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HENRICÃO: A LENDA VENCEU O TEMPO

por Mauro Ferreira

O tempo tem a estranha mania de querer apagar a memória e tentar roubar da história suas mais preciosas lembranças. Primeiro campeão brasileiro de futebol, Henricão, zagueiro da equipe do Bahia de 1959, ainda guarda retalhos dos três jogos da final contra o Santos. É o único vivo do time. Em sua casa, na bucólica Miguel Pereira, interior do Rio, um gramadinho bem tratado cuida de manter viva a tal história que o tempo insiste em dar fim: é o ESTÁDIO HENRICÃO.

“Dorval, Mangálvio, Coutinho, Pelé e Pepe”. A linha de ataque do Santos permanece viva e é citada infinitas vezes pelo senhor de 89 anos, carioca nascido no Méier e criado na Pavuna. Também não esquece os títulos de campeão baiano e vai contando nos dedos, um a um: “campeão, bicampeão, tricampeão, tetracampeão e pentacampeão”. É como se do conforto de seu sofá erguesse cada uma das taças.

Lembra pouco dos jogos, mas está gravada na memória as noitadas pelas boates, bares e casas de shows de Salvador, Santos e Rio de Janeiro junto com os jogadores do Santos. Sim! Farra com os adversários depois do jogo. Independente do resultado, havia que se celebrar o futebol. De preferência, com música e dança. Arte pura.

Aos poucos, a fala trôpega do início da entrevista dá lugar a uma voz firme, de malemolência bem carioca e passa a contar as histórias que ainda lembra: “Ganhamos do Santos lá”. “Marcar o Pelé? Impossível”. “Mas, ele gostava de uma música e de uma farra”, conta sem esconder o sorriso moleque.

É, a música trai o tempo. Com ela, revive pedaços da sua história, canta com o filho, rege o filho, pede mais volume no violão e uma lágrima desce do olho direito junto a um sorriso feliz. Expande o olhar para além da sala de sua casa. Reconta, pra si mesmo através da música, sua própria história. Volta a lembrar dos três jogos finais – final que só acabou no ano seguinte, em 29 de março de 1960. Três a dois Bahia, na Vila Belmiro, dois a zero Santos, na Fonte Nova (ambos os jogos em dezembro de 1959) e três a um pro Bahia, em pleno Maracanã com público superior a 20 mil pessoas.

Era uma terça-feira, aniversário da cidade de Salvador.

Ali, no templo do futebol, há 63 anos, o tempo perdia mais um jogo. Mais uma lenda nascia naquele dia. Atende pelo apelido de Henricão, o Madeirada.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 5

por Eduardo Lamas Neiva

Ceguinho Torcedor, Sobrenatural de Almeida e Idiota da Objetividade agradecem e, juntamente com João Sem Medo, aplaudem a homenagem a Mario Filho. Há uma breve dispersada, com papos paralelos com integrantes de outras mesas, até que os quatro amigos voltam a se reunir e o papo retorna à Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Sobrenatural de Almeida: – Em Bangu a torcida era enfurecida. Foi lá que nasceu a expressão “ganha, mas não leva”, depois que criaram o troféu João Ferrer.

Idiota da Objetividade: – João Ferrer era um espanhol, dono da fábrica Bangu. 

Sobrenatural de Almeida: – Pois é. Se o Bangu perdia, o time adversário era corrido até o trem e os jogadores tinham de ir deitados pra não levar as pedradas que estilhaçavam os vidros do trem. Ou seja, eles podiam ganhar, mas não levavam a taça. (solta sua risada medonha) hahahaha

João Sem Medo percebe a entrada no palco de um velho conhecido seu, dá um sorriso maroto, mas fica prestando atenção na conversa.

Ceguinho Torcedor: – É, mas o meu Fluminense, como sempre muito fidalgo, levava para os banguenses uma corbeille, como se falava naquele Rio afrancesado da época, e saía de lá com a taça sem problemas.

João Sem Medo (com um olho no palco e outro nos amigos à mesa): – O Botafogo não levava a corbelha de flores e tinha sérios problemas pra sair do antigo campo do Bangu, na Rua Ferrer, que ficava bem perto do atual, em Moça Bonita.

Idiota da Objetividade: – Oficialmente, a Taça João Ferrer foi disputada apenas em 1907 e 1911, ambos os torneios vencidos pelo Bangu.

João Sem Medo: – Mas estes torneios foram disputados apenas com clubes do subúrbio. Daqueles times, só o Bangu ainda disputa campeonatos profissionais.

Idiota da Objetividade: – Em 1907, jogaram também Esperança, Brasil e Cascadura. Em 11, o Cascadura não disputou, só os outros. Mesmo assim, o Esperança não compareceu aos dois últimos jogos e perdeu por WO.

João Sem Medo: – O Botafogo certa vez levou prum jogo em Bangu um segurança chamado Manuel Motorneiro. Mario Filho conta essa também no livro “O negro no futebol brasileiro”. De revólver em punho, Manuel ficou à frente do barracão, como eram os vestiários daquela época, onde estavam os jogadores do Botafogo, depois de uma vitória sobre o Bangu.

Sobrenatural de Almeida: – Que sururu em Bangu! Hahaha

João Sem Medo: – Ninguém saía de dentro, enquanto a polícia não chegava. A multidão enfurecida aguardava, sem avançar, por causa do revólver do Manuel, branco pobre que não podia jogar no time, mas podia salvá-lo dessas situações. A polícia veio, os jogadores alvinegros, alguns brancos de medo, saíram protegidos pelos policiais e Manuel Motorneiro. Porém, quando chegaram ao trem tiveram de se abaixar, porque ao primeiro sinal de partida, as pedras voaram na direção deles, mesmo com a presença da polícia e do revólver de Manuel Motorneiro.

Garçom: – Senhores…

João Sem Medo: – Meus amigos, o Zé Ary está aqui porque tem uma grande atração no palco.

Garçom: – É verdade, seu João. Sem querer interromper a conversa, que está muito interessante. (a todos) Senhoras e senhores, com muito prazer, gostaria de anunciar a presença de Gonzaguinha no palco do Além da Imaginação!

Gonzaguinha (agradece os aplausos): – Muito obrigado. Muito obrigado. Vou cantar uma música que vai fazer uma boa tabelinha com o papo  dessa ilustre mesa onde está o João Sem Medo e o Ceguinho Torcedor. É um grande prazer, aliás. Os outros dois senhores, me desculpem, não os conheço, mas agradeço pelos aplausos.

Sobrenatural de Almeida: – Você já me viu em ação em alguns jogos do teu Vasco, mas não pôde me reconhecer, me ver em pessoa.hahaha Sobrenatural de Almeida, às suas ordens.

Idiota da Objetividade: – Não tem importância, nós conhecemos muito você e gostamos muito das suas músicas.

Gonzaguinha: – Muito obrigado, mais uma vez. Prazer. Vamos, então, de “Geraldinos e arquibaldos”.

 

Todos aplaudem muito. Gonzaguinha agradece e continua no palco. Conversa descontraidamente com os músicos que o acompanharam.

João Sem Medo: Muito bom!

Ceguinho Torcedor: – Verdade, João, muito bom mesmo. Olha, voltando ao assunto, nas Laranjeiras recebíamos clubes de fora, como o Palmeiras da Floresta, que deu origem ao São Paulo Futebol Clube, e havia baile de gala na sede das Laranjeiras. Inesquecíveis bailes. Para vencedores e vencidos.

Sobrenatural de Almeida: – Pixinguinha tocou muito nesses bailes no salão nobre das Laranjeiras. (grita com sua voz roufenha em direção a Pixinguinha) Não é Pixinguinha?

Pixinguinha (de sua mesa ao fundo do restaurante, com os outros Batutas): – Verdade. Eu e essa turma aqui também (fala se referindo aos outros Batutas que estavam à mesa com ele).

Sobrenatural de Almeida faz um sinal de positivo para Pixinguinha, que retribui.

Sobrenatural de Almeida: – Em campo, a elegância do goleiro Marcos Carneiro de Mendonça é que chamava a atenção de todos.

Ceguinho Torcedor: – Havia uma canção que a garotada tricolor daquele tempo sabia de cor e salteado: “O “refe” apita. A linha avança. O Fluminense não dá confiança”.

João Sem Medo: – “Refe” é como os brasileiros passaram a chamar o juiz, referee, em inglês.

Sobrenatural de Almeida: – Com o tempo, as rivalidades foram se acirrando, as gozações dos torcedores aumentando, e o baile ou festa passou a ficar restrito apenas aos vencedores. Os vencidos iam pra casa com a cabeça inchada.hahaha

Ceguinho Torcedor: – Presenteei muito flamenguista e botafoguense com um chapéu com número maior pra caber na cabeça inchada deles. Hahaha

João Sem Medo: – Tinha um botafoguense, chamado Paulo Lira… essa quem me contou também foi o Mario Filho… que, quando o Botafogo vencia, botava encaixado no chapéu de palha um papelão com o placar do jogo bem grande e ia assim na segunda-feira pras estações de bondes esperar escondido atrás de uma coluna um amigo do Fluminense ou do Flamengo. Quando algum deles aparecia, Paulo Lira saltava em cima do amigo sem o largar.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso, o Paulo Lira, assombroso. hahaha

Ceguinho Torcedor: – É, mas quando o Botafogo perdia, ele sumia. E nós íamos atrás dele.

Todos caem na gargalhada. Inclusive Gonzaguinha, que passou a prestar atenção na conversa.

Gonzaguinha: – Olha, essa história me lembrou uma composição minha que eu não cheguei a gravar e fez sucesso com o MPB4. Então, vou chamar dois grandes amigos, Ruy e Magro, pra cantarem comigo “Se o meu time não fosse o campeão”. Sejam bem-vindos, Magro e Ruy.

Os dois cantores que fizeram parte da primeira formação do MPB4 vão ao palco, abraçam Gonzaguinha, cumprimentam os músicos e agradecem aos muitos aplausos da plateia.

Gonzaguinha, Ruy e Magro são ovacionados, agradecem e deixam o palco conversando animadamente.

UM TREINADOR QUE TEM A NOSSA CARA

por Zé Roberto Padilha

Nessa hora em que as vagas estão abertas para a nova comissão técnica da seleção brasileira, gostaria de apresentar o meu candidato: Renato Gaúcho.

Um país precisa ter no comando de sua maior paixão, o futebol, um cidadão que tem a sua cara. Que fale sua língua, conheça sua arte, cultura e folclore. Como o atual treinador campeão do mundo, Lionel Scaloni, que tem todos os traços argentinos.

Renato representa o que somos enquanto miscigenados: é habilidoso, debochado e otimista. É competente e divertido. Gosta de praia, da Garota de Ipanema e de um chopp gelado. E não há quem duvide de sua capacidade.

E como jogador, foi um dos melhores. Como treinador não fica devendo, em experiências e conquistas, nada a nenhum dos nossos.

Nada contra Ancelotti, mas quando o garoto africano vê a sua imagem branca e sisuda deste italiano no banco, ele vai estranhar porque o Brasil, que apareceu representado no Miss Universo por uma morena suntuosa e faceira, se tornou tão pálido na telinha da sua televisão.

Ancelotti dirige quem ele pede. E, mesmo assim, não será campeão espanhol. E o Real Madrid não lhe nega nada. Renato dirige apenas o que o Grêmio pode lhe conceder. E, mesmo assim, levantou um outro título. E dos mais difíceis.

O Brasil precisa valorizar o brasileiro. Desse jeito, sem ajuda de Jesus e seus apóstolos VPs, alcançamos cinco títulos mundiais. Até 2002, a maioria dos jogadores jogavam por aqui, realizavam sua pré temporada em nossas estâncias hidrominerais e tinham o torcedor colado no alambrado.

Se vier o Ancelloti, melhor a CBF levar a sua sede para Londres e iniciar cursos de língua italiana pelas escolinhas de futebol país afora.
Em suma, Ancelotti não me representa.

Renato Gaúcho, sim. Seria mais do que justo lhe conceder uma oportunidade. Depois, sim, será a vez de Fernando Diniz. 

E A GARRA, GABIGOL?

por Zé Roberto Padilha

O último Fla x Flu que assisti, com a vitória do Fluminense por 2×1, levei pra casa uma atuação de garra e entrega pouco comum de um jogador: Gabigol.

Poucas vezes vi um jogador lutar tanto contra os adversários, raras vezes com a bola e todas as outras com árbitros, bandeirinhas e comissão técnica adversária.

Como fui treinador, teria muito orgulho de ter no time um jogador assim. E não era decisão.

Na final, uma cena logo no começo do jogo me chamou a atenção. Ao dividir uma bola na lateral com Marcelo, Gabigol não deixou o corpo. Pelo contrário, se contorceu todo para não se chocar com o craque tricolor.

E esse excesso de respeito de quem menos respeitava quem quer que fosse nas divididas, deixou uma pista.

Ou ele respeitou demais o currículo do Marcelo, e puxou o freio de mão, e não entrou com o mesmo espírito e garra na decisão, ou olhou para o banco e viu a imagem de quem não havia mais porque lutar.

Inerte, indefeso, abandonado à beira de um banco de reservas, entregue á própria sorte, seu treinador, Vitor Pereira, começava a ser fritado. Vaiado é desfenestrado.

E a garra Gabigol, tão elogiada por mim, tem currículo pra dividir a bola, simpatia para defender um cargo e uma nação para se submeter à sua decisão de lutar ou não por ela?

MARCOS PEZÃO É O ÚLTIMO ROMÂNTICO DA BOLA

por Marcos Vinicius Cabral

A frase “Nenhum jogador é tão bom como todos juntos”, dita por Alfredo Di Stéfano (1926-2014), cairia ‘como uma luva’ na vida futebolística de Marcos Aurélio Pereira Marinelli, de 60 anos. Conhecido craque nos campos de várzea em que jogou, o camisa 5 mantém o amor à bola a quem chama de “companheira fiel”.

Técnico em eletrotécnica e morador de Icaraí, Zona Sul de Niterói, Marinelli cobre o corpo massacrado pela ação de marcadores implacáveis e tenta (em vão) passar despercebido. É boa gente, bom amigo, excelente ser humano e jogador incomparável. Como bem definiu o sobrinho Thiago da Costa Lopes, de 37 anos.

“Marcos Marinelli é pessoa física. Mas o Marcos que eu conheço é o Pezão, fenômeno dentro e fora de campo. O que eu posso dizer deste jogador? Inclassificável, inquestionável e incomparável nas vezes em que calçou chuteiras e foi se divertir. É assim que ele encara o futebol, como uma diversão. Mas é um pai para mim com conselhos e por meio dessa simplicidade se agiganta perto de nós”, contou ao Museu da Pelada.

E completou: “Essa virada de jogo ou toque na bola sem olhar de Ronaldinho Gaúcho, já era feito por ele nos campos em que jogou. Olha, para ser sincero, muito antes do R10 nascer. Gênio!”, diz sorrindo.

Mas Marcos Pezão vai voando com os pés. Onde tem uma boa pelada, lá está ele. Vestido com uma bela camisa social, calça jeans na maioria das vezes e sapatos brilhantes como a cor do cabelo refletido pelos raios solares, ele chega e dispensa apresentações. O ex-lateral esquerdo que enfrentou em jogo amistoso o Grêmio de Renato Gaúcho, Mário Sérgio, Tarcísio e Baltazar, defendendo o Tamoyo, clube da Região dos Lagos, é a simplicidade em pessoa.

O que Marinelli quer é passar despercebido. Mas o futebol que joga (recentemente foi campeão e eleito o melhor jogador do Campeonato de Veteranos em Magé, na Baixada Fluminense, em 2022) não deixa que craques como ele não sejam notados.

Mas Marcos Pezão foi e continua simples. É, no meio de tantos pássaros de valor incomensurável no céu do futebol que leva jogadores às nuvens, um pardal.

Não um pássaro sem valor. Não! Marcos Pezão é um pardal no sentido em querer ser livre. Talentoso como tem demonstrado em qualquer campo de várzea, a morte para ele é ficar sem jogar futebol. O pardal, no entanto, morre se for trancafiado em uma gaiola. Triste verdade.

Marcos Pezão, morte, pardal, futebol, liberdade… tudo relacionado ao céu de quem não enxerga estrela maior que esse craque é, não só como jogador, mas como pessoa.

Voa, Marcos Pezão! Vá bater asas! Vai sobressair dos demais craques que desfilaram pelos tapetes verdes de São Gonçalo, Niterói, Maricá, Itaboraí, Cabo Frio, Saquarema, Araruama, Nova Friburgo e Magé, cidades em que os campos de futebol receberam os pés talentosos de um craque como Marcos Pezão. Estes que conduziram a bola melhor do que muitos pardais usavam as asas para voar.