A SÚMULA DO ÁRBITRO ZÉ GAVETA
por Victor Kingma
Partida memorável da liga Mantiqueirense, no interior de Minas Gerais. O time de Mantiqueira, o Catauá, enfrentaria na final a equipe do vizinho distrito de Passa Três. E novamente, o tradicional e esburacado estádio “Mantiqueirão” seria o palco da grande decisão.
No grande dia a bola rola em clima de enorme tensão e desconfiança, pois os visitantes não se conformavam com a indicação do controvertido árbitro conhecido por Zé Gaveta para apitar a final. Por razões obvias.
Empurrado por sua fanática torcida, que lotava os morros da periferia, o Catauá, que precisava da vitória, joga o tempo todo no ataque, mas o gol não sai.
Zé Gaveta, até que tenta dar uma mãozinha: em duas jogadas duvidosas dentro da área, marca pênalti. Mas Feitiço, goleiro desprezado pelo Catauá e que estava atuando pelo adversário, se vinga e, nas duas ocasiões, defende espetacularmente as penalidades.
O Jogo, tenso, se aproxima do fim e o Passa Três está com a taça nas mãos. Entretanto, um acontecimento extra campo começa a preocupar os seus dirigentes: o coronel Sá Fuentes, o lendário fundador do Catauá, que devido à idade avançada já não freqüentava com tanta assiduidade os jogos, chega ao Mantiqueirão. Montado em seu cavalo, traz, como era tradição dos Sá Fuentes, o famoso trabuco 38 na cintura.
Informado de que o jogo estava acabando e que seu “amado time” ia deixando fugir o titulo, o coronel adentra a cancha montado no tordilho e disparando tiros à torto e a direito.
Seguem-se quinze minutos de pânico total. Os jogadores, apavorados, fogem para o vestiário, e a partida, é interrompida.
A decisão fica em suspense até o dia seguinte, quando “Sua Senhoria” entrega na sede da liga regional, a súmula esclarecedora.
Eis o relato “insuspeito” do árbitro Zé Gaveta:
“Aos 42 minutos do segundo tempo, com o placar em 0 x 0, a peleja teve que ser interrompida, pois a cancha foi invadida por um cavalo selvagem, que corcoveava, alucinado, e desferia coices para todo lado.
O Coronel Sá Fuentes, que montava o quadrúpede, fazia de tudo para contê-lo, mais a besta fera mostrava-se indomável. Preocupado com a segurança dos jogadores o coronel ainda desferiu vários tiros para alertar os atletas quanto à presença do feroz animal.
Registro ainda que alguns incidentes foram verificados e dois desses tiros de alerta acabaram furando uma das bolas e atingindo, por casualidade, o pé do atacante Canhoteiro, do Passa Três.
Serenados os ânimos fui aos vestiários e chamei os times para jogarem os três minutos finais. “Entretanto, como a equipe do Passa Três, “INEXPLICAVELMENTE” se negava a voltar a campo, dei como encerrada a contenda e registrei a conseqüente vitória do Catauá, que assim se sagrou campeão, por causa do abandono do campo por parte do adversário.”
MAIS DO QUE UMA MULHER, UM MILAGRE
por Zé Roberto Padilha
Nem dá para imaginar como ela surgiu. Em nosso país, pouca coisa mudou desde a Grécia Antiga. Por lá, berço de quase tudo, as mulheres ganhavam bonecas, e iam cuidar da prole, tanque e cozinha, e os homens soldadinhos de chumbo, para irem à guerra.
Nascer em Dois Riachos, Alagoas, e gostar de jogar futebol, só mesmo entre os homens. E foi entre eles que se meteu, contra os conselhos dos pais, e exerceu sua vocação com a cara, coragem e talento.
Quando viu que levava jeito, ninguém a segurou. Juntou dinheiro com parentes e amigos e, aos 14 anos, veio fazer testes no Vasco. Dali pra frente, o mundo conhece e reconhece, mais que a gente, toda a história da mulher mais consagrada da história do futebol mundial.
Foi escolhida seis vezes, sendo cinco consecutiva, a melhor jogadora de futebol do mundo pela FIFA. E quando vai participar da sua sexta olimpíada, com 116 gols marcados pela seleção brasileira, ajuda a geração pela qual abriu todas as portas e alcançou nossa segunda medalha de prata…
Na cerimônia de encerramento, a honra de carregar a bandeira da delegação brasileira ficou com Ana Patrícia e Duda. Que tem seus méritos a dupla medalha de ouro no vôlei de prata feminino, ninguém discute, mas essa escolha traduz bem o tamanho da memória, bem curta, a extensão da gratidão, bem longa, que o Brasil reserva aos seus ídolos.
Marta carregou na despedida, em Paris, a bandeira do seu país no batom. Um brilho com que marcou território e provou que futebol é pra quem sabe. Não pra quem é homem.
O SONHO IRREAL DE BENTO
por Elso Venâncio
O ótimo goleiro Bento, ex-Athletico-PR, tinha um sonho na contramão dos jovens de hoje que, já nas categorias de base, pensam em jogar num clube estrangeiro. Bento recusou proposta milionária do Al Nassr, da Arábia Saudita: “Minha prioridade é a Seleção. Lá fora, vou ficar escondido”. Dois dias depois, porém, mudou de posição: “Conversei com Taffarel, e ele me garantiu que posso ir; que não deixarei de ser observado com a transferência”. Dentre os argumentos lembrados por Taffarel, um foi o fato de ele próprio estar há anos no exterior. Taffarel é o treinador de goleiros da Seleção e do Liverpool.
O Furacão, por sua vez, aceitou a proposta de 18 milhões de euros (cerca de R$ 107 milhões) por Bento. No Al Nassr, o goleiro vai receber R$ 100 mil por dia. Talvez, daqui a algum tempo, o seu carinho pela Seleção diminua ou até deixe de existir, a exemplo dos que jogam fora e hoje são convocados. A Seleção perdeu a identidade com o torcedor. A chama da paixão, que era forte, vai se apagando a cada ano. E a recíproca é verdadeira por parte dos “estrangeiros” que vestem a camisa amarela.
Ex-Palmeiras e hoje no Real Madrid, Endrick foi criticado por declarar, após a Copa América, que muitos jogadores “poderiam estar aproveitando as férias”. A declaração soou como um indicativo de que os torcedores deveriam agradecer pela disponibilidade dos atletas. Os “europeus” não têm culpa, pois estão com a vida resolvida e, para eles, tanto faz perder ou ganhar. Não enfrentam a cobrança das ruas. Terminada a competição, uns vão para Londres, Madri, Turim, com uma esticada em Ibiza e até em Lisboa, onde muito desconhecido é chamado, e por aí vai…
No tempo em que éramos protagonistas, sem a enxurrada de “estrangeiros”, o anúncio da convocação era um momento especial, acompanhado por jogadores, torcida e imprensa. “Zagallo chama Romário?”; “Luxemburgo convoca Marcelinho Carioca?”; “Neto vai ser lembrado?”. Havia um bairrismo saudável e compreensivo entre Rio e São Paulo. Os baianos comemoravam a convocação do Bobô!
Temos que voltar a jogar o futebol brasileiro, parando de imitar o exterior. Até o Maracanã, com seu padrão FIFA, virou um estádio europeu. A Seleção deve jogar mais no país, tendo atletas que atuam no nosso futebol.
A atual sexta colocação nas Eliminatórias sinaliza que estamos na maior crise técnica da história. Afinal, é o limite da classificação direta para a Copa do Mundo de 2026, no México, Canadá e Estados Unidos. O Brasil nunca vai passar o vexame de ficar fora de um Mundial? Não sei…
NÃO SE TRATA UM ÍDOLO ASSIM
por Zé Roberto Padilha
O Fluminense, como tantos outros clubes, teve grandes times em sua história. Ídolos, foram poucos. Não é comum um atleta permanecer muitos anos defendendo o mesmo clube, se identificar com sua camisa e ser decisivo em importantes conquistas. Caso seja carismático e ainda artilheiro, está feita a idolatria.
E tal raridade se consolida e se candidata a virar estátua. Para mim, Fred vem se juntar a Valdo, Denilson, o “Rei Zulu”, Castilho e Rivellino. Um clube bem fechado.
Acontece que, por serem ídolos, recebem um carinho todo especial dos torcedores. E esse sentimento único, o tal afago, se incorpora na personalidade de todo atleta que lida com multidões. Daqueles que não dão um passo no BarraShopping sem serem abordados. Mas quando se despedem…
A memória do torcedor é mais forte apenas do que a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói.
Fred, quando decidiu parar, pensou que se afastaria apenas dos gramados. Mas ao deixá-lo, a midia, a torcida, as reverências foram embora juntos. E os refletores se apagaram também.
Nesse momento em que ele, Fred, pede um tempo, seria importante o torcedor tricolor, o mesmo que vai pichar o muro quando perde, aquela mesma torcida que se monoliza para erguer o mais belo dos murais, realizar um movimento “Fica, Frederico!”.
Como disse, ele não pediu para ser ídolo de alguém. Mas já que o escolheram, idolatraram, não é justo virar-lhe as costas quando troca a chuteira pelo sapato. O manto amado por um blazer.
Mesmo porque o coração, tricolor igual ao nosso, continua o mesmo.
RECORDANDO A MAESTRIA DO FUTEBOL DE DICÁ E ZENON
por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Dois dos melhores meio-campistas do país na segunda metade da década de
1970 e início dos anos 1980 brilhavam vestindo a camisa 10 da Ponte Preta e
do Guarani de Campinas, cidade tida na época como um importante centro do
futebol brasileiro, com seus dois clubes revelando grandes jogadores e
rivalizando com os principais clubes do estado de São Paulo e do Brasil.
Estamos falando dos craques Dicá e Zenon, maestros de duas equipes que
jogavam um futebol refinado, solidário e de impressionante verticalidade.
Na Ponte Preta vice-campeã paulista de 1977, 1979 e 1981, e de belas
campanhas no Brasileirão do período, Dicá se sobressaía como um regente de
uma autêntica orquestra filarmônica de jogar futebol, tamanha era a harmonia
demonstrada pelo time dentro das quatro linhas. A escalação base daquela
Macaca ainda está na ponta da língua dos seus torcedores mais antigos e dos
amantes do futebol, inclusive aqueles com problemas de amnésia, pois
estamos falando de uma formação inesquecível: Carlos; Jair Picerni, Oscar,
Polozzi e Odirlei; Vanderley, Marco Aurélio e Dicá; Lúcio, Rui Rei e Tuta.
Revelado nas divisões de base da Ponte e com passagens no Santos e
Portuguesa de Desportos, Dicá sempre chamou a atenção pela inteligência,
capacidade técnica e antevisão privilegiada na armação de jogadas, além de
ser dono de chutes potentes e certeiros e um exímio batedor de faltas, sendo a
mais famosa aquela que adiou o grito de campeão de 140 mil corintianos no
Morumbi, na segunda partida da decisão do Campeonato Paulista de 1977.
Dicá é até hoje o jogador que mais vezes defendeu a equipe alvinegra e o seu
maior artilheiro, com 155 gols.
Por sua vez, o Guarani campeão brasileiro de 1978 e de excelentes colocações
no campeonato paulista, cujo time base formava com Neneca; Edson, Mauro,
Gomes e Miranda; Zé Carlos, Renato e Zenon; Capitão, Careca e Bozó, tinha
em Zenon a sua fonte de criatividade. Dos pés desse extraordinário craque
nasciam as principais jogadas de ataque do Bugre, muitas delas concluídas
pelo próprio, ou num chute colocado ou numa cobrança de falta com perfeição,
tal como testemunhou a torcida do Vasco da Gama durante a semifinal do
Brasileirão de 1978, quando assistiu, incrédula, a uma exibição de gala de
Zenon, autor de dois golaços que eliminaram o clube carioca em pleno
Maracanã. Formado e profissionalizado pelo Hercílio Luz de Santa Catarina,
Zenon se destacou no Avaí, onde se sagrou campeão catarinense em 1973 e 1975.
No ano seguinte, desembarcou em Campinas para defender o Guarani e se firmar
como um dos grandes meio-campistas do futebol brasileiro, que ainda brilharia
no Corinthians e no Atlético-MG.
Hoje com os dois clubes campineiros se arrastando para, no máximo, se
manterem na Série B do Campeonato Brasileiro e na elite do estadual, restam-
nos as doces recordações de jogos maravilhosos, especialmente os dérbis que
colocavam frente a frente a Ponte Preta de Dicá e o Guarani de Zenon, um dos
clássicos mais disputados do país. Naquela época, o torcedor campineiro
comparecia com gosto e orgulho ao Moisés Lucarelli ou ao Brinco de Ouro da
Princesa, pois tinha a garantia de presenciar um grande espetáculo, não só
pela rivalidade entre as equipes, mas, sobretudo, pela entrega de um futebol
com elevado nível de qualidade e emoção. Velhos tempos, belos dias!