A MERCEDES
por Zé Roberto Padilha
Estava entregue ao Departamento Médico da minha empresa e toda as manhãs e tardes ia até a sua sede realizar fisioterapia. Pouco importa como chegaria lá, de metrô, carro, ônibus ou a pé, importava era não faltar ao tratamento.
Só que trabalhava no Clube de Regatas do Flamengo e, na ocasião, era um ponta esquerda que chegara como solução para a posição. Mais do que isso, fora trocado por um ídolo da casa, Doval, que fora defender o rival. O Fluminense.
A equipe não ia bem, Doval se destacava no Flu e meu tornozelo não ficava bom. E a imprensa cobrando nosso retorno e a torcida insatisfeita com a demora.
Como morava ao lado do campo, na Selva de Pedra, no Leblon, tinha dificuldades em ir andando. Como estava sem carro, pedi o da minha irmã, uma Mercedes azul conversível, para ir até a Gávea.
– Pelo amor de Deus, vá com cuidado!
O carro, lindo, uma relíquia, era para ter mais do que cuidados.
Quando cheguei ao clube, quem estava chegando para fazer a reportagem e deparou comigo no estacionamento? Oldemário Touguinhó, que tinha uma prestigiada coluna de esportes no JB. Foi muito azar!
Dia seguinte as coisas pioraram para o meu lado enquanto procurava melhoras para o meu tornozelo. A manchete dizia: “Se você está esperando, torcedor rubro-negro, pela volta do seu ponta esquerda, esquece! O homem está desfilando com uma Mercedes!”
Em 1976, Zico, com 22 anos e o craque do time, tinha um Chevete. Seis meses depois, não resistindo tanto às cobranças como a jogar com botinhas de esparadrapos, fui vendido ao Santa Cruz.
Fui de avião, a Mercedes ficou e o Lico veio ocupar o meu lugar. Meu drama “Uma vez Flamengo, nunca mais no Flamengo!”, quem sabe um dia mereça um documentário da Netflix.
CRAQUE VESTE A 10
por Elso Venâncio
O futebol mundial valorizou o número usado por Pelé na Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Então um garoto de 17 anos, foi o Rei do Futebol quem deu o status à camisa 10.
Em 1993, Romário chegou ao Barcelona e, com a marra de sempre, ao receber de Johan Cruijff a camisa com o número usado por Pelé no Santos e na Seleção Brasileira, disparou: “Só jogo com a 11”. O técnico holandês rebateu: “No meu time, craque joga com a 10”. Assim, Romário se rendeu.
Atualmente, os treinadores estão matando os atletas que jogam na posição de um Pelé, Maradona, Cruijfj, Zico, Ronaldinho Gaúcho, Zidane, Messi, Tostão e tantos outros que criavam, lançavam e faziam gols. O meia ofensivo genial deixou de existir nos profissionais, embora resistam nas categorias de base.
Estevão, do Palmeiras, tem 17 anos. Eleito a revelação, o melhor atacante e craque do Brasileirão 2024, já está negociado com o Chelsea, que pagou 61,5 milhões de euros para ter o jogador após o Mundial de Clubes da FIFA de 2025. Há um ano, Palmeiras e São Paulo decidiam o Campeonato Brasileiro sub-17, na Arena Barueri. Jogando no meio e com a camisa 10, Estevão fez três gols na vitória por 3 a 0, levando o alviverde ao bicampeonato. Festejado por todos, recebeu o apelido de Messinho e subiu para os profissionais, sendo curiosamente colocado por Abel Ferreira na ponta direita. João Paulo Sampaio, coordenador da base do Palmeiras, tem suas convicções:
— Proibimos o craque de deixar o meio e ir para o lado. Temos que formar o 10 e não buscar um argentino como o Botafogo fez com Almada ou o Flamengo com o uruguaio Arrascaeta.
O português José Boto, que vai comandar o futebol do Flamengo, quer contratar Sampaio, o “descobridor das joias”. Boto chega para se reunir com Sampaio após o Natal, mesmo diante da negativa inicial por parte deste. Levando um contrato e com grana na mesa, a história pode ser diferente.
No Atlético/MG, Gustavo Scarpa sempre é deslocado para a direita. Rafinha, do Barcelona, que saiu da ponta para se destacar no meio, considera a revelação Lamine Yamal o novo Neymar. O técnico alemão Hansi Flick insiste em escalar Yamal na ponta direita, às vezes na ponta esquerda.
Em 1970, Zagallo deu o exemplo correto na conquista do tricampeonato mundial do Brasil, no México, unindo vários camisas 10. Luis de la Fuente foi quem levou a Espanha ao título da Eurocopa deste ano. Ele adiantou que Lamine Yamal, de 17 anos, será o camisa 10 espanhol — tudo indica que assumindo a responsabilidade pela criação em campo de La Furia Roja.
O IMPERADOR MERECIA BEM MAIS
por Zé Roberto Padilha
Adriano, o Imperador, que como Falcão, o Rei de Roma, encantou os torcedores italianos, foi criado nas divisões de base do Flamengo. Mesmo no auge, titular da seleção brasileira, jamais abandonou a sua comunidade.
A favela foi seu berço e sua generosidade jamais permitiu que a deixasse. Dava uma folga e lá estava ele fazendo um churrasquinho e tomando cerveja com seus amigos.
Fato raríssimo diante do sucesso que levam os Gabigol da vida, criado nas divisões de base do Santos, a se fecharem em condomínios de luxo para se protegerem da “mordida”. Daquele amigo que ralou junto mas não teve o mesmo talento para embarcar no Galeão.
Ontem, diante de 28.871 torcedores, Adriano se despediu do futebol. Uma semana antes, Gabigol, levou ao Maracanã 67.113 rubro-negros para assistir sua despedida. O dobro e mais um pouquinho.
Adriano não tem influencer nem a equipe de marketing que o Gabigol tem. Ele tem apenas um coração que não cabe dentro daquela camisa. Para levar uma multidão aos estádios, ser eleito não basta. É preciso mais de bolso do que o coração.
“A memória do torcedor é mais fraca apenas que a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói!”
(Futebol: a dor de uma paixão”, 3* edição, Zé Roberto Padilha)
A CABEÇADA MONUMENTAL DE ASSIS
por Paulo-Roberto Andel
Há exatos quarenta anos, a reprise de um gol emociona a todos os torcedores do Fluminense. É uma jogada muito conhecida, mas sua repetição só causa mais vontade de rever o lance.
“O lance, típico de laboratório, teve sua execução perfeita. Renê deitou e rolou, tocou para Aldo, que penetrou nas costas de Adalberto e, da linha de fundo, cruzou sob medida para Assis, quase na pequena área, testar para o barbante sem chances para o goleiro Fillol, que não teve oportunidade nem mesmo de se mexer”, assim publicou o Jornal dos Sports no dia seguinte ao bicampeonato carioca conquistado pelo Fluminense em 1984 sobre o Flamengo, diante de mais de 150 mil torcedores pagantes e, segundo muito gente séria presente, pelo menos outros 30 mil não contabilizados. Logo, é o título tricolor mais visto in loco pelo público em pelo menos meio século.
A jogada foi de cinema. Assis parou no ar e, com seu tipo esguio, lembrou uma escultura nas muitas fotos desse gol. Um momento épico e único.
Importante dizer que, embora seja uma justa comemoração tricolor, os 40 anos do bicampeonato carioca tricolor apontam lembranças inesquecíveis: o velho Maracanã lotado e popular, dois timaços em campo, a repercussão nacional e no exterior, o maior clássico do futebol brasileiro em ação e, claro, um jogaço para a história. O Fluminense imperou no primeiro tempo e merecia sair vencendo, mas não conseguiu. Na segunda etapa o Flamengo reagiu, mas aí surgiram dois gigantes tricolores: Paulo Victor, que pegou até pensamento, e Assis, que não tinha brilhado, mas guardou tudo para o lance monumental que definiu o título.
A vitória tricolor tem um detalhe que demonstra bem a força da equipe naqueles tempos: na decisão, o Fluminense jogou sem quatro titulares importantíssimos. Imagine qualquer equipe desfalcada de Ricardo Gomes, Branco, Jandir e Deley? Mas o Flu mostrou força e dobrou o grande rival cheio de feras como Fillol, Leandro, Mozer, Andrade, Adílio, Tita e Bebeto. Só isso…
A cabeçada monumental garantiu a Assis sua eternidade tricolor e o apelido de Carrasco. Até então, nenhum outro jogador havia alijado o rival em dois títulos consecutivos, com gols solitários no Maracanã. Ok, em 1983 o Fla x Flu não foi o último jogo do campeonato, mas significou a eliminação rubro-negra no último lance da partida.
Há gols que resumem tudo. A maravilhosa cabeçada de Assis, com Fillol estático no gol, foi o nocaute da decisão de 1984. Quarenta anos depois, sua imagem remete a um Fluminense vitorioso, elegante, raçudo e vocacionado para as conquistas. Um time que se impôs ano após ano e que deu ao Fluminense uma geração de jovens apaixonados e felizes. São muitos e muitos nomes, mas agora posso falar de dois amigos: o querido Raul Sussekind, criança à época que viu tudo de perto e perseguiu o Fluminense para sempre, e Beto Meyer, então adolescente, depois o grande colonizador da internet tricolor, uma figura excepcional que infelizmente nos deixou neste sábado.
Eu era um garoto feliz e ria à toa: depois da desgraça que foi perder Edinho em 1982 e de uma longa crise, o Fluminense passou a dar as cartas no Rio de Janeiro, capital do futebol brasileiro.
Assis faleceu há alguns anos, mas continua com sua imagem tão vibrante e apaixonante quanto naqueles incríveis anos 1980. Como se falava naquele tempo, ele e Washington juntos, o famoso Casal 20, literalmente “tocavam o terror” e escreviam lindos capítulos da história do meu time. Contam com minha admiração eterna e lágrimas de saudade, feito agora. Afinal, recordar é viver.
@p.r.andel
CONVOCAÇÃO DO ALÉM
por Victor Kingma
Os amigos Zico e Zeca só pensavam em jogar bola. O fanatismo de ambos era tanto que tinham verdadeiro pavor da morte só porque achavam improvável que no céu tivesse campo de futebol.
Chegaram a fazer um pacto: quem morresse primeiro, voltaria à terra para avisar ao outro se na outra vida poderiam ou não bater uma bola.
E a fatalidade acabou levando Zeca, ainda novo. Pouco tempo após a sua morte, Zico, ainda muito transtornado com a perda do amigo, acorda de madrugada com um barulho na janela. Era Zeca, que viera cumprir o pacto feito em vida.
Após o susto inicial pela visita do além, Zico vai logo perguntando:
– E aí, amigão, no céu tem ou não futebol?
– Pois é, parceiro, tenho duas notícias pra te dar. Uma boa e outra ruim.
– Qual é a boa?
– Lá em cima tem futebol sim. Os gramados são verdadeiros tapetes e tem jogo quase todo dia.
– Oba! E qual a notícia ruim?
– Você está escalado para o clássico da semana que vem!!!