O DECISIVO GABIGOL
por Elso Venâncio
Adenor Leonardo Bachi, o Tite, sofre pressão pelos resultados negativos e demonstra, em boa hora, esquecer o passado de mágoas, rancores e vaidades. Após um longo e turbulento período, ele resolveu levar o decisivo Gabigol para enfrentar o Peñarol, no Uruguai, pelo jogo de volta das quartas de final da Libertadores. O atacante nunca teve uma chance real com o treinador. Foi titular em apenas 3 dos 35 jogos do Flamengo sob comando de Tite. Se começava jogando, saía no intervalo. Quando começava no banco, entrava faltando 10, 15 minutos.
Nenhum técnico tem poderes para desprezar um ídolo sem a cumplicidade da diretoria. Goleador indiscutível, carismático, protagonista em títulos históricos, Gabriel Barbosa chegou a alcançar um status só superado por Zico. Ainda assim, vem sendo preterido por Tite desde 2019, quando teve início a era vitoriosa do Flamengo com o português Jorge Jesus. O então treinador da Seleção Brasileira convocava o reserva Pedro, que foi à Copa do Catar. Gabigol, em grande forma, ficou de fora.
Em 2022, comemorando após ser novamente decisivo em outra conquista da Libertadores, o artilheiro teve como alvo o comandante derrotado em duas Copas seguidas. “Tite, vai se fu…, o meu Flamengo não precisa de você”. A torcida reagia em coro “Tite, vai se fu…, o Gabigol não precisa de você”. Tite, por sua vez, demonstrou sua mágoa ao assumir o Flamengo.
A relação do Gabigol com os dirigentes rubro-negros ficou difícil após um contrato, acertado por cinco anos, ter sido vetado pelo presidente Landim, que só admitia renovar por um ano. Novo ruído causou indignação a alguns torcedores, insatisfeitos com o fato de o jogador ter sido fotografado, em casa, usando a camisa do Corinthians. O atacante foi multado, perdeu a camisa 10 e passou a vestir a 99.
Simultaneamente, Pedro seguiu se destacando em campo. Fez gols, assistências, e conquistou a artilharia do Brasileiro, deixando Gabigol cada vez mais ofuscado. A falta de ânimo do herói de 2019 e 2022 passou a ser notada nos treinos e jogos. Eis que Pedro sofreu séria contusão no ligamento cruzado e, operado, ficou sem previsão para voltar. No fim das contas, Bruno Henrique é quem foi improvisado no lugar do artilheiro, que ficou abaixo do indolente Carlinhos.
A crise chegou ao ponto de o departamento médico rubro-negro negar uma contusão que Gabigol alegou ter. O Flamengo acabou prejudicado por nunca ter dado limites ao jogador. No jogo mais importante da temporada, o certo seria Tite começar o jogo com Gabigol e não deixá-lo como opção no banco. A presença dele impõe respeito ao rival e aumenta a confiança. Time o Flamengo tem, para virar o confronto e seguir na Libertadores.
GONZAGUINHA, COMPOSITOR DA VIDA, DO AMOR E DO FUTEBOL
por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Em 29 de abril de 1991, o Brasil amanhecia chocado com a notícia de um trágico acidente de carro ocorrido no sudoeste do estado do Paraná. Morria ali um dos grandes expoentes da Música Popular Brasileira (MPB), o cantor e compositor Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, que, estaria completando, nesta semana (precisamente, em 22 de setembro), 79 anos de idade.
Filho de uma lenda chamada Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, Gonzaguinha era um apaixonado pelo futebol. Torcia para o Vasco da Gama e tinha manifestas simpatias pelo Cruzeiro de Belo Horizonte, cidade onde morava desde o início dos anos 1980, por ocasião do seu terceiro casamento. Cultivava várias amizades com os craques da bola de sua época, como Reinaldo e os saudosos Sócrates e Roberto Dinamite. Sempre que sua agenda permitia, Gonzaguinha ia aos estádios para prestigiar grandes jogos do futebol brasileiro. Além de torcedor, era um peladeiro e gostava de participar com outros artistas de partidas beneficentes ou em prol de causas políticas, integrando o famoso Trem da Alegria, time criado em 1975, por iniciativa do então ex-jogador Afonsinho, reunindo nos gramados jogadores de futebol sem contrato e grandes nomes da MPB.
Luiz Gonzaga Jr. levou para suas composições essa intimidade que tinha com o futebol, mostrando que dentro das quatro linhas do campo de jogo, junto com a bola, rolava uma síntese da vida no mundo lá fora. Vítima contumaz da tesoura afiada da censura do regime militar instalado em 1964, o compositor se valia de metáforas alusivas ao futebol para driblar as proibições e os cortes impostos às letras de suas músicas. É o caso de “Arquibaldos e Geraldinos” (1974), com a qual denunciava os mecanismos de restrição das liberdades, situação que deveria ser enfrentada com inteligência e cautela, principalmente quando se estava no “campo do adversário”.
Já em “E Por Falar no Rei Pelé…” (1978), Gonzaguinha exaltava a força do povo brasileiro, que considerava um verdadeiro craque ao encarar no dia a dia a marcação dos homens de cima, tornando a vida uma “pedreira” ou uma “rinha sem gol”. Por sua vez, em “Se Meu Time Não Fosse Campeão” (1979), mostrava como o futebol pode ser uma válvula de escape para o trabalhador esquecer, ainda que temporariamente, as dificuldades financeiras e os problemas pessoais e como um gol tem o dom de encobrir o cansaço dessa luta diária que é a vida.
Infelizmente, Gonzaguinha partiu muito cedo, aos 45 anos de idade. Nos deixou quando vivia a plenitude de sua produção artística e intelectual, prometendo muito mais além da riquíssima discografia que acumulava desde o início da década de 1970. Uma obra recheada de canções marcadas pela beleza da melodia e pela força poética de suas letras, seja para exaltar a vida, o amor e a luta dos mais humildes em busca da alegria de viver, seja para dissecar, em versos espirituosos, o cotidiano e as condições sociais e políticas do seu tempo e, por que não dizer?, do nosso tempo, num merecido reconhecimento da atualidade de seu repertório musical. Salve, Gonzaguinha, o compositor da vida, do amor e do futebol!
FRANCISCO HORTA, 90 ANOS
por Paulo-Roberto Andel
Muito já se disse sobre o aniversariante deste 23 de setembro. Ousado, corajoso, carismático. Certo é que, ao completar 90 anos, Francisco Horta é o maior presidente vivo do Fluminense, o mais emblemático e só fica atrás de Arnaldo Guinle porque este, tão genial quanto Horta, teve a chance de sedimentar o Tricolor e colonizar o futebol brasileiro de vez. Contudo, o maravilhoso Flu de Guinle foi até reconhecido mundialmente com o tempo, mas o governo de Horta teve uma projeção mundial tamanha que nem a chegada do Flu à decisão do Mundial de Clubes 2023 teve a mesma repercussão.
Há quase meio século, a Máquina Tricolor misturou sonho e realidade. Até então, o Fluminense era uma potência e já tinha sido inclusive campeão mundial, mas com Francisco Horta o Tricolor se tornou uma referência internacional permanente. Ganhou o Bayern Munchen, base da Alemanha campeã mundial de 1974, com o Maracanã em êxtase. Alinhando craques de todos os jeitos, a equipe aproveitava feras da casa como Edinho, Pintinho, Cleber e Rubens Galaxe. Quando o campeonato carioca era o mais importante do país, o Flu conquistou o bicampeonato que não via desde os anos 1930. Dava um show de goleadas, inclusive nos rivais, e faturava torneios de grande expressão no exterior.
O Fluminense virou símbolo pop. Sua camisa era vestida até em fotos dos Rolling Stones. Cruyff quase veio para o Flu, imaginem. Um fenômeno mundial num tempo sem internet, apenas com rádio, TV e jornais. Em casa, o clube conquistou a maior média de público numa temporada, em 1976. Sem patrocinador, investidor, mecenas ou dinheiro público. O troca-troca sacudiu o futebol brasileiro duas vezes.
Reparem que a Máquina nunca foi chamada de “time do Rivellino”, “time do Paulo Cezar” ou “time do Carlos Alberto Torres”. Não. É uma unidade. Um projeto. Uma força da natureza concebida por seu arquiteto, o maquinista Francisco Horta. Uma força tão grande que supera a ignorância de seus detratores, que insistem em tratar como “menor” o time que ganhou “pouco”, numa comparação desequilibrada dos anos 1970 com os 2020. Mas poucos haters são honestos em admitir que só com Horta o Fluminense teve em seu elenco 1975-1976 cinco campeões mundiais de 1970 no México: Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio, Rivellino e PC Caju. Assim como ninguém se esquece do Brasil de 1982, da Holanda de 1974 e da Hungria de 1954, não dá para discutir a excelência do futebol brasileiro sem falar da Máquina.
Tudo bem, a cada ano a Invasão Corintiana de 1976 tem mais torcedores no borderô, mas deixa estar. A magia de um dos maiores confrontos da história do futebol brasileiro é também marcada pelo time que o Fluminense tinha, digno do Olimpo do nosso futebol, no mesmo salão de festas da Academia do Palmeiras, do Santos do inigualável Pelé, do Botafogo nos anos 1960 e do Flamengo de 1981.
Tudo isso tem o roteiro e a direção de Francisco Horta, que já deveria ter uma estátua no clube e o título de grande benemérito. O Fluminense já tinha nome nas ruas do mundo, mas foi Horta quem colocou a grafia tricolor nos letreiros à altura da Broadway.
Aos 90 anos, plenamente ativo e lúcido, o eterno presidente do Fluminense conduz a Santa Casa da Misericórdia há mais de uma década. Tida como incurável, a Santa Casa começou a respirar sem aparelhos e, aos poucos, vem retomando sua vida normal. Dá para dizer que o maquinista não tem poderes de cura?
A Máquina Tricolor alimentou corações e mentes, fez história e arrematou uma multidão de crianças para sempre – que eram jogadas para o alto em toneladas de vitórias, gols e grande futebol. Hoje, são os cinquentões que sentem o brilho nos olhos quando se fala de Miguel dos saudosos Rodrigues Neto, Dirceu, Carlos Alberto Torres, Félix, Toninho, Félix, Cafuringa, Doval e Mário Sérgio (craçaco que somente na Máquina ficou no banco de reservas), de Roberto Rivellino, de Paulo Cezar Lima, de Renato, Pintinho, Edinho, Rubens, Zé Roberto, Búfalo Gil e tanta gente. De Didi, Parreira e Paulo Emílio e Mário Travaglini, entre outros. De José Carlos Villela, o maior advogado tricolor de todos os tempos. De Ximbica. São muitos e muitos nomes, que todos se sintam representados aqui.
Tomara que meu pai consiga ler estas linhas. Ele me jogou para o alto muitas vezes no Maracanã. Eu era criança e ali, em meio à nuvem de pó de arroz, aprendi o que era uma festa. O ano de 1976 foi um dos mais difíceis da vida de Helio Andel. Sofremos literalmente o pão que o diabo amassou. Sua única alegria era o Fluminense, o Fluminense da Máquina, o fenômeno de popularidade. Obra e graça eternas de Francisco Horta, a quem declaro meu apreço, admiração, respeito e agradecimento a quem ofereceu alegria ao meu pai. Vivi para contar essa breve história.
Viva Francisco Horta, o eterno presidente do Fluminense!
Viva a Máquina imortal!
@p.r.andel
NOSSA GRATIDÃO ETERNA, CÉSAR
por Claudio Lovato Filho
Uma vida não se resume a uma carreira profissional, e uma carreira profissional não se resume, no caso da de um jogador de futebol, a um título, a uma partida ou a um gol.
Claro que não.
Mas obrigado, César, por teres colocado a cabeça naquela bola.
Tinhas pressentido que ela viria para a pequena área; bastou ver o Renato fazer a embaixadinha lá na lateral, e então soubeste, tiveste certeza.
Pressentimento de centroavante dos bons.
Obrigado, César.
Por teres colocado a cabeça naquela bola improvável alçada pelo Renato e, assim, teres feito a felicidade de milhões de gremistas, como havia previsto (sonhado!) a Sandra, mulher do Tita.
Quanta importância teve aquele gol para a nossa História, César!
Quem te escreve estas linhas, ainda impactado pela notícia da tua despedida, é alguém que estava lá no Olímpico naquela noite gelada de 28 de julho de 1983.
Alguém que tinha 18 anos e estava na arquibancada inferior, com o velho dele e um dos irmãos mais novos, bem atrás da goleira em que o Caio fez o nosso primeiro gol.
Foi de lá que eles viram o teu gol, aos 32 do segundo tempo.
Foi lá, batendo os pés no cimento por causa do frio e da emoção, que eles viram o teu voo em direção à bola.
Obrigado, César.
Na Grande Ordem das Coisas – que alguns acreditam ser ditada pelo acaso, pelo aleatório e pelo caos, e que outros creem que obedece ao que desde sempre estava escrito e determinado – eras tu que estavas lá, no lugar certo, na hora certa, fazendo aquilo que tinhas que fazer, e que sabias fazer.
Como os centroavantes de verdade.
Como os seres humanos que entendem que a felicidade é a maior vocação de todos os que vêm a este mundo e que, inevitavelmente, um dia se despedem dele.
ZAGALLO TINHA 12 TITULARES
por Elso Venâncio
O time dos ídolos imortais da Copa de 1970, que conquistou o tricampeonato no México, tinha 12 titulares: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson (Paulo Cézar Caju) e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé.
O técnico João Saldanha passou confiança ao grupo e fez um grande trabalho nas Eliminatórias. Foram seis jogos, seis vitórias, 23 gols a favor e só 2 contra, com goleadas históricas sobre a Venezuela, por 5 a 0 em Caracas e 6 a 0 no Rio, além dos 6 a 2 na Colômbia, também no Maracanã. Desgastado com os generais da ditadura e com os militares inseridos na comissão técnica, o João Sem Medo — assim apelidado pelo amigo Nelson Rodrigues — acabou substituído por Zagallo há poucos meses da Copa.
Com o novo treinador, vieram algumas mudanças. No esquema tático, o 4-2-4 deu lugar ao 4-3-3. Brito e Piazza passaram a formar a zaga de área. Com o recuo de Piazza, Clodoaldo assumiu a posição no meio-campo, ao lado do Gérson. Como a Seleção atacava muito com Carlos Alberto pela direita, o treinador escalou o gaúcho Everaldo, um lateral marcador, na esquerda. Rivellino, reserva do Gérson, foi adaptado como ponta-esquerda recuado; e Tostão, que jogava como meia, na posição do Pelé, mantido como centroavante.
No primeiro treino que dirigiu, Zagallo encontrou um Pelé irritado: “Sacanagem comigo, não”. E retrucou no ato: “Você é um único titular absoluto”. João Saldanha tinha declarado que Pelé era míope. O Rei confirmou a miopia de nascença, mas isso nunca lhe causou dificuldade, nem à noite.
Logo na estreia na Copa, Paulo Cézar Caju estreou as substituições do Brasil em mundiais, só permitidas a partir de 1970. Entrou no lugar de Gérson, que sentiu a coxa durante o jogo contra a Tchecoslováquia. Mantido para o enfrentar a Inglaterra, então campeã do mundo, Caju foi o craque da vitória por 1 a 0, com gol de Jairzinho. Voltou a se destacar diante da Romênia, mas Gérson, o Canhotinha de Ouro, se recuperou para enfrentar o Peru, dirigido pelo brasileiro Waldir Pereira — o mestre Didi.
Para resolver o dilema, Zagallo chamou quatro líderes do grupo: o capitão Carlos Alberto, Piazza, Gérson e Pelé. “Vocês vão decidir se PC continua como titular”. A votação foi secreta, mas com a presença de Paulo Cézar. Cada um recebeu um envelope, e o resultado deu empate: 2 a 2. “Paulo, você é garoto e pode esperar, mas não se considere reserva”, resolveu Zagallo.
Se Paulo Cézar fosse mantido, Clodoaldo sairia, com Gérson sendo recuado, e Rivellino passando para o meio. PC acabou entrando durante o jogo, novamente no lugar de Gérson, que deixou o campo com a vitória já garantida para estar inteiro contra um rival histórico, o Uruguai, na semifinal.
Foi uma campanha memorável, com 100% de aproveitamento:
4 a 1 na Thecoslováquia;
1 a 0 na Inglaterra;
3 a 2 na Romênia;
4 a 2 no Peru;
3 a 1 no Uruguai.
No dia 21 de junho, enfim aconteceu a final do primeiro Mundial transmitido pela TV e a cores. O Brasil goleou a Itália por 4 a 1, com o Estádio Azteca recebendo mais de 100 mil torcedores. Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto fizeram os gols. Era uma época de tantos craques, que o Brasil seria novamente campeão do mundo, com Saldanha ou Zagallo.