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DEIXEI MEU CORAÇÃO SANGRANDO NO JUÁ

por Marcelo Mendez

Domingos de chuva são melancolicamente belos. Manhãs que nascem acinzentadas pedem, clamam por um Blues. São manhãs para Fred McDowell cantar Goin Down to The River em lamentos que inspiram muito mais do que Poesias ou Crônicas.

É preciso morrer mil vezes para poder cantar Blues como Fred McDowell um dia cantou. Mil bocas desejadas e não beijadas são necessárias para entender o sentimento do que ele berra em seu Blues. Uma reserva de encanto é extremamente vital para que se chegue perto dessa sagração toda. Cada qual escolhe a que lhe convém. A mim, asseguro aos senhores que tenho a Várzea.

No domingo chuvoso, céu cinza e pesado eu tinha um jogo para fazer em Mauá, no Campo do Juá, entre Dínamo x Mocidade. Ambos de Mauá, cada qual de um bairro. Dínamo do Maria Eneida, Mocidade do Zaíra. Fui para o campo e na beira dele fechei os olhos por uns instantes e viajei:

Fui para um tempo distante, dentro de mim, por algum lugar de mim onde decerto não habita a intolerância nada poética da frieza de se ter razão. Oras… De que adianta ter razão, se o sujeito não for capaz de “viajar”? Óbvio que a razão plena não explica o que sinto todas as vezes que saio de casa para cobrir um jogo de bola na várzea.

A luz fria dos fatos, dirá o outro mais pragmático; “Qual a importância disso tudo Marcelo, seu bardo?” “Porque esse amor todo por essa várzea?

O amor me salvou. De todos os meus infernos vividos, a única coisa que fez sentido em minha vida foi amar. A única coisa que hoje me move é o amor. Sem ele nada em mim existe. Sem amor na vida eu não consigo sequer chupar um chicabom.

Sendo eu dessa forma, não fica nada complicado de entender o que move todos os sentimentos que envolvem uma semifinal de campeonato de futebol de várzea. Nem deu trabalho, foi só abrir os olhos da minha intensa viagem ali realizada e então tudo ficou lindo.

Senhores eu vi.

Enquanto o velho bluesman rasgava meu coração com dedilhados de seu blues, eu olhei para a minha frente e vi o morro do Juá completamente lotado de gente. Mulheres, velhos, homens crianças, todos, a torcer fervo rasamente pelo Dínamo Mauá. Atrás de mim de rostos colados no alambrado gasto do campo, estava a torcida do Mocidade. Todos ali a gritar seus coros, a orar suas preces, a vociferar pragas de não amor contra os que eles julgavam vilões de seus sonhos não realizados.

Nessa hora uma bola que bate trave, adia muito mais que um gol; Ela paralisa uma vida! Por alguns segundos, fica em suspeição o tempo, as horas e os desejos.

Que vilã é a bola que não entra na várzea! Que gol foi aquele de Moalysson para o Mocidade? Que falta bem batida foi aquela em que Biscoito, lateral do Dínamo, empatou o jogo? Que momento de glória teve o goleiro Maizena ao defender a cobrança de pênalti de Edson, definindo assim a disputa da marca da cal!

Festa!

Senhores eu vi!

Eram os mesmos homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, todos ali a pular em mergulhos épicos na lama do campo do Juá, comemorando a vitória de seu time debaixo de uma chuva torrencial e homérica. Naquele momento de glória, suas vidas foram completamente santas. Foram, portanto incondicionalmente felizes.

Vendo tudo isso meus caros, como ficarei impassível? Como serei então “profissional”? As favas com o comedimento! No dia que eu ver o que vi no campo do Juá e não me sentir incontrolavelmente emocionado, nada mais tenho que fazer por aqui. Por conta disso, vivo.

Como se fosse menina me apaixono. Como menino, vivo. Muito feliz…

O JOGO QUE NUNCA TERMINA

por Paulo-Roberto Andel

Vem aí mais um Fla x Flu. Na verdade dois, pela decisão do Campeonato Carioca de 2023, nos próximos dois finais de semana.

Para o maior cronista do futebol brasileiro em todos os tempos, Nelson Rodrigues, o grande clássico inventou a multidão quando o Rio de Janeiro era uma cidade triste, de ruas vazias. Assim foi em muitos jogos eletrizantes na rua Paissandu e no Estádio das Laranjeiras, depois na Gávea e finalmente no Maracanã, seu habitat natural desde 1950. E como o Fla x Flu envolve até as relações familiares, Nelson Rodrigues tinha um grande cronista rival dentro da própria casa: Mário Filho.

Muita coisa mudou, para não dizer tudo: os próprios Rio de Janeiro e Maracanã, hoje muito diferentes de outrora. O Fla x Flu, que facilmente levava 140 ou 120 mil pessoas às arquibancadas, cadeiras e geral, hoje não passa de 70 mil até porque o estádio não disponibiliza todos os ingressos. Mesmo assim, estará lotado pelo contraste das cores e gritos. Todos os bares, biroscas e congêneres estarão cheios de olhinhos atentos à TV, suspirando por jogadas que, de alguma forma, celebrem o futebol de Romeu Pelicciari, Dida, Waldo, Silva, Rivellino, Zico, Ézio e tantas outras feras que escreveram a história desse clássico imortal, único no mundo pela quantidade de gente que já levou ao campo e também porque é o único nascido de uma cisão no ventre: o futebol rubro-negro nasceu de uma dissidência dentro da casa tricolor, como se sabe.

Os homens de 55 anos carregam para sempre os Fla x Flus abarrotados no fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Só nesse pequeno intervalo, jogos antológicos tiveram a assinatura eterna de nomes como Cristóvão, Tita, Paulo Goulart, Luiz Fumanchu, Lico, Nunes (para os dois lados) e, claro, Assis, dentre outros. Já os de 65 primaveras vão se lembrar de Félix, Samarone, Paulo Henrique, Fio Maravilha, Flávio Minuano e grande elenco. Os nonagenários viram tudo que aconteceu no grande Fla x Flu de 1941. E quem já não está mais aqui viu o clássico nascer em 1912. Mas será que não está? Quando o Fla x Flu acontece no Maracanã cheio, parece que tem um milhão de pessoas presentes, entre gente viva e morta, gente que persegue o combate entre as duas camisas para sempre. Parece que todo mundo abraça o Fla x Flu pela eternidade.

Nos últimos anos, Pedro e Gabigol, Cano e até o incrivelmente subestimado John Kennedy têm dado as cartas. A partir do próximo sábado, começará a ser escrito mais um capítulo de um livro infinito, o do jogo que nunca termina. Homens, mulheres e crianças vão gritar, sofrer, rir, chorar, sonhar e registrar momentos que serão carregados para sempre. Seja ao vivo no calor infernal do Maracanã, num restaurante sofisticado com telão ou numa sala de plantão profissional, o Fla x Flu prevalecerá. Pode ser também no radinho humílimo de um trabalhador à portaria ou num trem. Quem sabe numa mesa de botão Estrelão e seus craques de acrílico, ou numa mesa de totó num boteco metropolitano? Ou no futebol de preguinho?

As cores, os gritos, as bandeiras, os contrastes e a velha cisão de 111 anos batem seus tambores como nunca. É Fla x Flu, decisão, literatura e dramaturgia.

O tricolor e o flamenguista andam lado a lado, feito o leão e o tigre numa calçada de Nova York no texto inconfundível de Tom Wolfe. É toda a eternidade que parece ter sido escrita no frescor de ontem.

O ATLÉTICO MINEIRO DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand

No gol, a experiência de Victor, o “São Victor”.

Na lateral direita, o chute forte de Nelinho.

Na zaga central, a boa colocação de Vantuir.

Na quarta zaga, a classe de Luisinho.

Na lateral esquerda, a impetuosidade de Guilherme Arana.

Para volante, a serenidade de Gilberto Silva.

Como meia direita, a polivalência de Toninho Cerezo.

Como meia esquerda, a genialidade de Ronaldinho Gaúcho.

Na ponta direita, a presteza de Paulo Isidoro.

Como centroavante, o espetáculo chamado Reinaldo.

Na ponta esquerda, a técnica de Éder Aleixo.

Victor; Nelinho, Vantuir, Luisinho e Guilherme Arana; Gilberto Silva, Toninho Cerezo e Ronaldinho Gaúcho; Paulo Isidoro, Reinaldo e Éder.

E aí?

Vai encarar?

VALEU A PENA SER UM “CABAÇUDO”

por Zé Roberto Padilha

O Torneio de Paris, em 1975, foi disputado pelos donos da casa, Porto ou Sporting de Lisboa, não me lembro, Atlético de Madrid e Fluminense. Como o PSG ainda não era tão forte, contrataram o maior jogador em atividade. E lhe deram a camisa 10 para dar glamour ao time e ao torneio: Cruyff.

Um ano antes, na Copa da Alemanha, marcou um dos gols com que a Holanda eliminou o Brasil por 2×0.

Quando o Fluminense o enfrentou, eu e Carlos Alberto Pintinho aproveitamos o intervalo e fomos pedir um autógrafo ao Cruyff do outro lado do campo.

Na volta, tomamos uma dura de uma velha raposa mordida, que estava naquele fatídico 2×0, Paulo Cézar Cajú. Nosso ídolo não nos poupou criticas :

– Com Felix, Marco Antonio e Rivelino aqui, tricampeões do mundo, pra que pegar autógrafo de quem não ganhou nada?

E completou:

– São dois cabaçudos mesmo!

Semana passada contei essa história para o meu neto. E mostrei a flâmula que ganhamos. E só agora, 48 anos depois, notei que foi nela que Cruyff nos concedeu a assinatura.

Bem, senhores colecionadores, cartas e propostas para a direção. Não é todo dia que o Cruyff vestiu a camisa que, hoje, pertence a Messi. Estou precisando pagar o IPTU e a assinatura de O Globo.

Acreditem, nem sabia que na galeria de um “cabaçudo” tinha uma preciosidade dessas. E você, Pintinho, guardou a sua?

NOVO FRACASSO DA SELEÇÃO

por Elso Venâncio

Ao longo dos últimos anos, os adversários vêm perdendo o respeito pela antes temida e poderosa Seleção Brasileira. Cheguei a ouvir que Marrocos era favorito, que deu a lógica. Como assim? É a primeira derrota sofrida em toda a História para essa escola africana.

O resultado não pode ser recebido com naturalidade. Ou o jejum superior a 20 anos sem conquistar Copa do Mundo alguma passou também a ser um fato normal?

Flávio Costa disse que o futebol brasileiro cresceu da boca do túnel para dentro do campo. Hoje, a fragilidade é dentro e fora de campo.

Péris Ribeiro, o biógrafo do Didi, acaba de me presentear com o livro “Paulo Machado de Carvalho – ‘O Marechal da Vitória’”. Confesso a falta que faz um ‘Marechal da Vitória’. Um dirigente que, depois de ouvir Didi e Nilton Santos, falou com Feola para escalar Pelé e Garrincha na Copa de 1958, a da Suécia, da nossa primeira conquista mundial.

Tite não deveria ter dirigido a Seleção após o fracasso na Rússia. A derrota nas quartas de final estava anunciada. O técnico convocou veteranos, como Daniel Alves, amigo do Neymar, sem nenhum questionamento. Apenas Telê Santana, o nosso grande comandante, perdeu uma Copa e foi mantido na seguinte.

Mestre Telê foi afastado por Giulite Coutinho, mesmo tendo formado um time que encantou o mundo, em 1982, na Espanha. Passaram pelo cargo Carlos Alberto Parreira, Edu, Evaristo de Macedo, até que, bem próximo à Copa do México, Telê foi reconduzido ao cargo, por Otávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid.

Antes do Mundial no Catar, todos sabiam que Tite não continuaria. A CBF decidiu esperar por Carlo Ancelotti, apostando no italiano, velho conhecido de alguns jogadores e ex-jogadores. A hora seria de Fernando Diniz, pelo que vem realizando, pela idade e pela forma ousada de jogar. Nós deixamos de ser protagonistas quando abandonamos o vitorioso futebol-arte.

Essa onda de técnicos europeus faz o Flamengo sonhar com Jorge Jesus, que se um dia voltar, certamente melhorará o time, sim. Disso não há dúvidas. Só que ele não repetirá o trabalho espetacular, mas atípico, que fez em 2019.

Que também não haja dúvidas em relação a isso.