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O EFEITO MARCELO

por Zé Roberto Padilha

Aconteceu comigo, Cleber, Pintinho, Erivelton, Edinho, Rubens Galaxe, Abel Braga e toda a nova safra tricolor que se apresentava ao profissional. Em 1974, jogávamos direitinho. Quando Roberto Rivellino, PC e Mario Sérgio chegaram, um ano depois, passamos a jogar em um nível que nem sabíamos ser possível alcançar.

Como um sarrafo técnico que sobe, e você tem que ultrapassá-lo caso contrário retorna para o juniores, jogar ao lado da genialidade lhe inspira a buscar o seu melhor.

Se o hotel mudou, de duas estrelas (Paineiras) para cinco estrelas (Nacional), se o Torneio de Joinvile foi substituído pelo Torneio de Paris e se trinta mil pagavam ingressos e triplicou o número de torcedores que iam nos ver jogar, por que seu futebol não alcançaria um patamar acima?

Hoje, a nova geração tricolor vai ter o Marcelo ao lado. Se Nino, André, Martinelli, Alexsander estavam jogando bem, fico a imaginar o que vão jogar com tamanha inspiração ali ao lado.

O modo do aspirante se expressar diante de um ídolo que admira é jogar um futebol à sua altura. Seu cartão de boas vindas será um domínio perfeito, um lançamento correto e um drible que leva um recado na etiqueta: da fábrica Xerém, que lhe formou, somos do último lote.

Com a chegada de Rivellino, PC e Mario Sérgio, nós fomos inspirados a transformar um time em uma Máquina.

ÍDOLOS E MULTIDÕES

por Rubens Lemos

Impossível ignorar o saudosismo na guerra santa do ABC x América. O painel de emoções volta a brilhar no coração de cada privilegiado por ver jogos inesquecíveis no fim da Era Juvenal Lamartine e no frenesi de uma tarde de domingo no gigantismo ondulado do Estádio Castelão (Machadão).

Na década de 1970, há ligeira vantagem do ABC (6×4) em títulos conquistados. O alvinegro foi tetracampeão 1970/73, com destaque para o timaço do último ano, meio-campo eleito o melhor do século passado: Maranhão, Danilo Menezes e Alberi.

O ABC ganhou ainda em 1976 – primeiro ano contra o astro-rei Alberi no América e 1978 somando seis taças contra quatro do América. O time rubro foi bicampeão em 1974 e 75, aposentando boa parte do antes imbatível esquadrão do rival e apresentando um craque capaz de dividir o protagonismo com Alberi.

Era o gigante Hélcio Jacaré, que desafiava a Física com seu corpanzil de jogador de futebol americano, exibindo toques refinados, dribles curtos e chutes potentes.

Para vencer o ABC e quebrar o tabu de quatro anos, o América montou uma orquestra cujo maestro era o técnico Sebastião Leônidas, zagueiro do forte Botafogo de Gerson, Jairzinho e Paulo Cézar Lima, no final dos anos 1960.

O Castelão – nome dado em homenagem ao Marechal Castelo Branco, um dos presidentes do Regime Militar, superlotava a cada duelo. Se a decisão de 1972 levou apenas 10 mil pagantes ao novíssimo estádio, no ano seguinte, 43.144 torcedores ocuparam arquibancadas, gerais e cadeiras numeradas e especiais, para assistir aos 4×2 do ABC sobre o América na finalíssima.

Em 1974, o América conseguiu dois feitos importantes. Derrotou o ABC no Seletivo para o Campeonato Nacional, cujo tira-teima levou 42.119 pessoas para assistir à classificação vermelha na prorrogação, gol de cabeça do meia e ponta-esquerda David.

No estadual, sob o comando de Hélcio Jacaré e com o adversário envelhecido, o América ganhou dois turnos dos três disputados e levou seu primeiro troféu no gramado de Lagoa Nova com o empate por 0x0.

Mudanças

O América azeitava sua máquina e o ABC começava a trocar peças em 1975, substituindo o goleiro Erivan, o lateral-direito Sabará, o quarto-zagueiro Telino, o ponta-direita Libânio, o centroavante Jorge Demolidor e o ponta-esquerda Morais.

Trouxe nomes de qualidade, como os meias Samuel, do Ceará e Zé Roberto, do Palmeiras, mas o América desfilou para o bicampeonato vencendo a última partida por 3×1, gols de Washington, Hélcio Jacaré e Ivanildo Arara, com Samuel descontando para o ABC.

Em 1976, a apoteose popular. Fora de campo, os cartolas fermentavam a rivalidade com o América contratando Alberi e o ABC comprou o jovem atacante Reinaldo, nome principal da retomada da supremacia local. Reinaldo fez o ABC campeão e, antes da final, estava vendido ao Santos(SP).

Em nove pelejas ABC x América disputadas em 1976, 294.529 pessoas passaram pelas bilheterias do Castelão, como se 86% da população da capital tivesse ido às partidas. Natal, segundo o IBGE, contava 343.166 habitantes.

Em 1977, a famosa briga campal entre os 22 jogadores decidiu um campeonato acirrado, em que o ABC venceu o primeiro turno e perdeu os dois seguintes, dando América com o 0x0 no tumulto. Com um time renovado, o ABC ganhou em 1978. O América venceu nos pênaltis em 1979, ano em que pontificou o folclórico artilheiro Oliveira Piauí.

O América dominou a década de 1980 (6×2), conquistando um tetracampeonato nos primeiros anos e um tri no final. Foram seis canecos para a sede da Avenida Rodrigues Alves. O ABC ganhou em 1983 e 1984 e o Alecrim ressuscitou temporariamente levando os títulos de 1985 e 1986.

Os anos 1990 foram alvinegros em considerável maioria com sete conquistas, destaque para o primeiro tricampeonato no Castelão, rebatizado de Estádio João Machado(Machadão) em 1993/94 e 95 e para a vitória espírita de 1999(1×0), gol contra do zagueiro Marcelo Fernandes batendo de efeito contra as próprias redes.

Marcelo Fernandes errou quando tentava chutar a bola para o ataque. O América foi bicampeão em 1991/92 e venceu também em 1996, ano em que alcançou o primeiro acesso para a Série A do Campeonato Brasileiro.

JOGO PARA QUEM TEM NERVOS DE AÇO

por Luis Filipe Chateaubriand

Em 1987, Flamengo e Atlético Mineiro decidiam uma vaga na final da Copa União.

Jogo no Mineirão, o Flamengo tinha a vantagem do empate para se classificar.

Ao Atlético Mineiro, apenas a vitória interessava.

Jogo começado, o Atlético Mineiro começou a dominar.

Mas não por muito tempo…

Aos 22 minutos do primeiro tempo, Bebeto cruzou da direita e Zico, de cabeça, meteu para o gol.

Atlético Mineiro 0 x 1 Flamengo.

Aos 31 minutos do primeiro tempo, novo cruzamento da direita achou Bebeto, que emendou para as redes.

Atlético Mineiro 0 x 2 Flamengo.

Parecia, então, que era “fatura liquidada” para o rubro negro.

Mas só parecia…

Munido de muita raça e espírito de luta, o Atlético Mineiro foi atrás da vitória que precisava.

Aos 15 minutos do segundo tempo, Chiquinho, batendo pênalti, diminuiu.

Atlético Mineiro 1 x 2 Flamengo.

Aos 19 minutos do segundo tempo, Sérgio Araújo “costurou” a defesa do Flamengo, da direita para o centro, na área, e bateu em gol.

Atlético Mineiro 2 x 2 Flamengo.

A partir de então, o jogo foi aberto e equilibrado, com chances de gol de lado a lado.

Até que, aos 34 minutos do segundo tempo, Renato Gaúcho pegou uma bola na intermediária e foi driblando tudo que lhe apareceu pela frente, até tocar para o gol vazio.

Atlético Mineiro 2 x 3 Flamengo.

E assim terminou o jogaço.

O Atlético Mineiro não conseguiu a vitória que precisava, mas vendeu muito caro a derrota – em um dos maiores jogos de futebol que este escriba já assistiu!

O QUE A PROFISSÃO NOS ROUBOU

por Zé Roberto Padilha

Quando fui pela primeira vez ao Maracanã, aos oito anos, fui num fusca que transportava minha famÍlia americana. Apesar do título alcançado pelo América, 2×1, gols de Nilo e Jorge, contra um do Pinheiro, voltei de lá tricolor.

Impossível um garoto não se entusiasmar com aquele mosaico tricolor adornado com nuvens de pó de arroz.

Brigava no colégio pelo Fluminense, discutia em casa, até que um dia o meu América, de Três Rios, recebeu o tricolor das Laranjeiras para nos entregar a faixa de campeões infanto-juvenil. Era o meia-esquerda do time.

Recebi o convite para testes e passei, dos 16 aos 23 anos, todo o aprendizado no clube do meu coração. Conquistei títulos, amigos, me formei atleta e cidadão até que um dia, sem me consultar, no meu melhor momento, titular da Máquina Tricolor, me trocaram com o Doval. E fui jogar no Flamengo.

Acabou o sonho, o amor de jogar pela camisa e virei profissional. Faz parte do manual da vida de um jogador de futebol, mas, dali em diante, roubaram de mim o que o torcedor possui de mais importante: a paixão desmedida.

O fanatismo gostoso que nos leva a bater boca até com nossos mais próximos e queridos, que nos leva a gritar, a todos os pulmões, que Obina é melhor que Eto’o.

Jamais deixarei de ser tricolor. Mas quando subi, recentemente, as rampas do Maracanã para assistir o Fla x Flu, confesso que não sabia se iria para o lado do meu coração ou se o Presidente Francisco Horta reservara para seu ponta-esquerda uma cadeira na outra torcida. A de um clube bacana que me acolheu com todo respeito e consideração.

A vida continua. O Fla x Flu também. No meu caso, um pouco sem graça porque roubaram de mim a paixão irrefletida, doentia, irracional e depositaram no lugar a tão sem graça da razão.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 3

por Eduardo Lamas Neiva

Após o êxtase com a recordação da conquista do Campeonato Sul-Americano de 1919 e a apresentação de “Um a Zero” pelos Oito Batutas, quem toma a dianteira no papo entre os velhos amigos é o Idiota da Objetividade, que, amante do futebol de resultados, contesta a paixão pelo chamado futebol-arte. 

Idiota da Objetividade: – Vocês precisam ter uma visão mais pragmática das coisas. A tática, a estratégia… O jogo de futebol é igual ao xadrez.

João Sem Medo: – Sem essa, Idiota. Foi você que soprou nos ouvidos dos cartolas da CBF pra botarem o Dunga como técnico da seleção duas vezes, né?

Idiota da Objetividade: – Não fui eu, não! Quem faz essas coisas é o Sobrenatural. Mas eu achei boa a opção. Melhor vencer jogando feio, do que perder jogando bonito.

Os outros três, os músicos que subiram ao palco, algumas pessoas em mesas próximas e até o garçom protestam.

João Sem Medo: – Mas não venceu nem jogando feio, Idiota!

Idiota da Objetividade: – Venceu sim, João! A Copa América de 2007 e a Copa das Confederações de 2009.

João Sem Medo: – E serviu pra quê este torneio da Fifa? Perdemos pra Holanda em 2010 nas quartas e voltamos mais cedo pra casa.

Zé Ary se aproxima da mesa.

Garçom: – Senhores, desculpe interrompê-los, mas recebi um pedido das pessoas das outras mesas pra ouvir a conversa de vocês. Estão todos muito interessados.

João Sem Medo: – O papo é a vida do futebol, como eu disse.

Ceguinho Torcedor: – E a verdadeira apoteose é a vaia. E como só os imbecis têm medo do ridículo, vamos estender a nossa conversa, então. Como faremos?

Garçom: – Podem se sentar àquela mesa ao lado do palco que todo mundo vai conseguir ouvi-los muito bem.

João Sem Medo: – Perfeito. Vamos, então.

Enquanto os quatro amigos trocam de mesa, aplaudidos pelos presentes, um grupo musical que está no palco se apresenta: é o grupo Francisco Lima.

Francisco de Oliveira Lima: – Senhoras e senhores, já que a conversa aqui é sobre o “foot-ball”, vamos tocar uma polca de minha autoria que foi a primeira música relacionada a este esporte gravada no Brasil. Foi em 1912…

João Sem Medo (aos amigos): – Ano em que o criador de vocês três nasceu.

Francisco de Oliveira Lima: – … Ou 13, já não me recordo bem. Chama-se, naturalmente,  “Foot-Ball”.

Aplaudido, Francisco de Oliveira Lima e seu grupo começam a tocar.

Os músicos agradecem os aplausos e deixam o palco.

João Sem Medo: – Essa música é do tempo em que o futebol e a música do Brasil ainda eram totalmente influenciados pelos europeus, os ingleses especialmente.

Sobrenatural de Almeida: – A seleção brasileira nem existia ainda e já tinha música sobre futebol no país. Assombroso!

Ceguinho Torcedor: – Assombroso mesmo é que naquele tempo, em dias de regatas do remo, não havia jogos de futebol. Eram chamados à inglesa, de matches ou meetings no field. Depois o futebol ficou tão popular que o remo é que passou a esperar a tabela do campeonato de futebol pra marcar os dias e horários das regatas.

João Sem Medo: – O Flamengo no início resistiu muito a ter um time de futebol, mesmo recebendo nove dos onze titulares do Fluminense que foram campeões em 1911 e mais alguns sócios que trocaram de lado. Teve até um uniforme de futebol diferente do remo, que já era tradicional no clube.

Ceguinho Torcedor: – João, meus amigos, o Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada. O termo, aliás é uma criação do grande Mario Filho, o criador de multidões.

João Sem Medo: – Não é por acaso que o Fla-Flu seja conhecido como o Clássico das Multidões, então.

Ceguinho Torcedor: – Pois então, o que ia dizendo? Ah sim, no primeiro Fla-Flu registrado na História, o segundo time do Tricolor, reforçado apenas por Osvaldo Gomes e Calvert, venceu o antigo primeiro time, que passou a vestir a camisa rubro-negra.

Idiota da Objetividade: – A primeira camisa do futebol do Flamengo era quadriculada.

João Sem Medo: – Que o pessoal chamava de Papagaio de Vintém.

Sobrenatural de Almeida: – Era muito feia, os jogadores até diziam que dava azar. Na verdade, andei jogando contra aquele time de desertores tricolores até arrumarem um uniforme mais bonito.

Alguns na plateia riem.

Idiota da Objetividade: – O primeiro título rubro-negro, em 1914, só veio com a camisa cobra-coral, que tinha listras finas brancas entre as pretas e vermelhas. Os primeiros títulos, pois foi bicampeão carioca, em 14 e 15.

Sobrenatural de Almeida: – Aliás, o primeiro título de remo do Flamengo só veio depois do futebol no clube.

Idiota da Objetividade: – Também foi um bicampeonato, em 16 e 17.

Sobrenatural de Almeida: – Mas não sou muito chegado ao remo.

João Sem Medo: – Com a explosão da Primeira Grande Guerra, os inimigos alemães foram perseguidos também aqui no Brasil. Como a camisa do Flamengo era parecida com a bandeira alemã e lá havia muitos sócios alemães, a camisa e os sócios alemães foram banidos do clube.

Garçom: – Este papo sobre as origens do Flamengo me deram uma ótima ideia.

O garçom se ausenta rapidamente e retorna com o LP das escolas de samba do Rio de Janeiro de 1995. Vai à vitrola, escolhe a faixa certa e põe pra tocar “Uma vez Flamengo…”, de David Correa, Adilson Torres, Déo e Caruso (samba de enredo da Estácio de Sá em 1995.