LIÇÕES DO MESTRE EVARISTO
por Zé Roberto Padilha
Evaristo de Macedo, além do excepcional jogador que foi, deu a cada um atleta que treinou lições definitivas. E uma delas veio à tona quando um jogador uruguaio foi expulso. E o Brasil voltou para o segundo tempo com um jogador a mais.
No Santa Cruz FC, onde nos treinou no final dos anos 70, aconteceu algo parecido na Ilha do Retiro. Um jogador do Sport foi expulso e perdíamos por 1×0. A primeira coisa que fez foi me tirar do time. Era um ponta esquerda que armava as jogadas e ele colocou o Joãozinho, um ponta ofensivo, no meu lugar. E viramos o jogo.
Chateado, claro, com a substituição, na representação ele explicou sua atitude.
Evaristo disse que com um a mais você só leva vantagem se abrir o campo. Literalmente. E para isso ele precisava abrir os espaços com dois pontas ofensivos. Se colocasse mais um atacante, afunilaria as jogadas e facilitaria a marcação.
Uma pena que Dorival Jr não tenha assistido essa aula. Com espaços reduzidos, às vezes ter um a mais até atrapalha.
NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO
por Claudio Lovato Filho
Eu fazia o 2º ano científico no Instituto Educacional São José, na Avenida Alberto Bins, centrão de Porto Alegre. Naquele 5 de julho de 1982, a saída do colégio foi diferente: rápida, sem bate-papos na calçada. Percorri o trajeto de sempre com o passo apertado como nunca: Alberto Bins, Coronel Vicente, Independência, Santa Casa, João Pessoa, República até, enfim, chegar à Sofia Veloso, edifício Corinto. Do centro para a Cidade Baixa em alguns minutos, com a cabeça na Espanha. A comida já estava pronta, foi só fazer o prato e acomodá-lo sobre o banquinho, em frente à TV, na sala. À direita, o janelão deixando ver, ao fundo, sob um céu de poucas nuvens, o Guaíba. Era um dia bonito de inverno. Então aconteceu. O Brasil em campo mais uma vez. Aquele time. Que time. E deu no que deu. O empate nos bastava, mas aquele time jamais jogaria para empatar. Perdemos, fomos eliminados, mas não da memória, não dos corações. Foi lindo, meus amigos. Foi puro encantamento enquanto durou. “Enquanto durou”? Não. Dura até hoje. A magia permanece. Vida que segue; assim é, assim sempre será, e, menos de um ano e meio depois desse doloroso 5 de julho de 1982, tive aquela que é, até hoje, a minha maior alegria no futebol: a conquista do campeonato mundial de clubes pelo meu Grêmio, em 11 de dezembro de 1983, em Tóquio. A vida seguindo, bela que só ela. O São José não existe mais, virou centro de convenções do Hotel Plaza San Rafael, que fica do outro lado da Alberto Bins. O apartamento da Sofia Veloso há muito deixou de pertencer à família, e eu saí de Porto Alegre há 36 anos para atender aos chamados do trabalho e cair no mundo. O futebol, no entanto, prossegue garantindo que (lembrando Neruda) o menino que eu fui continua vivo dentro de mim, porque temos um trato indissolúvel.
“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 69
por Eduardo Lamas Neiva
Após o coro de “Pra frente Brasil” seguir como uma roda de ciranda que ocupou todo o bar “Além da Imaginação”, o público foi se acalmando, quando Sobrenatural de Almeida deu um bico pra longe naquela euforia.
Sobrenatural de Almeida: – Todo aquele futebol maravilhoso, toda aquela festa em meio aos Anos de Chumbo pra 23 anos depois a taça ser roubada da sede da CBF e ser derretida. Assombroso!
Garçom: – Uma vergonha! Guardaram a réplica no cofre e puseram a verdadeira na vitrine. Virou piada de brasileiro em Lisboa.
João Sem Medo: – Quando aconteceu esse episódio fiquei com a impressão de um “deja vu”.
Garçom: – Djair?
João Sem Medo: – Não, Zé Ary, esse jogou no Botafogo, no Fluminense e no Flamengo nos anos 90.
Idiota da Objetividade: – Jogou no São Paulo também. Depois ainda foi de muitos outros times, como Cruzeiro, Atlético Mineiro, Corinthians…
João Sem Medo: – Sim, mas eu falei em “deja vu”, que é a sensação de já ter vivido algo que ocorreu pela primeira vez.
Garçom: – Ih, já senti isso. Fico todo arrepiado.
Sobrenatural de Almeida: – É assombroso. Hahaha
João Sem Medo: – Depois descobri o motivo. O escritor mineiro Henrique Pongetti tinha escrito um conto, publicado em 1964 no livro “Inverno em Biquíni”, chamado “O roubo da Taça Jules Rimet”.
Sobrenatural de Almeida: – Assombroso, porque a taça já tinha sido escondida durante a Segunda Guerra Mundial numa caixa de sapato embaixo da cama do vice-presidente da Fifa da época, o italiano Ottorino Barassi, mas só foi roubada pela primeira vez em 66, às vésperas da Copa da Inglaterra.
Idiota da Objetividade: – A taça, que estava com a CBD, já que o Brasil tinha sido o último campeão, em 62, foi cedida para uma exposição em Londres, quatro meses antes do início da Copa de 66. Mesmo com dois seguranças no local, a taça sumiu em 20 de março.
João Sem Medo: – Até os investigadores da Scotland Yard se envolveram na busca, mas quem encontrou a taça foi um cão chamado Pickles.
Idiota da Objetividade: – O ex-soldado Edward Betchley pediu um resgate pra devolver a taça, mas disse que era só intermediário, que não tinha roubado a taça. Segundo ele, o ladrão era um tal de “The Pole”. Betchley morreu em 1969 após passar dois anos preso por extorsão.
Músico: – Peço licença aos senhores pra informar algo que muita gente certamente não sabe. Em 66, como uma crônica musical, Rildo Hora compôs e gravou “Pickles (O Roubo da Taça do Mundo)”.
Todos se espantam.
Garçom: – Essa eu não sabia.
Músico: – Deixa que eu ponho no nosso aparelho de som, então. Temos o áudio aqui, com o próprio Rildo Hora cantando e tocando sua gaita e seu violão.
Garçom: – Maravilha! Vamos ouvir, então.
O sambalanço de Rildo Hora agrada, muitos aproveitam pra dançar, sabendo que o tricampeonato só viria em 70. Mas logo a curiosidade de Sobrenatural de Almeida, que não era exclusiva dele, prevaleceu.
Sobrenatural de Almeida: – Pois então, João, que história é essa do escritor?
João Sem Medo: – Almeida e amigos, o Pongetti previu quase 20 anos antes que a Jules Rimet seria roubada da sede da CBD. Na época em que escreveu o livro a taça estava provisoriamente com o Brasil, como o Idiota já falou, pois éramos os bicampeões mundiais. E ele não pôde saber no Mundo Físico que era profeta, pois morreu em 1979, quatro anos antes do roubo definitivo da taça que brilhantemente tínhamos conquistado em definitivo no México, em 70.
Músico: – E o roubo da taça virou filme.
Garçom: – Verdade, Angenor! Foi lançado em 2016. Vamos assistir ao trailer no telão e emendar de primeira “O tema” do filme, composto por Thiago França e Duani, com o grupo Instituto. Simbora!
Garçom: – Isso só pode ter sido castigo. Ficamos 24 anos sem conquistar um título. Foi duro aquele jejum. Mas finalmente em 94 pudemos comemorar. E novamente em cima da Itália…
João Sem Medo: – Vencer é sempre bom, mas jogamos em 1994 com o mesmo medo de 74 e 78, quando adotamos o falso futebol-força. Zinho foi uma cópia fiel do Dirceuzinho. Parreira e Coutinho fizeram parte da comissão técnica do Zagallo e seguiram o mestre. Mas se antes já tínhamos chegado longe demais, em 94 conquistamos o título e tivemos um lucro ainda maior. Não foi uma vitória que tenha me emocionado aqui em cima, mas o Brasil foi campeão depois de 24 anos sem título mundial e isso é o que conta.
Ceguinho Torcedor: – Toda vitória é épica. Sendo brasileira ainda mais. E com a dramaticidade dos pênaltis, sob um sol de rachar catedrais na terra dos anjos, Los Angeles. Durante os 90 minutos, Romário perdeu o gol mais feito desde a Arca de Noé. E na disputa de pênaltis, a bola chutada por ele bateu na trave e entrou. Ainda contamos com a sorte. E a sorte acompanha os grandes campeões. O talento do Romário e a sorte. Sem sorte não se chupa nem um chicabon.
João Sem Medo: – A sorte foi ter Romário e Bebeto na frente decidindo tudo. Jogamos defensivamente, com medo, mas os adversários também não ofereceram grandes ameaças. A Itália, mesmo extenuada, foi a que mais atacou. Mas com um pouco mais de coragem do Parreira, o Brasil poderia ter vencido com certa tranquilidade antes dos pênaltis.
Sobrenatural de Almeida: – Vocês viram como fiz a bola do Baggio voar para as nuvens? Ela ficou levinha, levinha.
O povo do bar ri.
Garçom: – Eu vibrei como nunca. Naquele dia nem trabalhei, fiquei de cliente e enchi o pote da tarde de domingo até a manhã de segunda. Só acordei na terça-feira.
Todos riem.
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Um gol desse não se perde!
MEIO SÉCULO DE UMA PAIXÃO CHAMADA FUTEBOL
por Mário Moreira
Não sei se a maioria dos fãs de futebol tem uma lembrança precisa de quando se apaixonou
por esse esporte tão extraordinário. Pois eu, modéstia à parte, tenho. No último dia 13 de
junho, completei 50 anos de futebol.
Contava eu sete anos e meio quando, no Dia de Santo Antônio, Brasil e Iugoslávia fizeram o
jogo de abertura da Copa do Mundo de 74, na então Alemanha Ocidental. Até aquela data,
embora já me reconhecesse desde pequeno como torcedor do Fluminense, eu não dava
muita bola para futebol e, nos momentos de lazer, me ocupava com outras brincadeiras com
os três irmãos. Minha relação com o esporte se limitava a jogar com eles no playground do
prédio. Mesmo no dia do tal Brasil x Iugoslávia, nem sequer vi a cerimônia de abertura, que
consistia em apresentações folclóricas dos 16 países participantes do Mundial. Não me
interessei. Mas quando a bola rolou…
Meus irmãos foram assistir àquele chocho 0 x 0 na casa da minha avó paterna, a única
pessoa da família que tinha TV em cores. A partir do segundo jogo da seleção, contra a
Escócia, cheio de entusiasmo, migrei com meus pais para lá, onde acompanhávamos a Copa
com meus irmãos, tios e primos – e com minha avó, que, além de extremamente carinhosa
com os netos, tinha a imensa qualidade de também ser tricolor.
O fato é que acompanhar a Copa de 74 mudou a minha vida, e para muito melhor. Foi ali
que comecei a apreciar futebol de verdade e a admirar grandes jogadores, como Marinho
Chagas – então no Botafogo, o que me fazia me morder de inveja dos alvinegros -, os
alemães Maier, Breitner e Beckenbauer e, acima de todos, Rivelino, que, para meu deleite,
oito meses depois estreava com a camisa do Fluminense.
O curioso é que, fora os sete jogos do Brasil naquele Mundial, me lembro de ter assistido a
somente quatro: Alemanha Oriental 1 x 0 Alemanha Ocidental, Argentina 4 x 1 Haiti, o
eletrizante Alemanha Ocidental 4 x 2 Suécia e a finalíssima, Alemanha Ocidental 2 x 1
Holanda. Devo ter visto trechos de outras partidas também. Mas na memória, só essas. E
não guardo especial lembrança do decantado Carrossel Holandês, batido na final pelos
alemães.
A partir daquela Copa, o radinho de pilha – um Sharp com uma capinha de couro azul claro – passou a ser meu companheiro inseparável, já que na época a televisão não transmitia as
partidas. Eu ouvia todos os jogos de todos os times, sempre pela Rádio Globo, na narração
de Waldir Amaral, Jorge Cúri, José Carlos Araújo, Édson Mauro, Antônio Porto e Sérgio
Moraes e nos comentários de João Saldanha, Mário Vianna, Luiz Mendes, Alberto
Rodrigues e Affonso Soares. E os domingos não podiam terminar sem a mesa-redonda da
TVE, com apresentação de Luiz Orlando e participação de Sérgio Noronha, José Inácio
Werneck, do onipresente Luiz Mendes e do meu ídolo Achilles Chirol, o equilíbrio em
forma de comentarista.
A fissura por futebol só fez crescer com o tempo, com tantas e tamanhas implicações
pessoais e profissionais que não caberiam num artigo como este. Basta dizer que, vinte anos
depois do Mundial de 74, já então jornalista, saí da casa dos meus pais e me mudei para São
Paulo, para trabalhar como repórter esportivo da Folha de S.Paulo.
A vida me conduziu depois por outros caminhos profissionais e pessoais, mas mantenho até
hoje com o futebol essa relação tão especial que, embora difícil de explicar, você, leitor do
Museu da Pelada, certamente entende. Treze Copas do Mundo, dezenas de craques e
milhares de jogos após aquele 13 de junho, ver futebol em família pela TV e ir aos jogos
com meus amigos, ou mesmo sozinho – se bem que nunca se está sozinho na arquibancada
de um estádio –, permanecem entre os meus programas favoritos. Lamento apenas não ter
estado no Maracanã no dia 4 de novembro de 2023 para assistir in loco à sonhada conquista
da Libertadores, frustração que vou levar para o túmulo, junto com todas as outras.
O grande Alfredo Di Stéfano mandou erguer, no jardim de sua casa em Madri, uma estátua
de uma bola de futebol, com a inscrição “Gracias, vieja!”. Tivesse eu um jardim, bem que
poderia fazer o mesmo.
O SHOW NÃO PODE ACABAR
por Zé Roberto Padilha
Todos nós, apaixonados pelo futebol, sabemos de onde bebemos o gole inicial dessa deliciosa paixão. Diferente dos suíços, que cultuam seus chocolates, dos ingleses que chegam no horário porque o Big Ben é um símbolo nacional, adotamos o futebol porque as maiores craques nasceram por aqui.
E nos encantaram. E nos tornaram órfãos e seguidores de suas genialidades.
Quantos se tornaram santistas por causa de Pelé? Quantos se tornaram Botafogo por causa de Mané Garrincha?
E de uma outra safra pós-Zico, Rivellino, PC e Sócrates, vieram os Ronaldos, Rivaldo e Romário. Até o surgimento de Neymar, o último a honrar o berço do futebol-arte.
De uns tempos pra cá, cheios de estrangeiros a vestir sua camisa 10 em detrimento dos nossos que são vendidos cedo, recorremos a colombianos e uruguaios para dar um brilho nas jogadas. Exportamos promessas e importamos suas sobras.
O resultado? Espetáculos mais pobres e nossos filhos e netos chegando em casa com a camisa do Real Madrid. E quando um time de futebol leva a campo uma nova roupagem, uma inovação tática arriscada e admirada, logo se livram dela. Por causa de resultados.
Hoje, o Fluminense volta a campo. E com ele o 4-5-1. Trivial e retranqueiro, o novo diretor do espetáculo vai subir ao palco fechadinho em busca de resultados para não cair.
Juntos, cairá a audiência, o nível do espetáculo, e cada vez mais Manos Menezes vão puxar o freio de mão de um paixão genuinamente nacional que se esvai.