OS CAMINHOS QUE ESSA VIDA DÁ
por Zé Roberto Padilha
Em 1992, depois de trabalhar nas divisões de base do Fluminense, em Xerém, desde 1987, entregamos aos profissionais uma safra que continha quatro raridades: os últimos pontas ofensivos da gloriosa histórica tricolor.
Depois de Wilton e Cafuringa de um lado, Lula, Gilson Nunes e Escurinho de outro, formamos Wallace e Vlamir, pela esquerda, e Paulo Alexandre e Neném, pela direita.
Infelizmente não havia seriedade na diretoria tricolor. Mário Bittencourt se orgulharia e certamente acolheria estes meninos. Mas o Fluminense andava ruim das pernas, e permitiu que um diretor empresário pagasse uma folha atrasada.
Algo inédito e lamentável. E ele preferiu receber em troca os passes de jogadores. E tratou de descartar as pratas da casa. Uma geração fez a glória do Bragantino e a nossa encontrou abrigo aqui em Três Rios. Nos clubes, dirigi o América e Entrerriense.
Essa página só não ficou ainda mais manchada porque o Beach Soccer acolheu um dos nossos pontas. Neném, que se tornou (foto) o Rei da Praia.
Lembro bem que os torcedores tricolores chegavam mais cedo para assistir o show que eles davam. Os dribles em busca da linha de fundo. Uma pena que tinha gente com objetivos menos honrosos na diretoria.
E estes só alcançavam o fundo do poço.
UMA OUTRA FORMA DE ORGASMO
por Zé Roberto Padilha
Em 90 minutos, vinte homens bem preparados saem correndo por um extenso gramado atrás de uma personagem feminina. A bola.
E dois que faltando um minuto vão em desespero, em um corner na área adversária, para tentar um cabeceio.
Mas são poucos os que conseguem o sublime prazer de colocá-la no fundo das redes.
Cada vez mais leves, macias e sedutoras, é ela quem escolhe seus parceiros. Em 2023, foi um argentino. Se desentenderam, ele entrou pelo Cano, e ela foi procurar o Pedro.
A bola é mesmo assim. Sempre tratou bem quem lhe chamou de você, e retribuiu concedendo-lhes assistências. Mas para ir junto para o fundo da meta, deitar nas suas malhas, sempre preferiu os brutos que também amam. E permanecem no ar à sua espera. Como Dadá Maravilha.
Bem, essa foto é de um raro momento em que ela deu bola pra mim. Desacostumado, saí correndo em estado de completa euforia. O gol, acreditem, não é apenas o grande momento do futebol.
O gol, no país que mais cultua futebol, é um instante de absoluto prazer.
AGORA A NOITE NO MARACANÃ ACABOU
por Paulo-Roberto Andel
Quarta, sete da manhã. Dois terços de agosto.
A cidade não pára. Vista do alto, os milhares de veículos formam uma admirável corrente sanguínea de aço, deslizando pelas veias e artérias de asfalto.
A dor existe. A violência e a morte aterrorizam os corações. A miséria também.
Contudo, coube ao Fluminense tornar a manhã menos cinza – logo o Flu, que um dia nasceu cinza e depois virou colorido de se apaixonar. Por causa do Tricolor, centenas de milhares de pessoas estão encarando suas duras batalhas pessoais com um sorriso. Enfrentando trens lotados, engarrafamentos e precarização de toda sorte. Gente rindo e brincando numa cidade tão sofrida.
Foi uma vitória admirável. O Flu, que vem de um ano tão difícil, fez seu melhor primeiro tempo em 2024 e poderia ter liquidado a fatura nos 90 minutos, mas o roteiro estava preparado para mais emoções. Veio a batalha alucinante dos pênaltis, com personagens multifacetados.
Ganso, que quase fez um gol de placa no jogo, perdeu o primeiro pênalti. Fábio, que falhou nos 90 minutos, foi monstruoso na disputa e quase defendeu três cobranças – a mais bonita acabou passando, uma pena. Mas no fim, a massa tricolor explodiu de alegria no Maracanã e por todo Brasil. Ganhamos o gigante Grêmio, tricampeão da Libertadores, com Renato Gaúcho, um nome eternamente vinculado à nossa história tanto do nosso lado quanto adversário.
Ah, o Fluminense. Vive um 2024 sofrível, o clube deve os tubos, sua gestão é uma tragédia e vive uma luta gigantesca no campeonato brasileiro. Mas ontem, só por ontem, o Flu viveu uma de suas noites inesquecíveis, que nos remetem à verdadeira grandeza da instituição de 122 anos. Ontem, revivemos o nosso verdadeiro tamanho.
Agora a noite no Maracanã acabou. É um novo dia. Em meio ao gris da manhã, ainda sentimos no peito os resquícios da felicidade de ontem, mas é hora de desligar da Libertadores e se concentrar no foco principal: a disputa no Campeonato Brasileiro. Certamente ganhamos mais força para a batalha, que todos saibamos lidar com a situação. Bem cabem os versos de nosso ídolo pop tricolor Lulu Santos: “então desmonta logo essa máscara/ voltamos à estava zero/ fica tudo igual/ normal”. Depois a gente pensa no Galo.
Daqui a pouco, na hora do recreio, os garotinhos vão rir a valer na escola, zoando tudo e gritando “Nenseeeeeeeeee!”
@p.r.andel
FUTEBOL É COISA DE DEUS
por Zé Roberto Padilha
Partida de futebol jogada segunda-feira é uma delicia. Ao contrário das realizadas no domingo, ela é única, não é interrompida por “olha a bolinha aí”, e surge na tela como um licor 43 para ser cultuada ao fim de um rodizio. Que no futebol tem nome de rodada.
Quem a subestimou, perdeu ao vivo, no ato da sua criação, uma obra de arte. Daquelas só concedidas ao futebol.
Bola lançada para dentro da grande área do Cruzeiro para Alerrandro, centroavante do Vitória. Perto do fim do primeiro tempo. Dividida entre ele e o zagueiro do Cruzeiro, ela toca no adversário e faz um círculo sobre sua cabeça.
Nenhuma Inteligência Artificial saberia dar rumos a uma bola que tomava, em segundos, uma trajetória inesperada. Cássio, goleiro do Cruzeiro, que também foi buscá-la, ficou pelo meio do caminho.
Alerrandro, então, se jogou no ar, de costas para o gol, e nesse milésimo de segundo calculou a força com que deveria tocar na bola e a direção que tomaria para alcançar o gol encobrindo o goleiro.
Bicicleta, no futebol, tem um pouco de capoeira, um salto nas alturas de Simone Biles, uma captura em um ponto milímetro pela comandante Lewis de um Mark Damon que ela deixara Perdido em Marte.
Confesso a vocês que foi a primeira vez que assisti, ao vivo, uma obra de arte que irá inundar, hoje, todas as as telinhas pelo mundo. E certamente trazer para o Brasil um outro Prêmio Puskas.
Não subestime o futebol. Mesmo em uma segunda-feira, ele é uma sublime coisa de Deus.
O SHOW DO CAMISA 7
por Elso Venâncio
O atacante Luiz Henrique do Botafogo, é o destaque do futebol brasileiro. Um “garoto grande, jogando bola no meio de crianças”. Destruiu a defesa do Flamengo no clássico de domingo (18), e a goleada poderia ter sido maior.
É impressionante a velocidade de Luiz Henrique cortando para o meio ou buscando a linha de fundo, com uma desenvoltura incomum para quem possui mais de 1,80m de altura. Dorival Júnior vai convocá-lo para as duas partidas da Seleção Brasileira em setembro: contra o Equador, dia 6, em Curitiba, e contra o Paraguai, dia 10, em Assunção, pelas Eliminatórias da Copa.
Para ter Luiz Henrique, o Botafogo pagou 20 milhões de euros (R$ 106,6 milhões) ao Real Betis, da Espanha, o que faz dele a maior contratação da história do nosso futebol. Chegou para atuar com a idolatrada camisa 7 alvinegra, a camisa da lenda Garrincha, equivalente à 10 para os outros clubes brasileiros. A mesma camisa 7 que foi de Jairzinho, o Furacão da Copa de 1970, no México; de Maurício, autor do gol contra o Flamengo em junho de 1989, acabando com o jejum de 21 anos sem conquistar o Campeonato Carioca; e de Túlio Maravilha, ídolo que fez o gol do título brasileiro de 1995, sobre o Santos, no Pacaembu. Garrincha está imortalizado na estátua “O drible do anjo”, na entrada da histórica sede de General Severiano, e com a gloriosa camisa 7 agora honrada pelo “Pantera”.
Há quase um ano, o treinador Fernando Diniz fez um pedido ao Fluminense, que tinha prioridade: contratar Luiz Henrique. Só ele, mais ninguém! O tricolor foi ao limite pelo jogador, que acabou acertando com o Botafogo, para felicidade da torcida alvinegra.
Nos anos 1950/1960, os torcedores tinham um sonho: ir ao Maracanã ver Garrincha jogar. Gerson, o Canhotinha de Ouro, demonstra incerteza ao ser perguntado sobre quem jogou mais: “Não sei… Pelé não foi melhor que o Mané”.
Outra camisa consagrada no Botafogo é a 6, de Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol. Nilton era amigo e compadre do “demônio das pernas tortas”, apelido este dado a Garrincha por Waldir Amaral, locutor esportivo da Rádio Globo-RJ.
Voltando aos 4 a 1 sobre o Flamengo… O Botafogo foi dominante e jogou como líder. Não fez a óbvia alteração quando um time fica à frente do placar, tirando um atacante e colocando um meio-campo de marcação.
No Flamengo, o discurso do técnico Tite contra o calendário e com temor das contusões vem contagiando o time. Mais uma vez, vimos no domingo uma equipe que sofre com as lesões e desaparece fisicamente em campo no segundo tempo.
Virando a chave para a Libertadores, o Botafogo vai a São Paulo enfrentar o Palmeiras com a moral elevada, enquanto o Flamengo terá pela frente a altitude e o Bolívar, em La Paz.