Escolha uma Página

COCITO, A FORÇA DO FURACÃO

por Eduardo Lamas

Foi numa manhã chuvosa de uma terça-feira de outubro que eu e o cinegrafista Fernando Gustav partimos do Bacachéri, onde estávamos hospedados em Curitiba, para a Arena dos Campeões, no bairro do Portão, com a missão de entrevistar Cocito, o guardião da defesa do Athletico, na época ainda Atlético-PR, campeão brasileiro de 2001. O jogo duro, de cara fechada, muita marcação e as divididas e disputas ríspidas ficaram nos gramados, pois a recepção foi calorosa apesar do frio curitibano naquele dia de primavera.

A carreira foi curta, encerrada por uma sequência grande de lesões, a última na cartilagem do joelho que ainda hoje o incomoda. Mas Cocito, apesar das limitações, não deixa de bater sua bola no Master do Athletico com alguns companheiros daquela surpreendente conquista.

Ninguém dava nada pelo rubro-negro paranaense, em 2001, mas o time era unido, havia sido formado por Carpegiani e o saudoso Mario Sérgio e comandado na hora certa por Geninho. Cocito diz que aquele era um elenco muito bem equilibrado e uma equipe organizada em campo. Porém, só eles acreditavam no título. E ele veio, numa final com o também surpreendente São Caetano, clube do interior de São Paulo que aprontou muito no início deste século com conquistas e finais, como a do Paulistão, no primeiro caso, e da Libertadores, no segundo, ambas em 2004.E foi do interior paulista que Cocito saiu para ganhar o mundo do futebol. De Batatais, passando por Ribeirão Preto, onde vivenciou a história de ídolos que se formaram por lá, como Sócrates, Zé Mário, Raí, Marco Antônio Boiadeiro, entre outros. E com as lições do pai severo com relação aos estudos e a boa formação que teve dentro do futebol, partiu para suas aventuras e vitórias, não só no Athletico, como também em outros muitos clubes do Brasil e dois da Espanha. E não podendo mais continuar jogando profissionalmente, passou a formar com o ex-zagueiro Rogério Souza e outros professores, novos craques da bola e da escola e da ética, na Arena dos Campeões.

POR MESSI

por Marcos Vinicius Cabral

Torcer para a Argentina, independentemente da competição, convenhamos, não é tão simples para um brasileiro.

Em uma comparação no âmbito futebolístico, é a mesmíssima coisa que em final de campeonato torcer para o Vasco, Palmeiras, Grêmio, Vitória e Cruzeiro sendo torcedor do Flamengo, Corinthians, Internacional, Bahia e Atlético-MG respectivamente.

Sinceramente, não dá!

Há uma rivalidade que extrapola o nível razoável de racionalidade quando se trata em querer ver sempre o adversário na pior. Ou seja, ninguém torce para o arquirrival. Nem em amistoso. Sob hipótese alguma.

Contudo, um fato faz cair por terra o que foi escrito acima: grandes jogadores adversários nos fazem torcer por ele e obviamente pelo time.

Gênios como Messi, suscitam em nós, brasileiros convictos e assumidamente secadores dos argentinos, o desejo em torcer por ele.

Foi o meu caso. Quero que o futebol da Argentina passe um longo hiato – quem sabe, séria ótimo, maior que os 36 anos sem Copa conforme estavam? – sem títulos.

Aos hermanos, esses mesmos que vivem ironizando o futebol brasileiro, que se lasquem!

Esses mesmos que fazem brincadeirinhas sem graça nas arquibancadas dos estádios com a cor da pele de jogadores brasileiros, que eles possam torcer novamente para a seleção de seu país em uma final de Copa do Mundo em 2058. Até lá, Messi já será avô e estará ao lado dos (as) netinhos (as) vendo a vergonhosa eliminação dos compatriotas.

Mas se nos respeitarem mais nos estádios e aos nossos jogadores, talvez 2062, 2066 ou 2070, eu torça por eles.

Mas vamos combinar uma coisa: é preciso separar o joio do trigo. Se tem alguém que merecia esse título, esse alguém era Lionel Messi.

Ah, Messi, Messi, Messi… como torci por ele.

Como vibrei com a atuação dele na final deste domingo (18), no Estádio Lusail, no Catar, contra a França.

Perdão Mbappé, mas gritei com os dois gols marcados contra o excelente Lloris e os comemorei – voltando na cápsula do tempo – como se fossem gols do Flamengo de 1981 com Zico e Cia e do Flamengo de Jorge Jesus em 2019, os maiores times de toda história rubro-negra.

Vale frisar que essa Argentina demonstrou nesta Copa – apesar do susto na estreia quando acabou derrotada pela Arábia Saudita – um futebol competitivo, de toques envolventes, compactado e com esquema tático surpreendente.

Comandada por Scaloni, a equipe argentina se mostrou a fim de querer jogar de maneira atrevida, aguerrida e com um 10 que fez a diferença – como Zico e o camisa 14 Arrascaeta fizeram nos Flamengos de 81 e 19 – na terra dos catarianos.

Mas ninguém mais do que Messi mereceu. Mereceu não apenas pela participação espetacular que teve nesta Copa do Mundo de 2022, mas principalmente no privilégio que deu a nós brasileiros, italianos, espanhóis, uruguaios, alemães e holandeses, todos apaixonados por futebol, vê-lo, aos 35 anos, sendo o último romântico do futebol.

Messi foi o remanescente dos que já jogaram bonito e souberam tratar tão bem uma bola de futebol. O amor e a atenção especial dele com a redonda é o mesmo que tem pela mulher Antonella.

Pai de Thiago, Mateo e Ciro, é a bola, a primogênita do camisa 10 argentino. E ele a trata com tamanha reverência. Amor genuíno. Sentimento bonito de se ver.

Foi emocionante ver Messi no Grand Finale, vestido com uma túnica preta transparente, erguendo a taça ao lado de seus companheiros, sorrindo feliz por ter conquistado a Copa do Mundo e não ser mais – como foi em boa parte da carreira – alvo de críticas covardes e descabidas, principalmente da imprensa argentina.

Entretanto, agora Messi ocupa um lugar que é seu de direito por tudo que fez de magistral e encantador dentro de um campo de futebol.

O cidadão Lionel Andrés Messi Cuccittini vai ganhar vida e despersonificar Lionel Messi muito em breve quando chegar a hora de pendurar as chuteiras e curtir a família.

Em se tratando de Copas do Mundo, o craque argentino entrou definitivamente para uma outra casta de jogadores, a de campeões mundiais.

Por meritocracia, é bom que se diga, já está ao lado de outros gigantes do futebol mundial como Bobby Charlton (1966), Jairzinho (1970), Beckenbauer (1974), Mário Kempes (1978), Dino Zoff (1982), Maradona (1986), Lothar Matthäus (1990) Romário (1994), Zidane (1998), Ronaldinho Gaúcho (2002), Pirlo (2006), Iniesta (2010), Schweinsteiger (2014) e Mpabbe (2018) na prateleira de quem ganhou um título mundial pelo próprio país.

E para o camisa 10 e capitão da Argentina, comandada por um outro Lionel, o Scaloni, promissor treinador que fez história neste Mundial e surpreendeu ao lançar Di María na ponta-esquerda no jogo decisivo contra a França, isso basta!

Basta porque era o que faltava na carreira deste que é o maior jogador de futebol desse século.

Obrigado, Messi!

Vá curtir seu título!

Afinal de contas, ninguém mais do que você mereceu essa conquista.

E ao destino, que tantas e tantas vezes foi injusto com grandes craques que jogaram uma Copa do Mundo e não venceram – não falo apenas da Seleção de 82 de quem sou fã – mando um recado: Obrigado, por desta vez, não nos pregar uma peça no fim do jogo!

MESSI É DE TODOS

por Serginho 5Bocas

Messi é de todos, dos argentinos e do mundo. Tornou-se uma daquelas raras unanimidades do futebol mundial, sua presença nos gramados transcendeu as barreiras e fronteiras entre as torcidas e as nações.

Messi virou patrimônio histórico do futebol-arte, pelos dribles, fintas, gols, passes e todo o repertório de belas artes que ele não se cansa de produzir e nos apresentar amiúde, um primor.

Desde jovem, já se sabia o que estava por vir. Parceiro e fã de Ronaldinho Gaúcho, o aluno bebeu daquela água, mas é nítido que superou o mestre em muitos quesitos, por querer mais e talvez por possuir mais valências.

Venceu muita coisa grande precocemente, ganhou quase todos os títulos possíveis, mas ainda falta um degrau, aquele que te transforma, potencializa seus feitos e que te eleva ao patamar de um Garrincha, de um Pelé, mas principalmente de um Maradona, este que é um deus na Argentina e que sempre torceu para Messi.

Com Messi não tem “mi-mi-mi”, apanha e segue em frente, cai e levanta sem reclamar ou fazer cena, do jeito “antigo”, “raiz”, como a gente se acostumou a ver jogador jogando nas peladas e tudo isso com a bola agarradinha ao seu pé esquerdo, fazendo mudanças de direção repentinas de forma tão natural que parece fácil. Não é…

Messi já bateu vários recordes, coleciona glórias, mas não ganhou a Copa do Mundo. Em 2014 chegou perto. Teve grandes atuações nas primeiras quatro partidas e, na grande final, perdeu o gol da sua vida, entrou pela esquerda e, a poucos metros de Neuer, bateu de chapa de esquerda (a boa) e a bola caprichosamente saiu rente a trave, um castigo das Copas. Se faz, vira estátua no obelisco na hora.

O mundo torce por Messi, porque ele tem o poder de construir em nossas retinas, imagens há tempos adormecidas, aquelas que fazem parte do imaginário do mais genuíno futebol-arte. Não tem CR7, Neymar, Mbappé e o escambau a quatro, ele é o melhor.

A gente acaba torcendo para que ele vença, porque ele é um tipo de super-herói às avessas, pouco carismático, nem se escuta a sua voz de tanta timidez, mas que tem empatia com o torcedor e grandes poderes com a bola nos pés. Isso ele tem, um deus dos estádios.

Por essas e por outras que ele não deveria perder a final da Copa do Mundo no próximo domingo. Mas como isso é futebol e esse esporte não tem lógica, vamos ver o que o jogo bruto das Copas nos revelará.

Forte abraço
Serginho 5Bocas

ELEGIA AO FRANGO


“Nunca cometo o mesmo erro duas vezes.
Já cometo duas, três, quatro, cinco, seis.
Até aprender que só o erro tem vez”
Paulo Leminski

por Marcos Fábio Katudjian

Nelson Rodrigues dizia que o motivo que leva os torcedores ao estádio não é o gol, como pode parecer. O gol é apenas a ponta do iceberg das razões pelas quais o futebol exerce seu magnetismo sobre as massas. Sob a superfície, o inconsciente se revela muito maior. Os torcedores compram ingressos, sol após sol, ano após ano, e lotam os estádios e a frente dos televisores não para ver o gol, mas o frango. Sim, o frango é a grande razão de ser do futebol, o que realmente atrai as multidões.

Mas o que há de transcendente no frango que o faz tão central para o esporte, segundo nosso maior dramaturgo?

Eu vos digo, o frango representa a consumação de um dos maiores medos humanos: a detratação pública. De um lado, nosso pequeno eu, de outro, o Maracanã lotado e tudo que está fora do Maracanã, o mundo todo, rindo a plenos pulmões da tolice de nossas pretensões, da fragilidade de nosso ego em sua presunção de potência.

Todas as humilhações sofridas pelo ser humano comum, dia após dia, estão ali consubstanciadas na tragédia da nudez da nossa condição, e em tudo que há nela de patético, constrangedor e desassistido. O peru irremediável ali ao vivo e a cores na tarde ensolarada e pornográfica dominical, o frango no Domingão da TV, o frango no Fantástico, o frango nas manchetes dos jornais e nas dezenas de mesas redondas, o frango na boca das padarias Brasil afora, mundo afora. E hoje em dia, sobretudo, numa época tão propensa a linchamentos, o frango nas redes sociais representa como que uma crucificação pós-moderna.

O frango, senhores, como os cristãos nos coliseus de outrora, tem um imenso poder expiatório. Em ambos os casos, por caminhos diferentes, contempla-se a nossa fraqueza e a nossa mortalidade e tudo que há de grotesco nela. Se nas arenas romanas era a carne que se desfazia em cena, no caso do frango é a persona e o ego que são sacrificados. A plateia, em sua fúria regozijante, tanto em um caso como no outro, celebra o humano em sua fragilidade diante do destino inexorável que é perder-se como indivíduo.

O poder de expiação do frango é o poder do clown, que toma o ridículo que há em todos nós – o ridículo que nos esforçamos para esconder do mundo, o trancafiando nas masmorras intransponíveis do nosso inconsciente – e o expõe vexatória e gloriosamente. A arte do palhaço se resume em dar uma função para o ridículo dissimulado, fazendo com que efetivamente emerja em risos.

O ser humano sob as traves é nosso semelhante. Assim, o frango nos irmana e liberta em nosso complexo de vira-latas. Não há pose aristocrática que precisemos manter, pois a verdade é que não temos, nunca tivemos pedigree. Não somos filhos de Deus, mas do palhaço mais desajeitado do circo, do bobo da corte mais desprezível do reino. Essa é a nossa verdadeira ascendência.

Assim, o palhaço e o goleiro em seu ato (anti)heróico, afirma nossa condição humana e do alto de sua sabedoria nos ensina em meio à catarse de nossos risos, “está tudo bem em sermos humanos”.

Viva o frango!

ÉDER E A PINTURA DE UM GOL

por Marcos Vinicius Cabral

A Fédération Internationale de Football Association (FIFA) promoveu na própria página no Facebook, a eleição do gol mais bonito marcado nas 22ª edições de Copas do Mundo. O gol do mexicano Manuel Negrete na Copa do Mundo do México, em 1986, foi eleito, como o mais belo dos Mundiais.

Em segundo lugar, aparece o golaço de Éder, marcado contra a União Soviética no Mundial da Espanha, em gramados espanhóis, em 1982, partida vencida pelo Brasil por 2 a 1 de virada na estreia do Mundial.

Éder, o Bomba de Vespasiano, como era chamado, foi um dos maiores ídolos do Atlético Mineiro e um senhor jogador de futebol. Com 123 gols marcados, é o 13º maior goleador alvinegro.

Habilidoso e dotado de um talento raro, visão de jogo apuradíssimo e um chute potente, Éder dificilmente é esquecido e fazer obras de arte com a camisa alvinegra foi uma de suas principais especialidades. Uma delas, inesquecível, completou 42 anos, e saiu do encontro entre Atlético Mineiro e Fluminense que jogavam no Maracanã pelo Campeonato Brasileiro de 1980.

E logo aos quatro minutos, cobrando um escanteio pela direita, Éder acertou o ângulo oposto do goleiro Paulo Goulart, convertido ídolo tricolor pelas várias defesas de pênaltis, mas que não conseguiu barrar a genialidade do camisa 11.

Era 1980, quando Éder Aleixo de Assis chegou ao Atlético Mineiro e desde então iniciou uma história de amor com a torcida, que tem nele um dos grandes ídolos nos mais de 100 anos de história do clube.

A ligação entre Éder e o Atlético Mineiro é coisa de berço. “Com todo respeito ao América, que me deu a oportunidade de iniciar a minha história, mas desde que nasci já era atleticano. Era gândula no Independência vestindo a camisa do Galo. Na minha cama tinha um escudo do Atlético. No caderno de escola, também”, revelou o Bomba.

Mas se a história com o Atlético Mineiro foi bem escrita pelo habilidoso ponta-esquerda, essa relação teve Procópio Cardoso, treinador alvinegro em 1980 e maior responsável por sua vinda para o Galo, como padrinho.

“Vi uma notícia no jornal que o Telê tinha brigado com o Éder no Grêmio. Eu tinha trazido o Chicão para escalar o Cerezo como meia e a gente tinha o Paulo Isidoro. Falei com o Guzella (Marcelo, diretor de futebol de Elias Kalil) para tentar a troca do Paulo Isidoro pelo Éder. Era Carnaval. Paulo Isidoro era um grande jogador, a torcida adorava ele, mas eu queria colocar o Cerezo na meia, pois tinha trazido o Chicão e ainda tinha o Heleno”.

A sugestão de Procópio mudou a história do Atlético Mineiro e a de Éder, numa parceria que tornou o camisa 11 imortal. Mas Éder e a geração que fez parte, foram castigados, sabe-se lá por qual motivo, pela bola.

Ela, impiedosa, puniu a Seleção Brasileira que jogou a Copa de 82 e era comandada por Telê Santana. Aquele Brasil sensacional, arrasador, majestoso e que dava vontade de ver em campo, chegou à Espanha com pinta de favorito, trazendo na bagagem 23 vitórias em 31 partidas ( sendo seis empates e 2 derrotas) e 75 gols assinalados com 19 sofridos.

As ‘Amarelinhas’, carinhosamente tratadas com ferro de passar para tirar o amarrotado e dobradas com carinho pelo roupeiro Nocaute Jack para serem vestidas por Leandro, Junior, Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, são até hoje, 40 anos depois, lembradas pelo mundo esportivo.

Mas Éder era especial. Carregava a responsabilidade de fazer na extremidade do campo no lado esquerdo algumas das melhores jogadas com Junior, que muitas vezes trocavam passes e faziam tabelas. Havia ali, o encantamento de dois extrasséries dos dois melhores time dos anos de 1980: Atlético Mineiro de Éder e o Flamengo de Junior.

Em gramados espanhóis, Éder jogou o suprassumo da bola e mesmo sendo castigado por um impetuoso camisa 20 italiano de nome Paolo Rossi naquela nefasta tarde de 5 de julho, conhecido como a Tragédia do Sarriá, saiu de cabeça erguida por ter deixado dentro de campo, o melhor de si. Todos eles deixaram.

O gol, eleito o segundo mais bonito de todas as Copas, é simplesmente uma pintura exuberante de cores e impressionismo dos mais renomados artistas da bola como Junior, Sócrates, Paulo Isidoro, Falcão e por fim, num belo arremate, Éder, que participaram da jogada que resultou no golaço da virada contra a meta de Rinat Dasaev, o espetacular goleiro da União Soviética.

Definitivamente, a bola pune quem quer que seja. E craques como Éder, mereciam não ser punidos.