costuma ser retrógrado em grande parte deles, o que torna maior o risco de desvios de conduta.
Mas voltando nossa análise para o prisma de desempenho esportivo, veremos que, desde que se iniciou o formato de pontos corridos em 2003, apenas três clubes nunca foram rebaixados – Flminense, São Palo e Flamengo -, todos sob o modelo associativo. Tal condição, aparentemente favorável a esse tipo de governança, também não significa que esta seja a melhor alternativa, até porque, em grande parte das vezes, a transformação para SAF acaba sendo consequência de algum rebaixamento, cujo impacto nas finanças é invariavelmente maléfico.

Dessa forma, reitero que, embora não seja um fã incondicional do atual modelo de SAF, penso ser ele fundamental para clubes que chegaram a um elevado nível de endividamento, só chamo a atenção de que esse tipo de processo requer estudos muito minuciosos, alinhamentos de expectativas e contratos que resguardem as organizações de “aventureiros”.
Mesmo não sendo impossível encontrar investidores que originariamente torçam para os times que aportam, vide os principais clubes mineiros, essa não é uma situação usual, o que aumenta o risco da continuidade dos projetos de performance esportiva, já que o objetivo da gestão de médio e longo prazo passa a ser voltado intensamente aos indicadores financeiros e remuneração dos investidores, situação que se agrava nos casos de grupos econômicos que detenham a participação em mais de um clube – multi-club ownership -, os quais precisam estabelecer prioridades para a alocação de recursos.
Quanto à pergunta em relação ao modelo mais competitivo, não vou me eximir de responder: partindo da premissa que se tenha a devida estabilidade financeira, aquele que for gerido por quem realmente conhece futebol e, evidentemente, gestão, terá uma sequência mais duradoura de bons resultados, independentemente de ser SAF ou não.
O SÃO PAULA DESONROU O NOSSO FUTEBOL
por Zé Roberto Padilha

Sei que sou do tempo do Onça, zagueiro do Flamengo que jogava com raça, assim como todos nós, jogadores profissionais daquela época. Tínhamos honra e vergonha na cara. Jamais perderíamos uma oportunidade como a que o time do São Paulo desperdiçou. Casa cheia, transmissão para todo o país, e um cenário perfeito para mostrar o valor do nosso futebol.
Poucas vezes vi um clube tão burocrático para sair jogando, lento para transitar da defesa ao ataque e completamente omisso na busca pelo gol adversário. O São Paulo FC, de domingo, fez mais para denegrir a imagem do nosso futebol do que Bruno Henrique, caso seja provada sua culpabilidade ao forçar um terceiro cartão amarelo. Ou Paquetá, cuja ilha inteira apostou, mais que o resto do mundo, que ele também levaria um amarelinho.
Nesse caso, a culpa é do jogador, que deve responder pelos seus atos. Mas e quando é todo um elenco que entra em campo e:
a) não divide uma bola;
b) não reclama de nenhuma decisão da arbitragem;
c) nenhum jogador dá um pique sequer em direção ao gol;
d) o treinador não é visto uma única vez reclamando com o quarto árbitro;
e) e cadê o Lucas, o Arboleda, o Calleri?
Sei que, diante da superioridade do Botafogo e do favoritismo, esse olhar crítico sobre a covardia de um time que jamais buscou a vitória pode ter passado despercebido para muitos.
Não para minha geração. Fomos treinados por Pinheiro, orientados por Roberto Alvarenga, supervisionados por Zezé Moreira, e nossa formação ocorreu na Universidade da Bola e da Ética chamada Fluminense FC.
Nós, tricolores, teríamos vergonha de entrar em campo sem um desejo enorme de vencer. De buscar a vitória, do começo ao fim. De honrar nossa camisa. E o futebol.
Obs.: Nada contra o Botafogo. Pelo contrário, o clube fez a sua parte. E bem.
O PAREDÃO ACÁCIO
por Elso Venâncio

Desde Barbosa, no famoso Expresso da Vitória, o Vasco mantém a tradição de ter grandes goleiros. Na década de 1980, por exemplo, surgiu o paredão Acácio, após as lendas Andrada e Mazarópi. É sobre ele que vamos falar hoje…
Acácio, nasceu numa família vascaína, em Campos dos Goytacazes, e começou jogando nas categorias de base do Americano. Se tornou profissional aos 17 anos, sendo emprestado ao Rio Branco e depois ao Goytacaz, até chegar ao Serrano. Numa partida histórica, pelo Campeonato Carioca de 1980, ele fechou o gol na vitória por 1 a 0 sobre o Flamengo de Zico, Júnior e cia. Anapolina anotou o único gol da partida. Era uma quarta-feira à noite, com chuva e neblina em Petrópolis, e o Flamengo entrou em campo com a base do seu maior time da história, que seria campeão do mundo no ano seguinte, em Tóquio: Raul; Leandro, Luís Pereira, Marinho e Júnior; Vitor, Adílio (Andrade) e Zico; Tita, Anselmo e Edson (Júlio César Uri Geller).
Na opinião do goleiro rubro-negro, Acácio fez o jogo da sua vida. “O que Acácio fez no campo enlameado foi sobrenatural”, afirmou Raul, ídolo do Flamengo e do Cruzeiro.
Em pouco tempo, Acácio seria transferido para o Vasco, do qual se tornou titular. Inclusive, foi campeão carioca em 1982, com vitória vascaína sobre o arquirrival Flamengo, por 1 a 0, gol do ponta Marquinhos, de cabeça. Nessa partida, Acácio defendeu um chute forte de Zico, cara a cara, e garantiu o título. Também foi campeão em 1987 e bi em 1988, com o famoso gol de Cocada. Sua maior conquista, entretanto, ocorreu em 1989, com o título brasileiro ao lado de Bebeto, Mazinho, Bismarck. No jogo decisivo, outra vitória por 1 a 0, mas diante do São Paulo, no Morumbi.
Na época dos torneios de verão na Europa, em que os maiores clubes do mundo se enfrentavam, Acácio participou do tricampeonato do Vasco no célebre Troféu Ramón de Carranza, disputado, em Cádiz, na Espanha. O Vasco é a única equipe brasileira a conquistar o título três vezes consecutivas, em em 1987, 1988 e 1989.
Convocado à Seleção Brasileira, Acácio disputou alguns jogos, sendo reserva imediato de Taffarel na Copa América de 1989 e na Copa do Mundo de 1990, na Itália. Deixou o Vasco em 1991, após uma década, para defender o Tirsense de Portugal. Quem o substituiu foi Carlos Germano, segundo jogador que mais vestiu a camisa cruzmaltina, em 632 jogos. Roberto Dinamite, o ídolo maior do Vasco, atingiu a marca impressionante de 1110 partidas.
CONFISSÕES DE UM ROSEMIRO
por Zé Roberto Padilha

Era uma vez um lateral-direito que corria mais que o vento. E mais que o Apodi. Pernas finas, nariz grande e um caminho cheio de dificuldades certamente percorreu até alcançar o Palmeiras. Mais ainda, até chegar à seleção brasileira.
Naquela ocasião, o Santa Cruz, treinado por Evaristo de Macedo, tinha Nunes começando e Luiz Fumanchú fechando o ataque ao lado de uma lenda chamada Betinho. Fomos ao Pacaembu disputar uma vaga nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1978.
Recordista no teste de Cooper, coube a mim a dura missão de anular Rosemiro. Evaristo, implacável e irônico, não me poupou na preleção:
– Vamos ganhar se vocês dois não jogarem. Você não joga nada mesmo, e ele joga muito!
Colei no Rosemiro. Até para beber água fui atrás dele. Nunes abriu o placar, e o lateral começou a se irritar comigo.
– Vai se fu…!”, esbravejou.
Apertei ainda mais a marcação. Toninho ficou sem assistências, e Fumanchú ampliou.
Foi então que a Mancha Verde, inconformada, passou a me ajudar na provocação:
– Rosemiro, Rosemiro, vai tomar no…!
No segundo tempo, ele perdeu a paciência e entrou duro em mim. A frustração tomava conta de todos que acreditavam na classificação do Palmeiras. E, num contra-ataque, Luiz Fumanchú decretou nossa vitória.
Os olhos de Rosemiro irradiavam raiva, ira, desejo de vingança — não necessariamente nessa ordem. Quando o jogo acabou, fui até ele:
– Desculpe, mas o Evaristo sempre pede para eu colar no melhor do time!
Seu ego, então, foi massageado, e o ódio deu lugar à vaidade. Ele devolveu, ou pensou — já faz tanto tempo:
– Ele, Evaristo de Macedo, a lenda, disse mesmo que eu sou o melhor do time?
Derrotei sua tarde em campo, mas amenizei suas dores nos recuerdos da noite, que, na derrota, varam a madrugada. Às vezes, uma massagem na autoestima supera a frustração de perder, ainda mais em casa, a chance de ficar entre os quatro semifinalistas.
E quase todo o Mundão do Arruda foi ao aeroporto dos Guararapes nos esperar. Que festa! Até Jarbas Vasconcelos, do MDB, e Cid Sampaio, da Arena, foram buscar votos para governador. Afinal, vivíamos o bipartidarismo.
Naquele ano, se houvesse urnas no Pacaembu, Rosemiro não ganharia nem mesmo para vereador.