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CRAQUE VESTE A 10

por Elso Venâncio

O futebol mundial valorizou o número usado por Pelé na Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Então um garoto de 17 anos, foi o Rei do Futebol quem deu o status à camisa 10.

Em 1993, Romário chegou ao Barcelona e, com a marra de sempre, ao receber de Johan Cruijff a camisa com o número usado por Pelé no Santos e na Seleção Brasileira, disparou: “Só jogo com a 11”. O técnico holandês rebateu: “No meu time, craque joga com a 10”. Assim, Romário se rendeu.

Atualmente, os treinadores estão matando os atletas que jogam na posição de um Pelé, Maradona, Cruijfj, Zico, Ronaldinho Gaúcho, Zidane, Messi, Tostão e tantos outros que criavam, lançavam e faziam gols. O meia ofensivo genial deixou de existir nos profissionais, embora resistam nas categorias de base.

Estevão, do Palmeiras, tem 17 anos. Eleito a revelação, o melhor atacante e craque do Brasileirão 2024, já está negociado com o Chelsea, que pagou 61,5 milhões de euros para ter o jogador após o Mundial de Clubes da FIFA de 2025. Há um ano, Palmeiras e São Paulo decidiam o Campeonato Brasileiro sub-17, na Arena Barueri. Jogando no meio e com a camisa 10, Estevão fez três gols na vitória por 3 a 0, levando o alviverde ao bicampeonato. Festejado por todos, recebeu o apelido de Messinho e subiu para os profissionais, sendo curiosamente colocado por Abel Ferreira na ponta direita. João Paulo Sampaio, coordenador da base do Palmeiras, tem suas convicções:

— Proibimos o craque de deixar o meio e ir para o lado. Temos que formar o 10 e não buscar um argentino como o Botafogo fez com Almada ou o Flamengo com o uruguaio Arrascaeta.

O português José Boto, que vai comandar o futebol do Flamengo, quer contratar Sampaio, o “descobridor das joias”. Boto chega para se reunir com Sampaio após o Natal, mesmo diante da negativa inicial por parte deste. Levando um contrato e com grana na mesa, a história pode ser diferente.

No Atlético/MG, Gustavo Scarpa sempre é deslocado para a direita. Rafinha, do Barcelona, que saiu da ponta para se destacar no meio, considera a revelação Lamine Yamal o novo Neymar. O técnico alemão Hansi Flick insiste em escalar Yamal na ponta direita, às vezes na ponta esquerda.  

Em 1970, Zagallo deu o exemplo correto na conquista do tricampeonato mundial do Brasil, no México, unindo vários camisas 10. Luis de la Fuente foi quem levou a Espanha ao título da Eurocopa deste ano. Ele adiantou que Lamine Yamal, de 17 anos, será o camisa 10 espanhol — tudo indica que assumindo a responsabilidade pela criação em campo de La Furia Roja.

O IMPERADOR MERECIA BEM MAIS

por Zé Roberto Padilha

Adriano, o Imperador, que como Falcão, o Rei de Roma, encantou os torcedores italianos, foi criado nas divisões de base do Flamengo. Mesmo no auge, titular da seleção brasileira, jamais abandonou a sua comunidade.

A favela foi seu berço e sua generosidade jamais permitiu que a deixasse. Dava uma folga e lá estava ele fazendo um churrasquinho e tomando cerveja com seus amigos.

Fato raríssimo diante do sucesso que levam os Gabigol da vida, criado nas divisões de base do Santos, a se fecharem em condomínios de luxo para se protegerem da “mordida”. Daquele amigo que ralou junto mas não teve o mesmo talento para embarcar no Galeão.

Ontem, diante de 28.871 torcedores, Adriano se despediu do futebol. Uma semana antes, Gabigol, levou ao Maracanã 67.113 rubro-negros para assistir sua despedida. O dobro e mais um pouquinho.

Adriano não tem influencer nem a equipe de marketing que o Gabigol tem. Ele tem apenas um coração que não cabe dentro daquela camisa. Para levar uma multidão aos estádios, ser eleito não basta. É preciso mais de bolso do que o coração.

“A memória do torcedor é mais fraca apenas que a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói!”
(Futebol: a dor de uma paixão”, 3* edição, Zé Roberto Padilha)

A CABEÇADA MONUMENTAL DE ASSIS

por Paulo-Roberto Andel

Há exatos quarenta anos, a reprise de um gol emociona a todos os torcedores do Fluminense. É uma jogada muito conhecida, mas sua repetição só causa mais vontade de rever o lance.

“O lance, típico de laboratório, teve sua execução perfeita. Renê deitou e rolou, tocou para Aldo, que penetrou nas costas de Adalberto e, da linha de fundo, cruzou sob medida para Assis, quase na pequena área, testar para o barbante sem chances para o goleiro Fillol, que não teve oportunidade nem mesmo de se mexer”, assim publicou o Jornal dos Sports no dia seguinte ao bicampeonato carioca conquistado pelo Fluminense em 1984 sobre o Flamengo, diante de mais de 150 mil torcedores pagantes e, segundo muito gente séria presente, pelo menos outros 30 mil não contabilizados. Logo, é o título tricolor mais visto in loco pelo público em pelo menos meio século.

A jogada foi de cinema. Assis parou no ar e, com seu tipo esguio, lembrou uma escultura nas muitas fotos desse gol. Um momento épico e único.

Importante dizer que, embora seja uma justa comemoração tricolor, os 40 anos do bicampeonato carioca tricolor apontam lembranças inesquecíveis: o velho Maracanã lotado e popular, dois timaços em campo, a repercussão nacional e no exterior, o maior clássico do futebol brasileiro em ação e, claro, um jogaço para a história. O Fluminense imperou no primeiro tempo e merecia sair vencendo, mas não conseguiu. Na segunda etapa o Flamengo reagiu, mas aí surgiram dois gigantes tricolores: Paulo Victor, que pegou até pensamento, e Assis, que não tinha brilhado, mas guardou tudo para o lance monumental que definiu o título.

A vitória tricolor tem um detalhe que demonstra bem a força da equipe naqueles tempos: na decisão, o Fluminense jogou sem quatro titulares importantíssimos. Imagine qualquer equipe desfalcada de Ricardo Gomes, Branco, Jandir e Deley? Mas o Flu mostrou força e dobrou o grande rival cheio de feras como Fillol, Leandro, Mozer, Andrade, Adílio, Tita e Bebeto. Só isso…

A cabeçada monumental garantiu a Assis sua eternidade tricolor e o apelido de Carrasco. Até então, nenhum outro jogador havia alijado o rival em dois títulos consecutivos, com gols solitários no Maracanã. Ok, em 1983 o Fla x Flu não foi o último jogo do campeonato, mas significou a eliminação rubro-negra no último lance da partida.

Há gols que resumem tudo. A maravilhosa cabeçada de Assis, com Fillol estático no gol, foi o nocaute da decisão de 1984. Quarenta anos depois, sua imagem remete a um Fluminense vitorioso, elegante, raçudo e vocacionado para as conquistas. Um time que se impôs ano após ano e que deu ao Fluminense uma geração de jovens apaixonados e felizes. São muitos e muitos nomes, mas agora posso falar de dois amigos: o querido Raul Sussekind, criança à época que viu tudo de perto e perseguiu o Fluminense para sempre, e Beto Meyer, então adolescente, depois o grande colonizador da internet tricolor, uma figura excepcional que infelizmente nos deixou neste sábado.

Eu era um garoto feliz e ria à toa: depois da desgraça que foi perder Edinho em 1982 e de uma longa crise, o Fluminense passou a dar as cartas no Rio de Janeiro, capital do futebol brasileiro.

Assis faleceu há alguns anos, mas continua com sua imagem tão vibrante e apaixonante quanto naqueles incríveis anos 1980. Como se falava naquele tempo, ele e Washington juntos, o famoso Casal 20, literalmente “tocavam o terror” e escreviam lindos capítulos da história do meu time. Contam com minha admiração eterna e lágrimas de saudade, feito agora. Afinal, recordar é viver.

@p.r.andel

CONVOCAÇÃO DO ALÉM

por Victor Kingma

Charge de Eklipse Ximenes.

Os amigos Zico e Zeca só pensavam em jogar bola. O fanatismo de ambos era tanto que tinham verdadeiro pavor da morte só porque achavam improvável que no céu tivesse campo de futebol.

Chegaram a fazer um pacto: quem morresse primeiro, voltaria à terra para avisar ao outro se na outra vida poderiam ou não bater uma bola.

E a fatalidade acabou levando Zeca, ainda novo. Pouco tempo após a sua morte, Zico, ainda muito transtornado com a perda do amigo, acorda de madrugada com um barulho na janela. Era Zeca, que viera cumprir o pacto feito em vida.

Após o susto inicial pela visita do além, Zico vai logo perguntando:

– E aí, amigão, no céu tem ou não futebol?

– Pois é, parceiro, tenho duas notícias pra te dar. Uma boa e outra ruim.

– Qual é a boa?

– Lá em cima tem futebol sim. Os gramados são verdadeiros tapetes e tem jogo quase todo dia.

– Oba! E qual a notícia ruim?

– Você está escalado para o clássico da semana que vem!!!

CAMISAS DE PESO

Colecionador tem quase 300 peças de jogadores de grandes times dos anos 70 aos 90

Enzo Krieger

O colecionador e empresário Luis Augusto Quedinho tem quase 300 camisas de futebol originais dos anos 1977 a 1992. Há peças que foram usadas em campo por craques como Zico, Toninho Cerezo, Roberto Dinamite e Rubens Galaxe. A coleção traz a nostalgia daquele período. O compilado representa uma paixão pelo esporte, além de ser um hobby que relembra a época de ouro da bola e torna a casa dele um museu. O primeiro uniforme que Quedinho ganhou foi um presente do pai – uma blusa branca do Flamengo (versão de torcedor) – quando tinha 12 anos de idade, em 1980. Torcedor do rubro-negro carioca, ele se abstém do clubismo e busca ter uma variedade de equipamentos de jogo, até dos rivais. 

O acervo atual contém peças de 73  times, por exemplo Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, América-RJ, Bangu, Volta Redonda, Olaria, Americano, Serrano, São Cristóvão, Portuguesa-RJ, Coritiba, Grêmio, Internacional, Sport, Remo, Guarani, Goiás, Palmeiras, Santos, São Paulo, América-MG, Atlético-MG, Cruzeiro, Ceará, Criciúma, Bahia, Vitória e mais. Ele troca e compra camisas, sempre com o objetivo de aumentar o número de cabides nas araras e memórias no coração.

A coleção tem uniformes da seleção brasileira da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e de seleções estaduais que disputavam amistosos e representavam as federações de futebol locais: Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), Federação Paulista de Futebol (FPF) e Federação Gaúcha de Futebol (FGF). A galeria também inclui trajes de equipes que não existem mais, tais quais ADN Niterói, Pinheiro, Colorado e Matsubara, de times amadores e de outros esportes, como Sumov (futsal) e Copacabana FC (futebol de areia).

Para ele, a camisa mais especial é o uniforme branco usado em jogo por Zico – o maior ídolo do Flamengo – em 1981, ano em que o time conquistou Libertadores e Mundial de Clubes. Esse é o mesmo modelo que ele ganhou de presente do pai quando era criança. “Eu fiquei maluco assim que consegui. Quando eu olho para ela, me lembro do Maracanã, do Zico subindo para o gramado, saindo do vestiário, aquele Flamengo, aquelas camisas da Adidas. Não tem como esquecer isso”, lembra.

Outra peça importante para Quedinho é uma que a seleção brasileira vestiu na Copa América de 1979. A amarelinha está autografada por boa parte dos talentos da época, como Toninho Cerezo, Rivelino, Émerson Leão, Roberto Dinamite, Nelinho, Waldir Peres, Zé Sérgio, Zico, Amaral, Dirceu e Reinaldo; um timaço. “Eu comprei de um colecionador. É uma bem difícil de achar, porque a Adidas teve algumas variações em alguns detalhes, quem coleciona sabe. Eu tenho o prazer de ter essa camisa autografada com os ídolos da época na minha coleção. É a história do futebol brasileiro nas minhas mãos”, exalta.

O hobby se iniciou despretensiosamente no fim da década de 90, uma época ainda sem as facilidades do mundo digital, quando começou a trabalhar e ter a própria renda. “Eu comecei a comprar peças, a buscar em brechós e, na época, em jornais. Não existia internet naquele tempo. Comprei uma camisa do Guarani, uma do Vasco, e o acervo começou a crescer”, diz.

O arquivo tem um elemento comum: tudo é da Adidas, marca alemã que conheceu aos 10 anos, na Copa de 1978, competição na qual o Brasil, ainda na era CBD, usava um traje amarelo com três listras verdes. “Minha preferência por camisas da Adidas é por causa do capricho e da qualidade da marca”.

Uma delas, a tradicional vermelha e preta do Flamengo da década de 80, é chamada carinhosamente de furadinha, por conta do material, não do estado, revela Quedinho, que restringiu a busca dele até 1992 porque a impressão das estampas mudou de padrão. A partir de 1993, as blusas passaram a ser confeccionadas com a técnica de impressão digital chamada sublimação. “São camisas xerocadas, lisas. Por isso me desinteressei”, explica.

As relíquias são mantidas do jeito que chegaram, principalmente para preservar a numeração em veludo. Muitas camisas estão do jeito que os jogadores tiraram após as partidas. Cada um dos quase 300 itens fica guardado em sacos plásticos em um quarto da casa do empresário, no Méier, Zona Norte do Rio – um paraíso do mundo da bola. “A minha casa é como se fosse um museu. Quando eu olho esse tipo de camisa agora, eu volto a ser criança e me lembro do Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo no antigo Maracanã. Não tem como esquecer”.

Quedinho nunca entrou em campo profissionalmente, mas sempre atuou no ramo esportivo: teve uma empresa de mesas de jogos de salão e antecipa que em breve abrirá uma companhia de eventos. 

Ele afirma que não vai parar de colecionar. O armário de um colecionador é que nem coração de mãe; sempre tem espaço para mais um. “Nós damos um jeitinho. Esse é o meu brinquedo, o brinquedo de adulto. Se não for entrar mais uma camisa, como fica o hobby? Tem que manter, porque essa é a graça”, observa o empresário, que tem uma página nas redes dedicada à coleção.

Com essa brincadeira, Quedinho cultiva a memória do futebol brasileiro – e chegou a ser convidado a expor o tesouro no Maracanã, em 2022, na exposição Memórias da Bola FC. Também participa de eventos esportivos e encontros com ex-jogadores, nos quais lhes mostra os uniformes que usavam. Alguns se comovem e agradecem a ele por manter a história do jogo viva. “Eu estive com o goleiro Paulo Sergio, do América, e levei a camisa verde da Ceop, que não tinha o escudo do clube. Há pouco tempo, estive com o Rubens Galaxe, que se emocionou muito quando viu a camisa 4. Já me encontrei com o Zinho, com Arthurzinho e Ado, do Bangu. Os olhos deles brilham, porque viveram aquilo”, descreve.

A história da camisa de goleiro do América é inusitada: Paulo Sergio a adquiriu numa turnê internacional e trouxe para o Brasil porque gostava de verde. Ele jogou com ela na final do Campeonato Carioca de 1985, uma derrota do Mecão por 1-0 para o Fluminense, que ficou com o título. 

“Encontrei com o Quedinho no Leblon, quando fui homenageado pelo Museu da Pelada. Ele mostrou a camisa que eu usei no América em 1985. Não era camisa do clube, eu comprei essa camisa numa excursão na Malásia, pedi para botar o patrocinador e jogava. Eu sempre fiz isso. E essa nem era de goleiro, era uma de manga comprida de um time lá de fora, só que eu comprei esse número, sem nada”, conta Paulo Sergio.

Galaxe, o sexto jogador que mais atuou pelo Fluminense (462 partidas), destaca que lembrar daqueles tempos ao ver as blusas é tocante. O próprio atleta guarda alguns uniformes que vestiu, mas fica orgulhoso ao ver que colecionadores e torcedores carregam um pedaço da vida dele. “Eu me sinto emocionado porque eu me lembro da época. É uma camisa que, para muita gente, não significa nada, é um pano, mas para mim, é a que eu vesti, tem um valor imenso. Fica na memória, guardado com muito carinho e com muita saudade. Eu fico um pouco emocionado, mas mantenho a linha”.

Com a coletânea, Quedinho poderia escalar aproximadamente 27 times em campo: elencos de peso e grandes feras da bola. As vivências de jogadores e clubes de futebol estão em boas mãos; uma coleção digna de gol de placa.