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VALDOMIRO, O SR. COLORADO

por Eduardo Lamas

Jogador com o maior número de jogos pelo Internacional, 803 partidas, ainda o maior artilheiro do Beira Rio, com 105 gols, e quarto goleador da História colorada, com 191 tentos, Valdomiro é certamente o mais importante atleta do clube gaúcho. Não só por esses números, inevitavelmente sempre frios, por mais calor que queiramos emprestar, mas pelo que representou – e representa – e pelo grande amor que tem pelo Inter.

Além disso tudo, teve participação direta em vários títulos gaúchos e nos 3 brasileiros conquistados pelo Colorado nos anos 70. A destacar que, em 75, fez o cruzamento para o gol de Figueroa contra o Cruzeiro, e, no ano seguinte, marcou de falta o segundo da vitória sobre o Corinthians que garantiu o bi. Até quando não atuou, na primeira partida da final de 79, seu substituto, Chico Spina, fez os dois gols da vitória de 2 a 0 sobre o Vasco, no Maracanã, que deram grande vantagem ao Inter para o jogo da volta, no Beira-Rio, aí sim, com a presença de Valdomiro.

Uma lenda viva, que não por acaso tem uma estátuia no estádio do Inter, porém de uma simplicidade ímpar. Ele e sua esposa, Natália, a quem sempre dedica uma palavra de carinho e que, segundo diz, é a responsável por todo acervo sobre a sua brilhante carreira que possui em casa. Ambos nos receberam, eu e o cinegrafista Fernando Gustav, com simpatia e tudo preparado, mesmo tendo se mudado pouco tempo antes para o apartamento atual, em Criciúma, cidade-natal do ex-ponta-direita.Com tanta história, que ainda passa pelo Comerciário, atual Criciúma, a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974 e o Millonarios, da Colômbia, a conversa fluiu sem que percebêssemos o tempo passar. E ouvindo Valdomiro contar tudo, com tantos detalhes que a excelente memória lhe traz, foi mesmo como voltar no tempo.

ENGAJAR NÃO É TORCER

por Idel Halfen

Num cenário cada vez mais polarizado, há uma convicção que provavelmente une todos aqueles que acompanham o futebol brasileiro: a importância de se formar uma liga, a qual tenha condições de gerar mais receitas para os clubes.

Todavia, não há unanimidade acerca do modelo a ser adotado, fato que tem a forma de divisão das receitas advindas dos direitos de transmissão como um dos pontos de discórdia, o que deriva para uma reflexão interessante no que tange ao marketing: como medir o engajamento de grupos?

Mas antes de passarmos para os questionamentos sobre “engajamento”, vale contextualizar que um dos grupos interessados na compra dos direitos da futura liga preconiza uma distribuição de receita onde 40% dela seriam divididos igualmente entre todos os clubes, 30% conforme a classificação no campeonato e 30% de acordo com o engajamento das torcidas, enquanto o outro propõe a divisão na base de 50%, 25% e 25% respectivamente

Deve ainda ficar claro que para uma competição ser atrativa para o público, investidores e parceiros, é fundamental que exista uma relação de  equilíbrio entre as equipes, permitindo assim levar emoção e suspense para o maior número possível de jogos.

Evidentemente que a meritocracia não pode ser desprezada, sendo importante também premiar os que conseguem fazer melhores administrações, incluem-se aqui contratações, formação de jogadores, organização, controle financeiro e gestão de marketing, no entanto, esse fator já está considerado, visto influenciar o desempenho esportivo, o qual é contemplado nos modelos apresentados.

Mas e o engajamento? 

Abaixo exploramos as possíveis formas sugeridas para mensurá-lo:

 Assinantes via streaming – esse índice parece justo, embora incorra na necessidade de cadastros higienizados e fidedignos, além de  ser sensível ao momento de cada time.

 Média de público no estádio – esse critério nos deixa diante de dois problemas: (i) os diferentes tamanhos de estádios fazem com que um time que mande seus jogos em arenas maiores seja privilegiado e, caso se decida usar a taxa percentual de ocupação, os que possuem menores capacidades se beneficiam; (ii) assim como o critério relativo aos assinantes dos canais streaming, o momento do time, muitas vezes influenciado pelo maior poder de investimento, estimula a presença de público nos jogos.

Número de seguidores nas redes sociais – tal parametrização beira o absurdo quando tomamos ciência de que é possível “comprar seguidores”, que seguidor não significa engajamento e que seguir não significa torcer.

 Audiência dos jogos em TV aberta – ainda que tenha algum grau de coerência por supostamente medir a atratividade do evento, o índice não consegue expurgar o componente “fase do campeonato”, isto é, clubes que estejam disputando algo nas rodadas finais – inclusive a permanência na divisão principal – e respectivos adversários tendem a ser beneficiados com a audiência. Soma-se a isso, o fato de que os clubes não possuem ingerência sobre a definição da grade de programação, a qual também afeta a audiência.

– Tamanho da torcida – conforme já foi abordado em outros textos desse blog, as pesquisas referentes à apuração do tamanho das torcidas costumam apresentar falhas de metodologia e de segmentação. Em vista desta condição, seria mais justo que esse componente não fosse considerado, até porque, ele já atua nas vendas de produtos licenciados e, na maioria das vezes, na decisão das empresas quanto ao patrocínio.

Partindo dessa análise, podemos inferir que qualquer proposta que dê menos peso ao engajamento é a que mais preserva o equilíbrio da competição, até porque os critérios sugeridos para se calcular o engajamento, como visto acima, apresentam falhas tanto no que diz respeito à eficácia como também por propiciar benefícios cruzados e duplicados.

ESCRAVO DA SAUDADE

por Rubens Lemos

Sou escravo da saudade no Futebol. O atual Vasco jamais será o meu. Meninos são iludidos por contratações de bagulhos que não merecem a camisa agrada vestida por astros de primeira grandeza. O Vasco do meu tempo era cinematográfico, sempre liderado pelo proprietário das emoções, Roberto Dinamite. Comecei a ser escravo das lutas cruzmaltinas em 1977, time com Zé Mário, Zanata e Dirceuzinho no meio-campo, Wilsinho ou Fumanchu, Roberto Dinamite.

Ainda que passássemos cinco anos sendo vice-campeões, era justo assistir os combates porque perdíamos com honra,sem jamais tomar goleadas. Éramos inferiores ao time de Zico, mas também sofríamos com arbitragens sacanas que marcavam pênaltis surreais e invertiam faltas para atrapalhar nossas reações.

No passeio ao passado, nada me emociona mais do que o time bicampeão em 1987 e 1988. Sou devedor daqueles caras. Sou admirador número 1 de Geovani(foto), o melhor meia-armador do clube, com todo respeito a Jair Rosa Pinto, Zanata e Juninho Pernambucano. Aos três, faltava a ginga do baixinho trazido do Espírito Santo aos 17 anos.

Geovani era um mágico. Descobria espaços invisíveis para encontrar Roberto Dinamite e Romário livres para balançar as redes adversárias. Geovani dava canetas em Renato Gaúcho, humilhava o maravilhoso Andrade em fintas secas, costurava Ailton e Adílio em espaços milimétricos na relva do Ex-Maracanã, o estádio dos desdentados da Geral. Até Zico tomou lençol.

Em 1988, quando comecei no jornalismo, o Vasco deu cinco surras seguidas no Flamengo. A primeira, no segundo turno, 1×0, gol do falecido volante Henrique. A segunda, um baile de 3×1 sem Romário e com Geovani jogando pelos dois.

Depois, a sensacional virada de 2×1 na primeira partida das finais, Bebeto abrindo o placar para os rubro-negros, Bismarck empatando e Romário dando lençol para definir o placar, com o goleiro Zé Carlos desesperado, tentando esmurra-lo.

Na última do Campeonato Carioca, o Flamengo sufocou o Vasco. Até que o lateral-direito reserva Cocada, que havia sido dispensado pelo adversário, arrancou do seu campo e fuzilou o goleiro Zé Carlos(1×0). O quinto triunfo foi no Brasileiro, 1×0, gol do então menino Sorato.

Aquele time é um sonho que volta para mim em pensamento e imagens de arquivo. Nunca mais haverá outro igual. Forte, cheio de personalidade e talento.

O Vasco de verdade que acabou faz 35 anos e me faz chorar a cada reencontro no Youtube. Acácio, Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Zé do Carmo, Henrique e Geovani; Vivinho, Romário e Bismarck. São onze lendas, nada de 11 nomes banais.

Portanto, reencontrar o que balançou meu coração não é pecado, é amor. Genuíno, sofrido, cheio de suspiros de nostalgia. Agradeço a todos os heróis do Vasco, eternizados na mente de um homem envelhecido e triste, mas orgulhoso escravo da saudade.

semente da derrota

por Rubens Lemos

Na Segunda Guerra, em 1943, os presidentes Getúlio Vargas e Frankin Delano Roosevelt decidiram se unir formalmente numa artimanha decisiva para os aliados no enfrentamento a Hitler e Mussolini. E foi em Natal, o encontro épico.

Também em Natal, o técnico da seleção brasileira, Telê Santana, começou a perder a Copa do Mundo de 1982, ao mexer no time após o amistoso contra a Alemanha Oriental (Brasil 3×1), há exatos 41 anos, dia 26 de janeiro.

Telê definiu após a vitória sobre a Alemanha Comunista (havia ainda o nefasto Muro de Berlim), que o tenebroso centroavante Serginho Chulapa seria o titular em lugar de Roberto Dinamite.

Serginho entrou aos 21 minutos do segundo tempo e marcou um gol aos 39, consolidando a confiança, muito mais para teimosia, de um treinador idolatrado e cujos defeitos se equivaliam às virtudes.

Foi o primeiro jogo da seleção brasileira em Natal e a cidade estremeceu. O escrete ficou hospedado no Hotel Ducal, primeiro arranha-céu da capital em frente à Praça Kennedy, no centro da cidade. Os alemães estavam a poucos metros, no Othon Hotel que de internacional só tinha a placa.

Telê tinha dúvidas táticas. Esperava escolher o camisa 9 e o ponta-esquerda, além de observar jogadores que não eram frequentes em suas listas de convocação.

Veio a Natal, na reserva e na reserva ficou, o espetacular meia Adílio, o Neguinho da Cruzada, camisa 8 campeão mundial pelo Flamengo.

Adílio jogava por 150 Renatos Pés-Murchos, xodó de Telê Santana e autor do primeiro dos seus três gols em quatro anos presente com a camisa amarela. Desempenho de zagueiro, o de Renato, que viajaria para passear e assistir o Mundial na Espanha.

No final do ano anterior, em entrevista à revista Placar, Telê Santana escalava dois times para decidir por um para a estreia contra a União Soviética. Suspenso por ter sido expulso durante as Eliminatórias, Cerezo não jogaria contra os soviéticos.

Então, Telê dizia dois meses antes de desembarcar em Natal: “Meu time terá Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Falcão, Sócrates e Zico; Paulo Isidoro, Roberto Dinamite e Mário Sérgio.

Na volta de Cerezo, que tremeu na Copa de 1978 e amarelaria igual à camisa contra a Itália em 1982, sairia Roberto Dinamite para Sócrates ser adiantado ao comando de ataque. Telê não faria uma coisa nem outra.

A equipe de esportes da Rádio Cabugi AM, campeoníssima de audiência, ocupou uma suíte, transformada em estúdio, sob o comando do narrador Marco Antônio Antunes, o Garotinho da Copa e do comentarista Rubens Lemos.

Às 15 horas, o Castelão estava praticamente lotado. Bombeiros despejavam jatos d’água nas arquibancadas para refrescar os torcedores suando e com sede.

Os portões foram fechados antes das 19 horas, para protesto dos que estavam nas filas gigantescas das bilheterias. Pagaram ingresso, 48.638 torcedores, quinto maior público dos 39 anos de vida do Castelão.

Solícito, Zico era o mais procurado para autógrafos e fotografias, atendendo com paciência os fanáticos. Questionado por insistir em Valdir Peres no gol, quando Leão do Grêmio e Raul do Flamengo estavam bem melhores, Telê tangenciava: “Leão eu só convoco para ser titular e sobre Raul eu não falo”. A implicância contra os veteranos e superiores arqueiros custaria caro na Copa do Mundo.

O Brasil jogou uma partida regular e tomou o primeiro gol aos 34 minutos, em arrancada do atacante Dorner, que chutou sem chance para Valdir Peres.

Quatro minutos depois, em lance iniciado por Mário Sérgio pela esquerda, Paulo Isidoro empatou fazendo balançar as estruturas do estádio. Renato Pé-Murcho virou aos 7 minutos do segundo tempo e Serginho Chulapa completou o placar.

Em Natal, Telê fechou questão por um frangueiro, um péssimo centroavante, afinal jocosamente apelidado de “o melhor zagueiro da Copa” e barrou o genial Mário Sérgio, muito melhor do que o cansado Dirceuzinho das Copas de 1974 e 1978. A guerra consagrou Parnamirim, base militar vizinha à capital , como Trampolim da Vitória. Natal foi a Semente da Derrota, pela intransigência de Telê Santana.

ENCURRALADO

por Zé Roberto Padilha

Não tinha assistido o filme, quando consegui e percebi aquele caminhão desgovernado vindo pra cima, logo me veio a triste lembrança do dia em que fui atropelado. Em campo.

O Fluminense foi enfrentar o Corinthians, no Pacaembu, e Pinheiro, nosso treinador nos Juniores e interino nos profissionais, me levou na delegação. Era reserva do Lula e, aos 19 anos, faria a minha estreia. O Filme “Encurralado” também ia para as telinhas em 1971.

Fiquei na reserva e aos 25 minutos do segundo tempo, 1×0 para gente, Pinheiro me coloca para segurar o resultado. Até ia me saindo bem se Félix, nosso tricampeão, não resolvesse confiar demais em mim e saísse jogando perto da grande área.

No que fui dominar no peito, ela subiu um pouco, o suficiente para um caminhão, disseram que a placa tinha o número 2, me desse um chega pra lá, roubasse a bola, tabelasse com o Vaguinho e, chegando à linha de fundo, cruzado a bola na cabeça do Geraldo. 1×1.

Terminou assim. Entrei meio sem graça nos vestiários, mas logo fui confortado por todo mundo. O caminhão era o Super Zé Maria, lateral da seleção, já uma lenda do Timão. Mas quando entrei no chuveiro ouvi a voz do Gerson. Em direção ao Félix. Não era uma conversa amistosa entre dois tricampeões mundiais.

– Que coisa, hein Papel. No lugar de jogar essa “porra” pra frente, resolve sair jogando com esses “cabaçudos!”. Olha no que deu!

Cabaçudo. Poderia ter voltado sem essa. Era a cruel designação destinada aos recrutas que ousassem se meter com as velhas raposas. Quando a bola escapa, então.

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Tive novas chances que muitos não tiveram. De aprender que sair jogando perto da grande área será sempre um risco enorme. A sorte de Fernando Diniz, e suas cenas de correr riscos à beira da grande área, é que o Super Zé se aposentou. Caso contrário entraria em cartaz : “Encurralado 2!”

E Calegari teria tudo para ser o protagonista do retorno desse clássico dos cinemas. Ou teria outro nome, que não fosse “cabaçudo”, para quem ousa tirar a bola das mãos do Ganso e bater um pênalti daquele jeito?