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CHOCOLATE à LA FERNANDO DINIZ

por Marcos Vinicius Cabral

O Fluminense não chega a ser um grande time. Mas está longe de ser ruim. É uma equipe equilibrada. No entanto, o ponto forte vem exatamente do banco de reservas: Fernando Diniz. O treinador tricolor completa um ano à frente do clube no próximo dia 30 de abril, quando chegou ano passado às Laranjeiras no lugar de Abel Braga.

Pelo Fluminense, o estilo Dinizismo de jogar, adotado desde então, vem sendo utilizado cada vez mais nas partidas. Principalmente contra o Flamengo.

Na deste domingo (09) de Páscoa, na decisão do Campeonato Carioca de 2023, a vitória por 4 a 1 teve recheio de “olé” e “créu”, cantarolados nas arquibancadas com mais de 60 mil pagantes.

O futebol apresentado pelo Fluminense coroa o ‘novo’ melhor futebol do Brasil, que até pouco tempo era o sinônimo usado para se referir ao Flamengo.

O trabalho de quatro meses de Vítor Pereira não se solidifica. Sem padrão tático e esquema indefinido, ninguém sabe quais os 11 titulares. O esquema com três zagueiros tem mais erros do que acertos e o atual campeão da Libertadores e da Copa do Brasil é, nada mais, do que uma caricatura nas mãos ou bloquinhos de anotações do treinador português.

Sob o comando de Vítor Pereira, o Flamengo perdeu a Supercopa, o Mundial, a Recopa a Sul-Americana e o Carioca. A torcida exige que a diretoria demita Vitor Pereira e ela continua ‘enxugando gelo’ nessa questão.

No Fla-Flu que deu ao Fluminense o 33° título Estadual, o erro desta vez cometido por Vitor Pereira foi escalar Gabigol entre os titulares. A volta à equipe do camisa 10 tirou a intensidade e a condição de competir conquistados no primeiro jogo.

Com a sucessão de gols acontecendo, o que se viu foi uma sucessão de equívocos em substituições aleatórias. Tarde demais, o estrago estava feito.

Alheio a tudo isso, Fernando Diniz se estabeleceu de uma vez por todas no cenário carioca. Tem um grupo nas mãos e a confiança do elenco. Não chega a ser o ‘paizão’ que Joel Santana foi um dia, mas é o ‘brother’ mais velho para os jogadores.

A zaga, composta por Nino e Manoel/Felipe Melo/David Braz, dá segurança ao goleiro Fábio. O meio campo é a ‘válvula de escape’ desse time, que troca passes desde a defesa e chega com objetividade ao ataque. Marcelo caiu com uma ‘luva’ no planejamento tático e fez uma ótima estreia. Cano é o Gabigol, e Arias, o Bruno Henrique, nas versões de 2019 do Flamengo. Ou seja, se completam. Ganso dita o jogo com toques rápidos e de primeira. E André é o melhor volante do futebol brasileiro.

Não sabemos se Fernando Diniz vai longe na carreira ou conquistar títulos expressivos. Mas o Dinizismo começa a dar sinais eficientes na maneira de jogar e vive um momento especial como foi no Osasco Audax, em 2016.

Não podemos afirmar se Fernando Diniz vai longe na Libertadores, na Copa do Brasil e no Brasileiro. Mas se as partidas contra o poderoso Flamengo fossem consideradas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o jovem treinador gabaritou a prova.

ENTREVISTA COLETIVA

por Claudio Lovato Filho

O treinador se acomodou na poltrona, ajeitou o microfone à sua frente e passou os olhos pela sala lotada de jornalistas.

“Bom dia”, ele disse, num tom de voz de quem, na verdade, estava dizendo “vão pro inferno”.

O assessor de imprensa, que de tempos em tempos olhava para o treinador com nítida preocupação, avisou que a entrevista coletiva iria começar, mas, quando se preparava para iniciar a chamada dos repórteres, seguindo, como de praxe, a lista de inscrição, ouviu um pedido do técnico.

“Ô, Zeca, só um segundo, por favor. Eu quero dizer umas palavras antes das perguntas”.

O silêncio se fez por completo no auditório recém-reformado, todo decorado em diferentes tons de amarelo e cinza, as cores do clube. Zeca, o assessor de imprensa, passou a mão no cavanhaque, ajeitou os óculos de aro fino e sentiu a pressão arterial subir.

“Claro”, disse.

Um burburinho ameaçou se formar.

“Pessoal, só um minuto, um minuto, por favor”, pediu o assessor.

“Professor, fique à vontade”, disse, e fez um sinal em direção ao microfone do técnico.

O treinador pigarreou. Pigarreou de novo. E mais uma vez. Então, por fim, falou.

“Eu gostaria de dizer a alguns repórteres que estão aqui que eu acho que vocês estão na área errada. Em vez de trabalhar com futebol deveriam escrever em publicações de fofoca”.

O burburinho desta vez veio com tudo. Zeca, o assessor de imprensa, levantou os dois braços num nervoso e infrutífero pedido de calma.

“Então agora a vida particular do técnico e dos jogadores é assunto de, como é que vocês chamam, ‘reunião de pauta’?”, indagou, irônico, o treinador. “É assim que vocês chamam, né, ‘reunião de pauta”, acrescentou explicitando seu desprezo na pronúncia lenta, feita sílaba a sílaba.

Foi adiante: “Não respeitam nem problema conjugal! Vocês chamam isso de jornalismo?”
Ele ainda não havia terminado: “E daí se eu jogo pôquer, canastra, pontinho, biriba, dama ou dominó? Hein? O que é que isso tem a ver com o meu trabalho aqui no clube…”

“Turfe também”, alguém disse lá de uma das fileiras do meio, no volume certo para ser ouvido por todos os que estavam à sua volta, alguns dos quais não fizeram questão de conter o riso. “Os cavalinhos”.

“… e até a bebida que eu tomo é assunto! Vocês estão mais preocupados com esse tipo de coisa do que…” – o rosto do treinador tinha ficado vermelho escarlate, e ele agora enfrentava uma evidente dificuldade para articular as palavras – “… do que com o esquema tático do time!”

“Que esquema tático?”, a mesma voz se manifestou, anônima, mas audível, para deleite dos colegas em seu entorno.

Foi nesse momento que, lá no fundo da sala acarpetada, ouviu-se um barulho de coisa quebrando, plástico ou madeira, e um grito, “Ai, tá maluco!?”, e outro barulho de impacto, superfície dura contra superfície nem tão dura, e outro grito, agora com um pedido de socorro agregado, “Me ajudem, me ajudem aqui”, e então os seguranças do clube finalmente interferiram e o que se viu foi um jovem com agasalho do clube, que de imediato foi identificado como membro da comissão técnica, e um colunista de um portal de notícias, sendo separados. Zeca, o assessor de imprensa, que agora sentia a coluna começar a travar, olhou para o técnico, que, de pé e com as mãos na cintura, sua pose preferida, olhava fixamente para um dos jornalistas sentados numa das fileiras do meio do auditório, e esse repórter aparentemente preferiu não dar sopa para o azar, levantou-se e foi saindo, esgueirando-se pelo corredor lateral, mas, ao abrir a porta, foi arremessado de volta para dentro por uma jovem alta, corpo esguio realçado pelos sapatos de salto altíssimo, que olhou para o repórter caído como se ele fosse uma folha seca na calçada, uma folha seca e amarela e triste ao lado de outras mil, e, por fim, gritou: “É isso mesmo! Eu e o Jales estamos nos separando!”, e disse isso olhando para o jovem da comissão técnica, que não se chamava Jales, mas Alberto Carlos, Albertinho, que ainda era contido por um segurança, e foi então que um estrondo veio lá da frente do auditório, e era o púlpito usado por Zeca, o assessor de imprensa, que havia ido para as cucuias, desabado, espalhando papéis, microfone e celular no chão, e junto com isso tudo o próprio Zeca, que apesar de ter o rosto pressionado contra o tapete novo e felpudo, dizia “deu, deu, chega, vou embora, vou embora…” E como se tudo isso não bastasse ainda havia uma parte muito impactante para se agregar ao enredo, e de repente o auditório foi invadido por um grupo de mais ou menos vinte representantes das três maiores torcidas organizadas do clube, e eles se dividiram na tentativa de se aproximar do repórter, que ainda tentava se erguer, e do treinador, a quem dirigiam xingamentos, e quando o treinador fez menção de partir para cima dos invasores foi puxado pelo braço por um jovem jornalista da equipe de Zeca, um jovem jornalista que já havia aprendido a arte safada de vazar informações para a imprensa e que agora só conseguia dizer “vamos vazar, professor, vamos vazar”.

Nas horas que seguiram ao espetáculo bizarro ocorrido no auditório de entrevistas coletivas do clube, muitas matérias foram publicadas e exibidas nos sites, portais, rádios e TVs relatando para a cidade, o estado, o país e o mundo o que havia acontecido ali naquele final de manhã.

Meia dúzia de boletins de ocorrência foi registrada. Outros dois casamentos foram desfeitos. Uma comissão técnica inteira ficou desempregada, a equipe de seguranças foi substituída por completo e a assessoria de imprensa do clube, terceirizada. (Acrescentando-se a isso a rapidíssima negociação de Jales, volante promissor criado na base do clube, negociado com um clube do Uzbequistão.)

Para a empresa de prestação de serviços de assessoria de imprensa que estava chegando ao clube, a principal determinação vinda diretamente da presidência dizia respeito à retomada das entrevistas online, via aplicativo de videoconferência. Até segunda ordem, as coletivas presenciais estavam suspensas.

E foi isso.

A HABILIDADE E O EQUILÍBRIO SÃO MEIOS DE PROTEÇÃO

por Zé Roberto Padilha

É preciso que a história do futebol brasileiro faça justiça a Zé Mário. A partir dele, do seu equilíbrio, classe e senso de organização (era praticamente incaível) apresentado na década de 70 atuando tanto no Flamengo, Fluminense e Vasco, valorosos e aplicados cabeças-de-área foram sendo substituídos por jogadores mais hábeis.

Um processo natural de evolução técnica capaz de permitir que André, hoje, vista a camisa de Denilson, o Rei Zulú. E Thiago Maia a de Liminha. Graças ao talento de Zé Mário, o Vasco fez de Guiñazu seu último guerreiro. E foi permitido ao futebol escalar jogadores mais talentosos à frente de suas zagas.

Um dos segredos do Zé Mário, e só notei porque joguei ao seu lado, era sempre dominar a bola com o pé de apoio. Como era destro, dominava com a canhota e a boa já estava com o dedo no gatilho direito. Parece pouco porque inverte a lógica em um nível de detalhamento quase imperceptível.

Simples mortais, como eu, dominam com a canhota, ajeitam o corpo e só depois realizam o passe. São frações de segundos que podem custar um contra-ataque causado por uma bola roubada de frente a uma zaga desarrumada.

Juro que tentei fazer o mesmo, dominar a bola com o pé que pegava o bonde. E como treinei. Mas era tarde, são fundamentos vindos da base, do berço, dos Deuses.

Fernando Diniz só ousa insistir no toque de bola para iniciar as jogadas do Fluminense porque viu Zé Mário e Carlos Alberto Pintinho enfrentarem nosso saudoso Badeco. E se dá ao luxo de por ali escalar um Martinelli.

E foi a partir do seu pioneirismo que, na posição mais difícil do futebol, a única que você joga de costas para o gol adversário e onde não é permitido errar passes, foi provado que pode e deve existir vida inteligente.

GRAN FINALE: TEM FLA x FLU NA DECISÃO CARIOCA

por Paulo-Roberto Andel

O Fla x Flu é uma instituição de tamanho poder que os paradigmas se alteram subitamente. Por exemplo, no sábado passado o Flu era melhor antes do clássico começar, mas deu Fla em péssima jornada tricolor no segundo tempo. Assim o Flamengo construiu uma significativa vantagem por 2 a 0, e começará o segundo jogo com a mão na taça (pelo menos até o apito do início da partida), só que as coisas não são tão simples assim num confronto de 111 anos.

Vejam o meio de semana, com o início da Copa Libertadores. Favorito, ainda que com seu time poupado, o Flamengo pensou diante do modesto Aucas do Equador, enquanto o Fluminense venceu o peruano Sporting Cristal com total autoridade. Ok, a Libertadores é uma coisa e o Carioca é outra, mas os resultados recentes impactam sim a decisão monumental do próximo domingo. O melhor termômetro da situação esteve nas gozações da quinta-feira, quando os tricolores cresceram diante dos rubro-negros nas conversas de rua, com o auxílio luxuoso de alvinegros e cruz-maltinos porque o Rio é assim.

Há quem diga que o Flamengo tem mais time. Para outros, não é bem assim: o clube da Gávea tem é conquistas mais recentes, mas os jogadores meio que se equivalem. E mais dinheiro também, só que este não entra em campo. Já a história conta, e se o Rubro-negro andou superando o Tricolor nas decisões mais recentes, perdeu a do ano passado e a da Taça Guanabara de 2023. Em contrapartida, o Fla não perde uma decisão de título por três gols de diferença desde 1966. Só que o time que mais o superou em decisões é justamente o Flu. Enfim, equilíbrio é o que não falta à grande decisão.

Com o Maracanã apinhado de acordo com os tempos modernos, mais o verdadeiro Carnaval dos cambistas, a noite de domingo promete. Não há certezas, mas suposições. Quem será o grande herói? Ninguém sabe. Mais uma vez: a vantagem de dois gols é muito significativa para o Flamengo, mas só se materializa no decorrer do jogo. Na hipótese de um gol tricolor no começo da decisão, tudo pode mudar drasticamente.

A história mais que centenária do Fla x Flu já foi escrita por inúmeros personagens definitivos e efêmeros, de Barthô a Flávio Minuano, de Russo a Germán Cano, de Zinho a Pedro, mais Edinho, Aldair, Nildo, Adriano, Amauri e tantos outros. Vem aí mais um capítulo do jogo que nunca termina, que mexe com o Rio, o Brasil e as atenções do mundo. Se o Campeonato Carioca já não tem a expressão de antigamente, uma coisa é certa: não haverá uma pessoa viva ou morta dentro do Maracanã em dúvida sobre a emoção do clássico eterno.

Por fim, que o Fla x Flu tenha arredores muito diferentes do sábado passado, quando um criminoso fuzilou dois torcedores, matando um deles e ferindo gravemente o outro. O futebol precisa ser libertado da violência estúpida que o cerca nos estádios, o que só se faz com inteligência e sem casuísmo barato. O Fla x Flu é decisão, festa e alegria. Chega de ódio, chega de crimes por não se respeitar o amor pelo time alheio. Chega!

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 4

por Eduardo Lamas Neiva

O samba de enredo em homenagem ao centenário do Flamengo não animou muito os quatro amigos, mas vendo a empolgação de muitos dos presentes, eles acompanharam respeitosamente a execução da música, com alguns comentários entre eles que não foram captados. Mas o time rubro-negro e seu rival tricolor continuaram na pauta da mesa.

Ceguinho Torcedor: – O Flamengo começou a ficar popular naquela época. Tinha a festa do reco-reco, que era homem dançando com homem. Jogador do Fluminense não ia a reco-reco. E as mocinhas passavam correndo pela garagem do Flamengo pra não ver aquela pouca-vergonha.

Um novo grupo de músicos já está no palco e a cantora Lila Olive, passando pela mesa dos 4 amigos, ouve a conversa e não deixa de comentar.

Lila Olive: – Num Fla-Flu, tem sempre sururu. Vamos cantar, ouçam só!

A diversão com a embolada “Fla-Flu”, composta por Camburé Silva, é total em todas as mesas. Depois dos aplausos, os nossos quatro amigos retomam a pelota e dão tratos à bola.

Sobrenatural de Almeida: – No Botafogo também tinha o reco-reco.

Ceguinho Torcedor: – No meu Tricolor não se admitia isso. Mas o Flamengo começou a levar o reco-reco pra rua e fazia um carnaval fora de época que foi atraindo o povo. As noites de qualquer domingo passaram a ser de carnaval, graças ao reco-reco do Flamengo.

Garçom: – Humm, a história que me contaram foi a do time que passou a ser popular por treinar na rua, perto do povo. Não foi isso?

Ceguinho Torcedor: – Como o Flamengo, que ficava na Rua Paissandu, não tinha campo, os jogadores passaram a treinar no gramado do Russel, na Glória. Aí juntava a garotada e os marmanjos pra verem os jogadores do Flamengo treinar.

Sobrenatural de Almeida: – O campo ficava cheio. De gandulas. Qualquer chute fora, iam correndo uns 20 garotos atrás da bola.

Garçom: – Então não foi só o Flamengo que foi ficando popular, mas o próprio futebol.

João Sem Medo: – Sim, Zé Ary, e a garotada louca pra bater uma bola.

Sobrenatural de Almeida: – Com isso, passaram a aparecer nos estádios as primeiras fitinhas rubro-negras nos chapéus de palha, exclusividade dos tricolores até então.

João Sem Medo: – As fitinhas eram encomendadas da Inglaterra, por isso eram usadas pelo torcedor da arquibancada, aquele mais rico. O povão ficava na geral.

Ceguinho Torcedor: – Mas mesmo o torcedor da geral, nas Laranjeiras, queria mesmo ser igual aos brancos, da elite, do clube fidalgo, tricolor. Alguns, pretos, mulatos ou mesmo brancos pobres, procuravam se vestir elegantemente.

Sobrenatural de Almeida: – As moças só ficavam na arquibancada. Muitas que antes acompanhavam suspirando os musculosos rapazes do remo, nos dias de regatas, passaram aos poucos a se encantar mais com os jogadores de futebol.

João Sem Medo: – Naqueles primeiros anos do futebol no Brasil, o árbitro advertia os torcedores que fizessem barulho fora da hora. Dava uma espécie de cartão amarelo, que não existia ainda, claro.

Ceguinho Torcedor: – Fui advertido várias vezes, várias vezes.

João Sem Medo: – Você deve ter dado muito trabalho, junto com o Gravatinha.

Ceguinho Torcedor: – Uma vez quase fomos expulsos. Mas certa vez foi até interessante: existia um juiz que era um canalha em estado de pureza, de graça, de autenticidade. Um domingo, ele vai apitar um jogo decisivo. Que fazem os adversários? Tentam suborná-lo. Ora, o canalha é sempre um cordial, um ameno, um amorável. E o homem optou pela solução mais equânime: — levou bola dos dois lados. Justiça se faça a ele: — roubou da maneira mais desenfreada e imparcial os dois quadros. Ao soar o apito final, os 22 jogadores partiram para cima do ladrão. Mas o gângster já se antecipara, já estava pulando muros e galinheiros. Era uma figurinha elástica, acrobática e alada. Isto foi em 1917. O juiz gatuno está correndo até hoje.

Todos riem muito.

João Sem Medo: – Essa coisa de juiz advertir torcedor que fizesse barulho ocorria mais pela Zona Sul, em clubes como Fluminense e Botafogo. Lá em Bangu a coisa era diferente.

Idiota da Objetividade: – É verdade, The Bangu Athletic Club era formado pelos ingleses da fábrica e alguns operários, brancos pobres, mulatos e negros também. E naqueles primeiros anos do futebol no Rio de Janeiro, no início do século XX, começou a haver aquela distinção de clube dos grandes e dos pequenos, porque os times de Fluminense, Paysandu e Botafogo, por exemplo, eram formados por ingleses, alemães e brasileiros abastados, quase todos brancos.

Ceguinho Torcedor: – Os que tinham pele negra só eram aceitos se fossem de família abastada também.

João Sem Medo: – E eles procuravam se vestir, até pra jogar, com as melhores roupas da época.

Sobrenatural de Almeida: – Pois em Bangu, começou essa rivalidade que levava a torcida a não aceitar derrotas em casa.

João Sem Medo: – O grande Mario Filho nos contou estas histórias no clássico “O negro no futebol brasileiro”. Aliás, o Mario Filho é o tio de vocês. Afinal era irmão de Nelson Rodrigues.

Ceguinho, Sobrenatural e Idiota concordam.

Ceguinho Torcedor: – É verdade. Mario Filho foi o criador das multidões!

Garçom: – E veja que absurdo, “seu” Ceguinho, quase tiraram o nome do Mario Filho do Maracanã há pouco tempo. Ainda bem que recuaram.

Ceguinho Torcedor: – Seria uma injustiça colossal!

Sobrenatural de Almeida: – Se confirmassem este absurdo,  o estádio que virou arena seria amaldiçoado, desmoronaria em ruínas de tantas podridões depositadas em suas entranhas ao longo dos anos por lorpas, pascácios, interesseiros minúsculos, e seria transformado definitivamente num coliseu, num Parthenon brasileiro.

Os amigos dão uma dispersada. Um vai ao banheiro, outro cumprimenta alguém de outra mesa, outro faz umas anotações num guardanapo, e Zé Ary vai, então, ao rádio mágico do restaurante e sintoniza na composição de João Fellipe Ramos e Maurício Lage para a exposição “Mario Filho: o criador das multidões”, ocorrida no Rio de Janeiro no início dos anos 10 do século XXI. 

Confira o capítulo anterior:

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 3 » Museu da Pelada