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A MEMÓRIA NÃO ALCANÇA A JUSTIÇA

por Zé Roberto Padilha

Como tudo, músculos, órgãos, articulações, a memória vai perdendo lembranças sobre quem foi a maior ganhadora, por seis vezes seguidas, do Prêmio FIFA, destinado a melhor jogadora do mundo e jogando num país que, antes dela, o futebol feminino brasileiro não tinha a menor relevância em todo mundo…

Também ela, a memória, foi perdendo o impacto causado sobre uma modalidade esportiva, o Tênis, que virou febre no país levando às quadras diversas gerações, quando Gustavo Kuerten venceu Agassi, Sampras e por três vezes o Torneio de Roland Garros…

E, coitada, a tal da memória, nem sabia mais dizer como foi que um atleta, Ademar Ferreira, correndo em um país que mal tem pista de atletismo, o que dizer de treinadores e patrocinadores, alcançou feitos tão importantes?

A memória dos jornalistas que votaram como os maiores da história do esporte no país, apenas preserva as Olimpíadas de Paris fresca na cabeça.

Rebeca Andrade merece, mas com todo o respeito…

O MEU DIA DE ESQUERDINHA

por Zé Roberto Padilha

Poucos tricolores, irritados com suas falhas que originaram os gols do Grêmio, na semana passada, poderiam imaginar o quanto o travesseiro desse menino deve ter sido contorcido. As cobertas inquietadas, reviradas. O sono perdido após a partida.

Funciona assim, com o imaginário realizando as jogadas que deveríamos ter feito na ocasião: por que não recolhi os braços? E por que não cerquei o Soltedo no lugar de chegar lhe atropelando?

Dormi mal por ele e pelo resultado. Porque eu tive, no Fluminense, o meu Dia de Esquerdinha. Canhoto também, embarquei em 1973 com a delegação tricolor para enfrentar o Corinthians. Zagallo era o treinador e Lula o ponta-esquerda. Nesse sábado à tarde, estavam servindo a seleção.

Pinheiro, treinador dos Juniores, assumiu e me levou. Pra ficar quietinho no banco. O Fluminense fez 1×0, gol de Jair, e uma insuportável pressão do timão levou o “Seu Pipi” ordenar:

– Pinguelinho (me chamava assim) entra e fecha as subidas do Zé Maria (era o Super Zé)!

Entrei aos 30 e aos 35 Félix, nosso tricampeão, resolveu sair jogando comigo em nossa intermediária. Quando dominei no peito, ela escorregou. E subiu um pouco. O suficiente para Zé Maria antecipar, me dar um tranco, na bola, tabelar com o Vaguinho, ir à linha de fundo e lhe devolver na conta para empatar a partida.

Todo sem graça, para acabar de me encher de culpa, na ducha ao lado da minha, uma conversa ríspida me arrasou de vez. Gerson disse pro Félix sem saber que estava colado ao chuveiro.

– Que coisa, hein! Papel! Tão experiente e sair jogando perto da nossa área com esses “cabaçudos” dos juvenis? Olha o que deu!

Cabaçudo! Que jeito de aprender uma palavra cascuda e depreciativa.

Voltei escondido lá atrás no avião. E depois sobrevivi. Com Esquerdinha, vai ser assim também. Experiência ninguém compra ou vende.

Só o tempo nos ensina.

Força, garoto!

MEIO AMARGO

por Wesley Machado

Após uma eliminação na Copa do Brasil no meio de semana, o reencontro com o algoz Juventude no fim de semana era o prenúncio de que o pior poderia acontecer.

A lembrança daquele 0 a 0 no Maracanã, com mais de 100 mil pessoas em 1999, permanece viva na memória que retém traumas como se o sofrimento fosse mais marcante.

Este domingo de Dia dos Pais coincidiu com o aniversário de 60 anos da minha mãe.

A caminho da casa dos meus pais, passei pelo bar da esquina, dei uma espiadinha na televisão e o placar já marcava 1 a 0 para o Juventude.

Chego na sala, meu pai está com minha avó e o Botafogo leva o segundo gol.

No intervalo, meu pai brinca:

– Também, você está com a camisa do Juventude.

rs

Realmente eu vestia verde.

Vou em casa tomar um banho e mudar de roupa por superstição.

Visto preto e branco.

Passo no bar de novo e já está 3 a 0.

Meu pai agora vê o jogo na televisão dos fundos.

O Botafogo diminui para 2 a 3, mas não consegue o empate.

Permitam-me ser o hater do Halter, o zagueiro que falha todo jogo.

Não tem mais condições de vestir a camisa do Botafogo.

Da mesma forma em que às vezes são fabricados heróis efêmeros, é preciso apontar vilões quando eles praticam o mal constantemente.

É por dublês de jogadores como esse que um time perde um título.

A liderança, com um jogo a menos, está mantida.

Mas até quando?

O final de semana até que terminou bem com um bolinho e um doce.

E o final do ano?

Terá final feliz?

A SÚMULA DO ÁRBITRO ZÉ GAVETA

por Victor Kingma

Charge: Eklisleno Ximenes.

Partida memorável da liga Mantiqueirense, no interior de Minas Gerais. O time de Mantiqueira, o Catauá, enfrentaria na final a equipe do vizinho distrito de Passa Três. E novamente, o tradicional e esburacado estádio “Mantiqueirão” seria o palco da grande decisão.

No grande dia a bola rola em clima de enorme tensão e desconfiança, pois os visitantes não se conformavam com a indicação do controvertido árbitro conhecido por Zé Gaveta para apitar a final. Por razões obvias.

Empurrado por sua fanática torcida, que lotava os morros da periferia, o Catauá, que precisava da vitória, joga o tempo todo no ataque, mas o gol não sai.

Zé Gaveta, até que tenta dar uma mãozinha: em duas jogadas duvidosas dentro da área, marca pênalti. Mas Feitiço, goleiro desprezado pelo Catauá e que estava atuando pelo adversário, se vinga e, nas duas ocasiões, defende espetacularmente as penalidades.

O Jogo, tenso, se aproxima do fim e o Passa Três está com a taça nas mãos. Entretanto, um acontecimento extra campo começa a preocupar os seus dirigentes: o coronel Sá Fuentes, o lendário fundador do Catauá, que devido à idade avançada já não freqüentava com tanta assiduidade os jogos, chega ao Mantiqueirão. Montado em seu cavalo, traz, como era tradição dos Sá Fuentes, o famoso trabuco 38 na cintura.

Informado de que o jogo estava acabando e que seu “amado time” ia deixando fugir o titulo, o coronel adentra a cancha montado no tordilho e disparando tiros à torto e a direito.

Seguem-se quinze minutos de pânico total. Os jogadores, apavorados, fogem para o vestiário, e a partida, é interrompida.

A decisão fica em suspense até o dia seguinte, quando “Sua Senhoria” entrega na sede da liga regional, a súmula esclarecedora.

Eis o relato “insuspeito” do árbitro Zé Gaveta:

“Aos 42 minutos do segundo tempo, com o placar em 0 x 0, a peleja teve que ser interrompida, pois a cancha foi invadida por um cavalo selvagem, que corcoveava, alucinado, e desferia coices para todo lado.
O Coronel Sá Fuentes, que montava o quadrúpede, fazia de tudo para contê-lo, mais a besta fera mostrava-se indomável. Preocupado com a segurança dos jogadores o coronel ainda desferiu vários tiros para alertar os atletas quanto à presença do feroz animal.

Registro ainda que alguns incidentes foram verificados e dois desses tiros de alerta acabaram furando uma das bolas e atingindo, por casualidade, o pé do atacante Canhoteiro, do Passa Três.

Serenados os ânimos fui aos vestiários e chamei os times para jogarem os três minutos finais. “Entretanto, como a equipe do Passa Três, “INEXPLICAVELMENTE” se negava a voltar a campo, dei como encerrada a contenda e registrei a conseqüente vitória do Catauá, que assim se sagrou campeão, por causa do abandono do campo por parte do adversário.”

MAIS DO QUE UMA MULHER, UM MILAGRE

por Zé Roberto Padilha

Nem dá para imaginar como ela surgiu. Em nosso país, pouca coisa mudou desde a Grécia Antiga. Por lá, berço de quase tudo, as mulheres ganhavam bonecas, e iam cuidar da prole, tanque e cozinha, e os homens soldadinhos de chumbo, para irem à guerra.

Nascer em Dois Riachos, Alagoas, e gostar de jogar futebol, só mesmo entre os homens. E foi entre eles que se meteu, contra os conselhos dos pais, e exerceu sua vocação com a cara, coragem e talento.

Quando viu que levava jeito, ninguém a segurou. Juntou dinheiro com parentes e amigos e, aos 14 anos, veio fazer testes no Vasco. Dali pra frente, o mundo conhece e reconhece, mais que a gente, toda a história da mulher mais consagrada da história do futebol mundial.

Foi escolhida seis vezes, sendo cinco consecutiva, a melhor jogadora de futebol do mundo pela FIFA. E quando vai participar da sua sexta olimpíada, com 116 gols marcados pela seleção brasileira, ajuda a geração pela qual abriu todas as portas e alcançou nossa segunda medalha de prata…

Na cerimônia de encerramento, a honra de carregar a bandeira da delegação brasileira ficou com Ana Patrícia e Duda. Que tem seus méritos a dupla medalha de ouro no vôlei de prata feminino, ninguém discute, mas essa escolha traduz bem o tamanho da memória, bem curta, a extensão da gratidão, bem longa, que o Brasil reserva aos seus ídolos.

Marta carregou na despedida, em Paris, a bandeira do seu país no batom. Um brilho com que marcou território e provou que futebol é pra quem sabe. Não pra quem é homem.