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O LEGADO DE JOHAN CRUYFF FERVE NA CHAMPIONS LEAGUE

por Enzo Krieger

A filosofia de Johan Cruyff ferve na Champions League, detecta o cineasta espanhol Jordi Marcos. Não falta autoridade ao diagnóstico. Jordi assina “A Última Partida”, documentário centrado no holandês que fez história como jogador e como treinador. As imagens do longa, feitas por um torcedor do Barcelona, reforçam a convicção do diretor sobre o icônico Camisa 14: um gênio que se divertia com a profissão.

Jordi Marcos explica, num breve papo antes da exibição do filme no 14º Cinefoot, porque o legado de Cruyff ecoa pelo principal torneio de clubes do mundo. Ele também ressalta o estímulo do audiovisual à memória do craque na eterna Holanda de 1974 e na reconstrução de um Barcelona afetado pela ditadura franquista.

Johan Cruyff inspira jogadores e treinadores como Xavi, Mikel Arteta e Pep Guardiola, talvez seu mais badalado discípulo. Como o legado do memorável holandês manifesta-se no futebol atual?

O legado de Johan Cruyff está fervendo. Por exemplo, nas quartas de final da Champions League (temporada 2023/24), principal torneiro de clubes do mundo, havia quatro times treinados por ex-jogadores que passaram pela metodologia de Cruyff.

Ele foi homenageado numa finta chamada Cruyff Turn (giro do Cruyff). Sua influência é, claro, muito maior do que isso. Como você o definiria como jogador?

Duas peculiaridades o definem muito bem. A primeira: ele liderou a Holanda de 74, uma seleção da qual, mesmo sem ganhar a Copa, todos se lembram, pela forma como jogava. Isso indica a dimensão de Johan Cruyff como jogador, como ele fazia o time jogar. A segunda peculiaridade histórica remonta à importância decisiva de Cruyff para o Barcelona quebrar o jejum de 14 anos sem conquistar a Liga espanhola (em 1974). A Catalunha vivia a ditadura franquista. Foi Johan, com ares de liberdade, a primeira pessoa que pôde colocar, no próprio filho, o nome “Jordi”, que é meu nome, porque éramos obrigados a colocar “Jorge”, em castelhano. Isso significou muito ao povo catalão, e esse vínculo ficou. O filme “A Última Partida” o mostra como treinador da seleção catalã. Não era oficial, mas disputava um jogo por ano. Foi a última etapa da carreira dele.

Essas e outras histórias marcantes de Cruyff são retratadas em livros, revistas, filmes. Como o audiovisual impulsiona a memória dele?

A cultura dos livros e dos filmes perpetua esse ícone do futebol. Com o meu filme, por exemplo, daqui 50 anos pessoas poderão ver e descobrir o jogador, o treinador, a história dele e personagens conectados com ele. Nada melhor do que conhecer a história para compreender e trabalhar o presente. Isso também vale para o mundo futebolístico.

Por falar nisso, como você garimpou, na produção do documentário, bastidores e visões inéditas sobre Cruyff?

Foi curioso, porque as imagens dele jogando que estão no filme foram feitas por um torcedor do Barça. Ele gravava as partidas com uma câmera de 16 milímetros. Gravava todos os jogos, até amistosos. Ele cedeu esses registros à filmoteca catalã. Quando qualquer coisa sobre o Barcelona é produzida, a filmoteca cede imagens gratuitamente. É um legado fantástico. Se depender da Fifa, da Uefa, é uma loucura: muito dinheiro, não se consegue produzir. Então, é preciso pesquisar imagens gratuitas, às vezes não tão boas, mas que têm a própria graça.

Se você pudesse sintetizar a história de Cruyff numa frase, qual seria?

Uma pessoa que mostrava genialidade enquanto desfrutava da própria profissão.

A BOCA FALA E AS MÃOS ESCREVEM

por Marcos Vinicius Cabral

“Era 2015 e o Barcelona e Neymar comemoravam o título da Champions League pela última vez. Foi no dia 6 de junho de 2015, em Berlim, que o Barça ganhou da Juventus por 3 a 1, conquistando o quarto europeu em dez anos. Neymar fez o terceiro gol, já nos acréscimos, selando a vitória. Mas não para por aí. Aquele gol, o décimo dele na competição, colocou o brasileiro no topo da lista de artilheiros da Champions, ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo. Feito raríssimo. Naquele primeiro semestre de 2015, assistíamos, impávidos, pela primeira vez, Neymar chegar onde todos esperavam que ele chegasse: ao nível dos dois.

A partir daquele momento, Neymar entrava na mesma conversa, se colocava na prateleira mais alta dos grandes nomes do futebol mundial. Certo? Sim. O mundo todo apostava muito que Neymar, que estreou no Santos, em 2009, aos 17 anos, seria o melhor jogador do mundo. Certo? Errado… naqueles oito anos atrás, um jornalista chamado Rodrigo Mandarini escreveu no Facebook que Vini Jr. (nem titular do Flamengo era) seria eleito melhor jogador do mundo antes de Neymar.

A boca fala e as mãos escrevem! Declaração polêmica à parte, o fato é que, apesar de achar estranho a afirmação e como não sou de debater com ninguém – ainda mais em se tratando de futebol, paixão nossa todo dia – a profecia jornalística do nosso ‘hors concours’ esportivo está perto de se cumprir.

Neymar sempre foi um craque. No Santos, principalmente no Barcelona, na Seleção Brasileira e no PSG. Mas, apesar de ter tido a oportunidade de se colocar entre os cinco maiores jogadores de futebol de todos os tempos, preferiu desfocar a carreira. No lugar do profissionalismo, saídas noturnas. Ao invés dos treinos para aprimorar o talento que Deus lhe deu, preferiu se envolver em confusões dentro e fora de campo.

Daqui a um mês, Neymar vai completar um ano sem atuar e, para quem, em setembro do ano passado, superou Pelé e se tornou o maior artilheiro da Seleção Brasileira em jogos oficiais, isso não é nada bom.

No entanto, se antes, tinha lá minhas dúvidas, hoje não tenho mais: Vinicius Jr, meu conterrâneo de São Gonçalo, caso seja eleito pela FIFA o melhor jogador do planeta no próximo 28 de outubro, servirá também como termômetro do que será essa nova geração que está chegando. Traduzindo: será, disparadamente, o melhor jogador do mundo com uma das piores safras de jogadores brasileiros da história.

Pecado que a bola comete. Mas Mandarini, não!”.

“NÃO SOMOS MODINHA: MULHERES ENTENDEM DE FUTEBOL E GOSTAM DE TORCER”

Fundadora da Nação Empoderada, Monalisa Matos conta como a torcida do Fla formada só mulheres impõe-se ao machismo e à violência renitentes

por Gabriella Pereira, Luísa Fernandez e Manoelle Monteiro

Cansada de ir sozinha aos jogos do Flamengo, Monalisa Oliveira Matos convidou seguidoras do Instagram para acompanhá-la. A empreitada deu tão certo que se desdobrou numa torcida organizada. “Também entendemos de futebol, também gostamos de torcer, e por isso estamos ali na arquibancada”, enfatiza a fundadora da Nação Empoderada. Desde 2018, dezenas de rubro-negras transformam a torcida formada só por mulheres num movimento contra o machismo, o assédio, e demais violências sofridas no ambiente esportivo. Monalisa conta, num papo descontraído, como iniciativas assim ajudar a incrementar a participação feminina no futebol e em outras modalidades.

Como nasceu a ideia de fundar uma torcida só de mulheres?

 A Nação Empoderada surgiu em maio de 2018, logo após eu conhecer duas outras torcedoras num evento de despedida do goleiro Júlio César, na Barra. Ao conversarmos, percebemos algo em comum: às vezes, deixávamos de ir a alguns jogos por sermos mulheres e estarmos sozinhas. Desde então, viramos três. Depois de irmos ao estádio juntas, tive a ideia de criar um grupo com mais meninas. Postei no Instagram e fui chamando meninas que me seguiam. Reunimos uma quantidade grande de torcedoras antes da pandemia. O intuito era juntar o máximo de mulheres que tinham medo ou que não tinham companhia para ir aos jogos do Flamengo. Há integrantes até fora do Rio.  

Quantas participam hoje?

Somos 63 mulheres, atualmente. Mas já tivemos muito mais antes da pandemia, como eu disse. Depois, algumas engravidaram, outras casaram, outras se mudaram para outro estado.  Isso diminuiu a quantidade de participantes no nosso movimento. Além do mais, como o preço dos ingressos subiu, muitas deixaram de ir ao estádio.

Como funciona a organização?

Sou a presidente, responsável por tudo, mas divido a administração com duas partticpantes. Uma responde pelas redes sociais. A outra se encarrega de prestar informações e esclaracer dúvidas sobre o grupo responsável. Eu idealizo os projetos que serão feitos. Penso em retomar, ainda neste ano, ações sociais como doação de alimentos e de roupa. Elas sempre foram o nosso forte, desde o começo. Vamos retomá-las, o que nos une mais.

Qual a importância dessa organizada para a participação feminina no esporte?

A importância da Nação Empoderada sempre foi motivar o público feminino a frequentar a arquibancada e outros eventos que envolvam o Flamengo, inclusive além do futebol. Hoje vemos a arquibancada cheia para acompanhar o vôlei feminino, por exemplo. Esperamos que isso aconteça com o futebol feminino. A nossa ideia também é acompanhar, apoiar, as modalidades femininas. Muitas vezes, é de graça.

Como é a relação com o machismo na arquibancada?

Até que sofremos pouco com o machsimo na arquibancada. Falo por nós do grupo. Sempre fomos fortes, sempre editamos as canções que estavam ali na hora do jogo (para extrair trechos machistas). Sempre mostramos que a gente está ali para torcer pelo nosso time, sem nenhum outro propósito. Os homens têm que entender que mulheres também gostam do futebol. Gostam dos esportes, gostam de empurrar o time, e por isso estamos ali. Não somos, como já falaram,  “modinha”. Também entendemos de futebol.

Quais atitudes devem ser tomadas para combater o machismo?

Nós, mulheres empoderadas, estamos sempre dispostas a quebrar esse ciclo de machismo. Temos sempre mostrar, para os homens, que estamos ali também, no poder. Por exemplo, a [presidente do Palmeiras] Leila Pereira, hoje na CBF (chefe de delegação), mostra o posicionamento que nós mulheres temos no futebol. Ela fala por nós. A importância dela é enorme. A quebra do machismo no esporte, principalmente no futebol, se dará quando tivermos mais mulheres em posições altas, em posições nas quais os homens precisam nos respeitar. Assim, vão ver que somos iguais.

Que dificuldade é enfrentada pela torcida feminina além do machismo?

A única coisa que a gente enfrenta, além do machismo, é a falta de segurança. Ainda é muito difícil ser mulher e ir para um jogo de futebol sozinha, especialmente num clássico. Às vezes, um bando de meninos aborda agressivamente a torcedora no meio da rua: quer a camisa dela, quer agredi-la. Por isso, a gente procura ir em grupos ao estádio, agrupando meninas da mesma região. A gente nunca deixou nenhuma torcedora sozinha. Procuramos proteger nossa integridade física.

SOBRE A SELEÇÃO

por Paulo-Roberto Andel

Pensando bem, são muitos os motivos que explicam a queda de padrão do futebol brasileiro, e que naturalmente desaguam nos caminhos da Seleção. Muitos, muitos. Passam por dirigentes escroques e tenebrosas transações. E dão um livro grosso.

Contudo, o maior deles se repete inclusive noutros esportes, mas foi uma espécie de guilhotina cortando a excelência que, um dia, já povoou nossos gramados: o desprezo que o talento passou a receber em troca da atenção absoluta da parte físico-tática.

Em pouquíssimo tempo, o futebol no Brasil virou uma verdadeira febre. Quando o Brasil conquistou sua primeira grande colocação, o terceiro lugar na Copa de 1938, já tínhamos super craques como Domingos da Guia, Leônidas, Romeu Pelicciari e outros. Vinte anos depois, encantamos o mundo com Pelé e Garrincha. Dali, até 2006, com grandes colocações e quase sempre entre os cinco maiores do mundo, sempre tivemos grandes jogadores aos montes, a ponto de todo treinador da Seleção ser cobrado por ausências em sua lista de convocações.

De onde vinham esses craques todos? De milhares e milhares de campinhos Brasil afora. Éramos uma verdadeira fábrica de craques em larga escala. Campinhos de terra, de areia batida, de pedra inclusive. Milhares e milhares de garotos enlouquecidos pelo jogo em vielas, favelas, vilas, praças, na praia, onde desse pra jogar. E dessa multidão tiramos, durante décadas, dezenas de craques que inundaram o mundo com dribles, passes e jogadas geniais, descobertos por olheiros dos clubes. Foi o que fez a fama do futebol brasileiro, não necessariamente aliado ao rigor tático, mesmo tendo treinadores competentes e especializados.

Um golpe violento veio com a Copa de 1982. A derrota para a Itália levantou o argumento de que o “futebol arte” era inútil e deveria ser substituído pela força. A nova onda perversa dominou o Brasil, mas nosso petróleo da bola era tão farto que ainda aguentamos 25 anos com as reservas técnicas. E tome Romário, Geovani, Bebeto, Ricardo Gomes, Branco, Valdo, Raí, Leonardo, vários desses tetracampeões em 1994. E tome Amoroso, Edilson, Djalminha, Marcelinho, Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Roger, Alex, Felipe…

A Lei Pelé deu alforria aos jogadores. Em compensação, espatifou os clubes, saqueados por dirigentes e empresários. Em paralelo, os garotos passaram a ser formados para o combate em vez da criação. Veio a era dos volantes brucutus. Enquanto isso, os campinhos foram desaparecendo, os garotos descalços foram desprezados, os empresários tomaram o lugar dos olheiros e a indústria exige porrada e força em vez de destreza. E nós, que antigamente tínhamos vinte ou trinta jogadores para escalar onze, chegamos à Era Neymar, a do time de um talento só que seria responsável por resolver tudo em campo. Como se viu, não deu certo.

Há trinta e poucos anos, o sonho da Venezuela era marcar um gol no Brasil. Apesar da tradição, fazer seis gols no Paraguai e cinco no Uruguai não era difícil em 1979. O futebol mudou e muitos evoluíram em seus cenários. Nós, não: abrimos mão do melhor que tínhamos – nossa habilidade, capacidade de improvisação e perspicácia – para nós tornarmos inferiores às seleções que, um dia nós invejavam. Jogamos fora o principal combustível do nosso protagonista, o talento. Em compensação, temos uma indústria de marcadores.

O problema maior não está numa derrota para o Paraguai, hoje normal. Até segunda ordem, a classificação para a Copa do Mundo ainda não parece ameaçada. O problema mais grave é que, se conseguirmos confirmar o passaporte para o Mundial, ele será o de coadjuvantes. O problema é verdade que, nesta derrota de quarta, o Brasil não tem um único desfalque expressivo – o time que está lá é o que temos e só. Quem ali realmente faz diferença do ponto de vista da qualidade técnica?

Alguém espera por Neymar? Quem ainda acredita em sua volta ao futebol profissional de excelência?

O Brasil precisa refundar suas divisões de base e valorizar o talento, se não quiser se tornar de vez um centro inexpressivo do futebol. Precisamos voltar a fabricar craques em série e recuperar a identidade do nosso futebol.

Peço a compreensão dos mais jovens, não se chateiem comigo. Não é saudosismo, mas apenas meu olhar de criança como torcedor. Se naquele tempo alguém falasse de um camisa 10 (ou 8) talentoso e importante, você poderia lembrar facilmente de Dicá, Ailton Lira, Renato, Zenon, Pita, Adílio, Cléber, Zico, Rivellino, Guina, Palhinha, Sócrates, Jorge Mendonça, Falcão, Mendonça, Enéas, Douglas e outros.

Hoje falamos de quem?

@p.r.andel

O CALENDÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO E OS LIMITES DO FUTEBOL PROFISSIONAL

por Luis Filipe Chateaubriand

Em relação ao calendário do futebol brasileiro, pode-se afirmar que é necessário criar um modelo de agendamento dos jogos que contemple 128 clubes de futebol no Brasil, jogando a temporada inteira.

Mais do que 128 clubes jogando a temporada inteira é inviável, pois clubes de porte menor, quanto mais jogam, mais dinheiro perdem.

Menos do que 128 clubes jogando a temporada inteira é desperdício, geraria desemprego de jogadores de futebol e de toda a cadeia produtiva do futebol desnecessariamente.

O “número mágico” de clubes de futebol, no Brasil, que deve jogar ao longo de toda a temporada é, assim, de 128 clubes.

Entre os 128 clubes eleitos, há os grandes, que jogam muito, mais do que devem.

Entre os 128 clubes eleitos, há os pequenos, que jogam pouco, menos do que devem.

Fazer com que clubes grandes joguem menos, e com que clubes de menor investimento joguem mais, é imperativo.

Isso pode ser obtido com os 128 clubes jogando as divisões do Campeonato Brasileiro a temporada toda, cumprindo objetivos palpáveis em relação à divisão que disputem.

Clube grande jogando menos significa menos lesões, melhor qualidade do jogo e redução de gastos operacionais, pois se elimina os jogos deficitários.

Clube de investimento moderno jogando mais significa fluxo de caixa ao longo de toda a temporada, empregos na cadeia produtiva do futebol também ao longo de toda a temporada e maior chance de exposição desses clubes.

Nem mais, nem menos.

Para 128 clubes do Brasil, calendário ao longo da temporada inteira é a solução!