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“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 72

por Eduardo Lamas Neiva

A música de Marco Pereira foi providencial pra evitar que as discussões mais acaloradas ganhassem maiores proporções. Zé Ary manteve as disputas na área controladas pra conter os ânimos exaltados, o bate-rebate, e virou o jogo prum outro lado.

Garçom: – Eu não acredito nisso, mas aquela história do Ronaldo, em 98, teve o dedo do patrocinador, como o povo andou dizendo?

Ceguinho Torcedor: – Zé Ary e amigos, somos, os brasileiros, uns Narcisos às avessas, que cospem na própria imagem. Para nós, o futebol não se traduz em termos técnicos e táticos, mas puramente emocionais. Ora, nada se compara ao ódio que, de momento, açula o torcedor sempre que o adversário põe um gol como um ovo.

João Sem Medo: – Haverá sempre uma conspiração na cabeça do torcedor derrotado, ainda mais daquela maneira como foi pra França.

Ceguinho Torcedor: – João, os lorpas, os pascácios poderão objetar que se trata de futebol, apenas o futebol. Não é só o futebol. É, sobretudo, o homem brasileiro.

Garçom: – Houve também quem dissesse que Ronaldo tremeu, amarelou.

João Sem Medo: – Isso é bobagem.

Ceguinho Torcedor: – Também não creio. Mas o jogador é, antes de tudo, um homem e que, nessa base, a condição humana está implicada em todos os seus defeitos e virtudes.

Sobrenatural de Almeida: – Posso jurar que não tive nada com aquilo. Juro pela minha mãe mortinha, até porque ela já está, há muitos e muitos séculos. Hahaha

O povo se acalma um pouco e até ri, mas logo João Sem Medo pôs de novo o dedo na ferida.

João Sem Medo: – Não sou médico, mas um jogador que tem uma convulsão na manhã da final de uma Copa do Mundo, não pode entrar em campo à noite.

Sobrenatural de Almeida: – Isso sim é assombroso!

Idiota da Objetividade: – Zagallo já se defendeu aqui dizendo que o médico garantiu que Ronaldo podia jogar.

João Sem Medo: – Todos viram, ele andou em campo. E o time todo, preocupado com ele, também. Quando Ronaldo deu uma corrida, teve um choque com Barthez, o goleiro da França, no primeiro tempo, que deixou todo mundo sobressaltado. A seleção só acordou no segundo tempo, mas já era tarde.

Garçom: – Alguns jogadores disseram que contariam tudo o que aconteceu lá, mas até hoje nada.

João Sem Medo: – Muita gente ficou com medo de abrir a boca pra não se prejudicar, pois seria muito prejudicado, sabe-se lá até que ponto, principalmente os jogadores. O Edmundo, que jogaria no lugar do Ronaldo aquela final, foi o que mais falou na época, anunciou que botaria a boca no mundo, mas depois achou melhor fazer boca de siri.

Ceguinho Torcedor: – A verdade é que aquela Copa seria a Copa do Ronaldo.

Idiota da Objetividade: – O que só ocorreria quatro anos mais tarde. A de 98 acabou sendo a Copa do Zidane.

Músico: – Desculpe me meter na conversa, mas naquela final com a França parecia que acabaria ali, naquele momento, um sonho daquele menino chamado Ronaldo. Mas, pra sorte nossa e de todos os torcedores brasileiros, com muito esforço dele, o sonho do penta seria realizado em 2002.

Nossos personagens e o público concorda com Angenor Rosa e alguns até aplaudem o breve discurso.

Garçom: Gente, aproveitando o gancho do Angenor, vamos botar pra tocar aqui uma música gravada pelo Evandro Mesquita, um samba-funk chamado justamente de “Sonho de menino”, para o CD “Rumo ao Penta”, lançado em 98. A composição é de Reinaldo Arias e Carlos Colla. Bóra dançar, meu povo!

Quase não houve quem ficasse sentado. Depois de muita dança e diversão, houve certa dispersão, logo interrompida pelo Idiota da Objetividade, que, como um raio, tomou a bola pra prosseguir o jogo na Copa de 98.

Idiota da Objetividade: – O Brasil estreou com vitória sobre a Escócia, por 2 a 1, depois derrotou com facilidade o Marrocos, por 3 a 0, e garantiu a classificação pras oitavas antecipadamente. Acabou sendo derrotada na última partida da primeira fase para a Noruega, por 2 a 1, de virada.

João Sem Medo: – Foi a primeira derrota na primeira fase da seleção brasileira desde a Copa de 66, quando fomos precocemente eliminados, perdendo duas partidas, pra Hungria e pra Portugal.

Idiota da Objetividade: – Verdade, João. Em 66 só ganhamos da Bulgária, na estreia, com gols de Pelé e Garrincha.

João Sem Medo: – Foi a última vez que atuaram juntos.

Idiota da Objetividade: – Exatamente. Bom, voltando a 98, nas oitavas o Brasil goleou o Chile por 4 a 0, passou pela Dinamarca, nas quartas, com uma difícil vitória de 3 a 2, e como já dissemos venceu nos pênaltis a Holanda na semifinal, após empate em 1 a 1 no tempo normal e a prorrogação sem gols. Na final, Zidane, que voltaria a brilhar oito anos depois contra a seleção brasileira, foi o dono da partida, com dois gols, e a França foi campeã pela primeira vez, com os 3 a 0 no placar. O último gol foi marcado por Petit.

Ceguinho Torcedor: – Não fizemos uma campanha brilhante na França, mas com o Fenômeno em forma na final teríamos conquistado o penta na terra de Napoleão Bonaparte, deixando os franceses de quatro e trazendo a Torre Eiffell como nossa taça, em definitivo.

O povo ri com vontade.

Garçom: – Infelizmente não foi assim, né, seu Ceguinho. Mas, se não conquistamos a taça em 98, ao menos tivemos outra música muito bonita para aquela Copa, composta e gravada pelo Gilberto Gil: “Balé da bola”. Vamos ouvir!

*Amigos, chega ao fim aqui a primeira temporada da série “Uma coisa jogada com música”, que durou quase um ano e meio. Vou dar uma parada em agosto e, se Deus quiser, na primeira sexta-feira de setembro a segunda temporada começará com o Capítulo 73, já bem adiantado por sinal. Agradeço muito, de coração, a todo mundo que vem curtindo este trabalho que faz parte do projeto Jogada de Música.

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

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Um gol desse não se perde!

ROMÁRIO, ESTETA DO GOL

por Rubens Lemos

Se alguém me acordasse de um sono profundo em meio a uma guerra e me pedisse uma pessoa para me salvar, não teria dúvidas em dizer: Romário. Se a Divisão Panzer alemã da Segunda Guerra Mundial me ameaçasse inteirinha, eu gritaria por Romário. Numa ilha, solitário, berraria por Romário para me livrar do destino e dos pesadelos.

A primeira Copa do Mundo que “ganhei” de corpo presente foi a de 1994 depois de ver a primeira, em 1978. Quando cenas fatalistas se transformam em imagens esparsas é porque estamos envelhecendo.

Pois se estivesse num abrigo, eu, 80 anos pediria por Romário para contar histórias do tetracampeonato dos Estados Unidos, que está completando três décadas este mês de julho.

Nunca gostei de Zagallo e sua mania de perseguição sobre Romário ampliou a antipatia. O Brasil começou a ganhar o quarto título do planeta em setembro de 1993, quando Parreira, aflito pela possibilidade de eliminação da fase classificatória, ouviu o Mundo e mandou chamar Romário em Barcelona.

Revejo diversas vezes aquele Brasil 2×0 Uruguai, que, senão tivesse Pelé ou Zico, eu diria que foi a maior exibição individual de um jogador diante de quase 200 mil pessoas entre a tensão e a catarse. O Uruguai foi um bom sparring, mas a bola, caprichosa, procurava seu amante.

Romário deu caneta, meia-lua, driblou três adversários e marcou os dois gols que deveriam ilustrar em VT gigante cada peleja no Maracanã dos ricos: seria para mostrar que o futebol acabou no Brasil e um dos motivos foi Romário ter deixado de pisar em campo. Com ele jogando, não tínhamos medo de nada e de ninguém.

Classificada, a seleção convocada foi a mais organizada de todos os tempos, mais até do que a de 1958, brilhante e sem discussões porque tinha Pelé, Garrincha e Didi.

Em 1990, o caricato Sebastião Lazaroni fez um time de compadres, perdeu o comando e nós fomos tragados pelas fintas de Maradona, ele próprio vítima de uma bola por entre as pernas no ano anterior, pelo camisa 11 de amarelo.

Me peçam e conto aqui como foi cada gol de Romário nos Estados Unidos. Na estreia, bateu rasteiro dentro da grande área uma bola vinda de escanteio e escolheu o pé de apoio do goleiro Dimitri Karin, que o havia desafiado dizendo não o conhecer. Quem não conhecia Romário foi vítima de sua fúria técnica.

No mesmo primeiro jogo contra os soviéticos, Romário foi derrubado e Raí, titubeando, bateu o pênalti do 2×0. Contra Camarões, Dunga meteu uma bola de curva, obra de Didi ou Zizinho e a bola caiu em pleno domínio de Romário que bateu na saída do goleiro. Contra a Suécia, ele apresentou ao mundo o toquinho no canto do goleiro Ravelli no empate em 1×1.

O jogo mais difícil do Brasil foi contra os Estados Unidos e Romário presenteou Bebeto com um passe de compasso. Bebetinho só tirou a bola do goleiro Meola. Contra a Holanda, há a batida esplêndida com o peito do pé abrindo o placar que Branco fechou com uma cobrança de falta perfeita. Romário, tão gênio, desviou a bunda da bola e ela entrou no cantinho.

Contra a Suécia, o suor tomou conta de todo brasileiro. Uma sequência de gols perdidos no primeiro tempo, Romário transformando zagueiros em peças caindo uma atrás da outra. Ravelli desejou pegar tudo e estava conseguindo.

A Suécia ameaçou ser a zebra até que no segundo tempo Jorginho, o terceiro maior lateral-direito do Brasil (só perde para Leandro e Carlos Alberto Torres) cruzou como se tivesse uma régua, na cabeça de Romário, que parecia saltar como acrobata das quatro linhas, marcando o gol da ida à final contra a Itália.

Romário perdeu um gol feito no segundo tempo e foi marcado em cima pelo monstro Baresi. Não treinou um pênalti sequer. Parreira olhou para ele. Romário bateu mal, a bola triscou na trave e entrou. O Brasil conquistou o tetracampeonato. Um ótimo time regido por ele, Romário, que também pode ser a melhor palavra a ser dita em vida.

SEM EVARISTO, SURGE PELÉ

por Elso Venâncio

Lenda viva do futebol brasileiro, Evaristo de Macedo reunia os jogadores antes do treino e relembrava histórias: “Pelé, só surgiu porque eu fui para o Barcelona. Vocês sabiam disso? Eu era o 10 da Seleção Brasileira. Só não joguei as Copas de 1958, na Suécia, e 1962, no Chile, porque quem estava no exterior não era convocado. Fui o único jogador a marcar cinco gols no mesmo jogo com a camisa amarela, além de ser o primeiro brasileiro ídolo no Barcelona e no Real Madrid. Não tem esse negócio de Romário, Ronaldo…”. 

Evaristo diz que nunca foi escravo de clube. O passe, por contrato, ficava com ele. “O Flamengo não me vendeu. Acertei com os espanhóis que me procuraram, e sete anos depois voltei a Gávea”.

Romário mantinha-se atento e dava gargalhadas, que podiam ser ouvidas a distância. A falta de qualidade e comprometimento, hoje, torna atual o tema da conversa do treinador na época em que dirigiu o Flamengo.

O sexto lugar que a Seleção Brasileira ocupa nas Eliminatórias sinaliza uma profunda crise técnica. No ranking da FIFA, a Argentina lidera, enquanto o Brasil é o quinto colocado.

Em toda convocação, mesmo com o entra e sai de técnicos, somos surpreendidos com nomes desconhecidos. Se tem a impressão de que, para ser convocado, a prioridade é de quem joga lá fora.

Por que a mudança de comportamento?

Há 30 anos, na Copa de 1994, no tetracampeonato mundial conquistado nos Estados Unidos, os batedores na decisão iam tensos, concentrados para as cobranças, conscientes da responsabilidade que tinham.

Muito antes, o bicampeão do mundo Didi inventou a paradinha no pênalti, imitada por Pelé e depois por Neymar. Fácil executar a paradinha? Didi explicava. “Não, tem que treinar! Falta também! Repetir, repetir…”.

Didi e Gérson conversavam em General Severiano. “Canhotinha, você tem que ensaiar lançamentos”, argumentava Didi, que colocava cadeiras em posições variadas, no suposto campo adversário, e alternava passes de longa distância com Gérson.

O craque Didi defendia a tese de que os convocados da Seleção tinham que atuar no Brasil, à exceção de nomes indiscutíveis, como hoje Neymar e Vini Jr. Você concorda com Didi ou os tempos são outros?

MINICOPA 1972: BRASIL E PORTUGAL NUMA NOVA BATALHA PELA INDEPENDÊNCIA

por Pedro Tomaz de Oliveira Neto

150 anos depois das batalhas que cortaram os laços coloniais que uniam Brasil e
Portugal desde que as caravelas comandadas por Pedro Álvares Cabral aportaram no
litoral baiano, em 22 de abril de 1500, os dois países se viram envolvidos numa nova
batalha pela independência, desta vez, felizmente, em forma de troféu.
Refiro-me à
decisão da Taça Independência, ou da Minicopa, como ficou conhecido o mais
importante dos eventos alusivos ao Sesquicentenário da Independência comemorado
em 1972.

O Brasil vivia tempos de governos militares, do “milagre econômico” e de euforia
nacional pela conquista do tricampeonato mundial de futebol. Neste contexto, a ideia
de patrocinar uma competição internacional atendia diversos interesses. Para o regime
militar, importava manter o clima de otimismo patriótico, tendo o futebol como
instrumento de alienação ante as mazelas sociais do país. Para os políticos e
empreiteiros, significava investimentos públicos em construção e ampliação de
estádios, em detrimento de demandas mais urgentes da população. Para João
Havelange, então presidente da antiga CBD, seria a chance de mostrar capacidade de
organização de grandes eventos e, já em campanha para a presidência da FIFA,
estreitar relações com federações de futebol mundo afora.

Na verdade, Havelange planejou uma copa do mundo fora de época, só que inflada em
número de participantes (20) e de jogos (44). Pensando na grandeza e qualidade
técnica do torneio, o mandatário do futebol brasileiro fez de tudo para garantir a
presença de todas as seleções campeãs do mundo, mas Alemanha, Itália e Inglaterra
recusaram o convite. Sem essas potências, o evento perdia em atratividade, como
ficaria comprovado pela baixa média de público, excetuando os jogos da Seleção
Brasileira. Restava à CBD se contentar com seleções do segundo escalão europeu e dos
países da América do Sul (50% dos participantes do torneio), além de dois combinados
representando a África e a América Central (Concacaf).

A fórmula de disputa previa uma fase preliminar com três chaves de cinco seleções,
avançando para a próxima fase apenas os primeiros colocados — no caso, Argentina,
Portugal e Iugoslávia —, que se juntariam, em dois grupos, às seleções já pré-
classificadas: além dos campeões mundiais Brasil e Uruguai, Tchecoslováquia, Escócia e
URSS, países convidados — sem critério algum, diga-se de passagem — no lugar das
seleções alemã, italiana e inglesa. Os vencedores de cada grupo fariam a finalíssima.

Alheia aos propósitos políticos da competição, a Seleção Brasileira se preparou para a
Minicopa como se fosse a copa do mundo. Com alguns veteranos e sem Pelé, que já
tinha dado adeus ao escrete e, desde então, rechaçado qualquer pedido de retorno, o
técnico Zagallo iniciou um processo de renovação, incluindo entre os convocados caras
novas como, entre outros, Vantuir, Marinho Peres e Leivinha. No entanto, com a bola
rolando, o Velho Lobo acabou escalando a base do time campeão no México: Leão; Zé Maria, Brito, Vantuir e Marco Antonio; Clodoaldo, Gerson e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Paulo Cesar.

Em seu grupo, a Seleção estreou contra a Tchecoslováquia, decepcionando os 115 mil
presentes no Maracanã ao esbarrar na retranca adversária e na boa atuação do goleiro
Viktor, ficando no empate sem gols. No segundo jogo, contra a Iugoslávia, no Morumbi
com 74 mil espectadores, a atuação foi, talvez, a melhor na competição,
principalmente depois que Leivinha entrou no lugar do lesionado Paulo César, ainda no
primeiro tempo. O craque do Palmeiras deu melhor movimentação ao ataque e com
cinco minutos em campo marcou dois gols. No segundo tempo, com mais um de
Jairzinho, o Brasil fechou o placar em 3 a 0. Na última rodada do grupo, e de volta ao
Maracanã, diante de 80 mil pessoas, a Seleção enfrentou uma Escócia bem fechada,
que complicou bastante suas ações ofensivas. O gol salvador veio quase no final,
novamente com Jairzinho.

Vencedores dos seus grupos, Brasil e Portugal se viram frente a frente na decisão da
Minicopa, realizada num tarde do domingo do dia 09 de julho de 1972. Para se
classificar, a Seleção Portuguesa venceu todos os seus jogos na fase preliminar e, no
equilibrado grupo da segunda fase, superou Argentina e URSS e empatou com o
Uruguai. Tendo em campo Jaime Graça e o supercraque Euzébio como únicos
remanescentes da boa campanha na Copa de 1966, Portugal encarou o Brasil de igual
para igual, num jogo bem disputado, mas nervoso do primeiro ao último minuto. Quando tudo indicava que a decisão iria para a prorrogação, a dois minutos do apito
final, Rivellino cobrou falta, quase um mini escanteio, alçando a bola na pequena área
para Jairzinho, sempre ele, testar longe do alcance do goleiro José Henrique. Festa e
alívio geral no Maracanã. Brasil, campeão da Taça Independência, aquela que deveria
ter sido copa do mundo e acabou sendo uma minicopa dos trópicos.

FLUMINENSE, 122 ANOS

por Paulo-Roberto Andel

Num país que se gaba em desprezar a memória, completar 122 anos é uma façanha inquestionável. E são 122 anos de histórias que só caberiam em centenas de livros.

Embora não seja o primeiro clube de futebol fundado no país, o Fluminense assumiu o papel de colonizador do futebol brasileiro. Em menos de vinte anos, o Flu inventou o campeonato, o estádio, a torcida, a Seleção Brasileira e até o maravilhoso burro Faísca, que cuidava do gramado. Antes disso tudo, João do Rio, então o maior cronista do país, já escrevia sobre a instituição, defendida por Coelho Neto e abominada por Lima Barreto (que era contra o futebol em geral). Ah, e foi no Fluminense que ninguém menos do que Pixinguinha deu seus passos definitivos para a consagração nacional. Ok, contra a vontade o Fluminense inventou o futebol do Flamengo; melhor para o Brasil, que ganhou o maior clássico do mundo.

Ok, o momento não anda nada fácil, né? Vamos em frente. Imagine você que a mesma camisa de craques monumentais como Romeu Pelicciari, Rivellino, Assis, Paulo Cezar Caju e Telê Santana foi vestida uma vez por ninguém menos do que Oscar Niemeyer, pelo segundo quadro. E que em plena Segunda Guerra Mundial o Fluminense comprou um avião para apoiar a FAB na guerra. Aliás, Santos Dumont, o pai da aviação, foi um dos primeiros sócios da casa.

Nos anos 1930, o Fluminense talvez tenha tido o maior time de sua história, que ganhou tudo entre 1936 e 1941, além de ser a base da Seleção. Não fosse a Segunda Guerra Mundial, talvez a primeira estrela da Amarelinha (ainda branca) tivesse sido na Copa de 1942, com o Fluminense dando as cartas.

Uma história gigantesca, cheia de vitórias espetaculares e uma massa de pó de arroz que alucinou o Maracanã e todos os estádios onde esteve. Depois dos imortais anos 1950, onde faturou o Mundial de Clubes e dois torneios Rio-São Paulo, em fins dos anos 1960 o Fluminense fez um verdadeiro strike de títulos: campeão em 1969, 1970, 1971, 1973, 1975, 1976, 1980, 1983, 1984 e 1985.

O Fluminense cheio de ídolos imortais como Castilho, Marcos Carneiro de Mendonça e Félix, só para falar de goleiros, mas também de muitos heróis negros: Pinheiro, Didi, Denilson, Flávio, Pintinho, Altair, Jair Marinho, Carlos Alberto Torres, Assis, Washington, Marcão, Jhon Arias, John Kennedy e muito mais.

Não bastasse tudo isso, coube ao Fluminense vencer a indústria nacional de fake news. A fábrica de crendices do Febeapá inventou que o Flu deveria pagar a Série B. Qualquer pessoa com razoável capacidade intelectual que pesquise o assunto saberá que o Tricolor nada tem a ver com as viradas de mesa do futebol brasileiro, embora tenha sido até beneficiado pelo efeito delas. Quem quiser, pesquisa e aprende; quem não quiser, continue acreditando que manga com leite é veneno e pronto.

Apesar deste julho difícil, o que importa é dizer que o Fluminense é um dos orgulhos do Brasil. Sem as iniciativas tricolores ao longo da história, muitos clubes sequer surgiriam, quanto mais disputariam campeonatos de futebol no Brasil.

Viva Zezé Moreira! Viva Ondino Viera e Gentil Cardoso! Viva Arnaldo Guinle e Francisco Horta! Viva Samarone, Laís e Chico Neto! Viva Preguinho! Viva Veludo! São Paulo Victor, São Ricardo Gomes e Branco! Viva o monstruoso Edinho! E Hércules, Pedro Amorim, Russo, Bigode, Carlyle e centenas, centenas de nomes que escreveram linhas maravilhosas do nosso futebol. Viva Abel!

Se qualquer outro time do mundo tivesse como únicas glórias a Máquina Tricolor e o gol de barriga de Renato Gaúcho, já seria suficiente para justificar 200 anos de vida, mas nem falei disso aqui. Que texto seria capaz de conter o Fluminense inteiro? Nenhum, nem mesmo o escrito pelo maior cronista da história do futebol brasileiro, Nelson Rodrigues – monumental orgulho em três cores.

Tricolores, a barra está pesada, mas o nosso poeta há de nós redimir e, quando esse tormento do Brasileirão passar, cantaremos “Fim da tempestade, o sol nascerá”. É que Cartola, o gênio maior do samba, é coisa nossa. Acreditem. Créu!

@pauloandel