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O QUE A PROFISSÃO NOS ROUBOU

por Zé Roberto Padilha

Quando fui pela primeira vez ao Maracanã, aos oito anos, fui num fusca que transportava minha famÍlia americana. Apesar do título alcançado pelo América, 2×1, gols de Nilo e Jorge, contra um do Pinheiro, voltei de lá tricolor.

Impossível um garoto não se entusiasmar com aquele mosaico tricolor adornado com nuvens de pó de arroz.

Brigava no colégio pelo Fluminense, discutia em casa, até que um dia o meu América, de Três Rios, recebeu o tricolor das Laranjeiras para nos entregar a faixa de campeões infanto-juvenil. Era o meia-esquerda do time.

Recebi o convite para testes e passei, dos 16 aos 23 anos, todo o aprendizado no clube do meu coração. Conquistei títulos, amigos, me formei atleta e cidadão até que um dia, sem me consultar, no meu melhor momento, titular da Máquina Tricolor, me trocaram com o Doval. E fui jogar no Flamengo.

Acabou o sonho, o amor de jogar pela camisa e virei profissional. Faz parte do manual da vida de um jogador de futebol, mas, dali em diante, roubaram de mim o que o torcedor possui de mais importante: a paixão desmedida.

O fanatismo gostoso que nos leva a bater boca até com nossos mais próximos e queridos, que nos leva a gritar, a todos os pulmões, que Obina é melhor que Eto’o.

Jamais deixarei de ser tricolor. Mas quando subi, recentemente, as rampas do Maracanã para assistir o Fla x Flu, confesso que não sabia se iria para o lado do meu coração ou se o Presidente Francisco Horta reservara para seu ponta-esquerda uma cadeira na outra torcida. A de um clube bacana que me acolheu com todo respeito e consideração.

A vida continua. O Fla x Flu também. No meu caso, um pouco sem graça porque roubaram de mim a paixão irrefletida, doentia, irracional e depositaram no lugar a tão sem graça da razão.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 3

por Eduardo Lamas Neiva

Após o êxtase com a recordação da conquista do Campeonato Sul-Americano de 1919 e a apresentação de “Um a Zero” pelos Oito Batutas, quem toma a dianteira no papo entre os velhos amigos é o Idiota da Objetividade, que, amante do futebol de resultados, contesta a paixão pelo chamado futebol-arte. 

Idiota da Objetividade: – Vocês precisam ter uma visão mais pragmática das coisas. A tática, a estratégia… O jogo de futebol é igual ao xadrez.

João Sem Medo: – Sem essa, Idiota. Foi você que soprou nos ouvidos dos cartolas da CBF pra botarem o Dunga como técnico da seleção duas vezes, né?

Idiota da Objetividade: – Não fui eu, não! Quem faz essas coisas é o Sobrenatural. Mas eu achei boa a opção. Melhor vencer jogando feio, do que perder jogando bonito.

Os outros três, os músicos que subiram ao palco, algumas pessoas em mesas próximas e até o garçom protestam.

João Sem Medo: – Mas não venceu nem jogando feio, Idiota!

Idiota da Objetividade: – Venceu sim, João! A Copa América de 2007 e a Copa das Confederações de 2009.

João Sem Medo: – E serviu pra quê este torneio da Fifa? Perdemos pra Holanda em 2010 nas quartas e voltamos mais cedo pra casa.

Zé Ary se aproxima da mesa.

Garçom: – Senhores, desculpe interrompê-los, mas recebi um pedido das pessoas das outras mesas pra ouvir a conversa de vocês. Estão todos muito interessados.

João Sem Medo: – O papo é a vida do futebol, como eu disse.

Ceguinho Torcedor: – E a verdadeira apoteose é a vaia. E como só os imbecis têm medo do ridículo, vamos estender a nossa conversa, então. Como faremos?

Garçom: – Podem se sentar àquela mesa ao lado do palco que todo mundo vai conseguir ouvi-los muito bem.

João Sem Medo: – Perfeito. Vamos, então.

Enquanto os quatro amigos trocam de mesa, aplaudidos pelos presentes, um grupo musical que está no palco se apresenta: é o grupo Francisco Lima.

Francisco de Oliveira Lima: – Senhoras e senhores, já que a conversa aqui é sobre o “foot-ball”, vamos tocar uma polca de minha autoria que foi a primeira música relacionada a este esporte gravada no Brasil. Foi em 1912…

João Sem Medo (aos amigos): – Ano em que o criador de vocês três nasceu.

Francisco de Oliveira Lima: – … Ou 13, já não me recordo bem. Chama-se, naturalmente,  “Foot-Ball”.

Aplaudido, Francisco de Oliveira Lima e seu grupo começam a tocar.

Os músicos agradecem os aplausos e deixam o palco.

João Sem Medo: – Essa música é do tempo em que o futebol e a música do Brasil ainda eram totalmente influenciados pelos europeus, os ingleses especialmente.

Sobrenatural de Almeida: – A seleção brasileira nem existia ainda e já tinha música sobre futebol no país. Assombroso!

Ceguinho Torcedor: – Assombroso mesmo é que naquele tempo, em dias de regatas do remo, não havia jogos de futebol. Eram chamados à inglesa, de matches ou meetings no field. Depois o futebol ficou tão popular que o remo é que passou a esperar a tabela do campeonato de futebol pra marcar os dias e horários das regatas.

João Sem Medo: – O Flamengo no início resistiu muito a ter um time de futebol, mesmo recebendo nove dos onze titulares do Fluminense que foram campeões em 1911 e mais alguns sócios que trocaram de lado. Teve até um uniforme de futebol diferente do remo, que já era tradicional no clube.

Ceguinho Torcedor: – João, meus amigos, o Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada. O termo, aliás é uma criação do grande Mario Filho, o criador de multidões.

João Sem Medo: – Não é por acaso que o Fla-Flu seja conhecido como o Clássico das Multidões, então.

Ceguinho Torcedor: – Pois então, o que ia dizendo? Ah sim, no primeiro Fla-Flu registrado na História, o segundo time do Tricolor, reforçado apenas por Osvaldo Gomes e Calvert, venceu o antigo primeiro time, que passou a vestir a camisa rubro-negra.

Idiota da Objetividade: – A primeira camisa do futebol do Flamengo era quadriculada.

João Sem Medo: – Que o pessoal chamava de Papagaio de Vintém.

Sobrenatural de Almeida: – Era muito feia, os jogadores até diziam que dava azar. Na verdade, andei jogando contra aquele time de desertores tricolores até arrumarem um uniforme mais bonito.

Alguns na plateia riem.

Idiota da Objetividade: – O primeiro título rubro-negro, em 1914, só veio com a camisa cobra-coral, que tinha listras finas brancas entre as pretas e vermelhas. Os primeiros títulos, pois foi bicampeão carioca, em 14 e 15.

Sobrenatural de Almeida: – Aliás, o primeiro título de remo do Flamengo só veio depois do futebol no clube.

Idiota da Objetividade: – Também foi um bicampeonato, em 16 e 17.

Sobrenatural de Almeida: – Mas não sou muito chegado ao remo.

João Sem Medo: – Com a explosão da Primeira Grande Guerra, os inimigos alemães foram perseguidos também aqui no Brasil. Como a camisa do Flamengo era parecida com a bandeira alemã e lá havia muitos sócios alemães, a camisa e os sócios alemães foram banidos do clube.

Garçom: – Este papo sobre as origens do Flamengo me deram uma ótima ideia.

O garçom se ausenta rapidamente e retorna com o LP das escolas de samba do Rio de Janeiro de 1995. Vai à vitrola, escolhe a faixa certa e põe pra tocar “Uma vez Flamengo…”, de David Correa, Adilson Torres, Déo e Caruso (samba de enredo da Estácio de Sá em 1995.

DEIXEI MEU CORAÇÃO SANGRANDO NO JUÁ

por Marcelo Mendez

Domingos de chuva são melancolicamente belos. Manhãs que nascem acinzentadas pedem, clamam por um Blues. São manhãs para Fred McDowell cantar Goin Down to The River em lamentos que inspiram muito mais do que Poesias ou Crônicas.

É preciso morrer mil vezes para poder cantar Blues como Fred McDowell um dia cantou. Mil bocas desejadas e não beijadas são necessárias para entender o sentimento do que ele berra em seu Blues. Uma reserva de encanto é extremamente vital para que se chegue perto dessa sagração toda. Cada qual escolhe a que lhe convém. A mim, asseguro aos senhores que tenho a Várzea.

No domingo chuvoso, céu cinza e pesado eu tinha um jogo para fazer em Mauá, no Campo do Juá, entre Dínamo x Mocidade. Ambos de Mauá, cada qual de um bairro. Dínamo do Maria Eneida, Mocidade do Zaíra. Fui para o campo e na beira dele fechei os olhos por uns instantes e viajei:

Fui para um tempo distante, dentro de mim, por algum lugar de mim onde decerto não habita a intolerância nada poética da frieza de se ter razão. Oras… De que adianta ter razão, se o sujeito não for capaz de “viajar”? Óbvio que a razão plena não explica o que sinto todas as vezes que saio de casa para cobrir um jogo de bola na várzea.

A luz fria dos fatos, dirá o outro mais pragmático; “Qual a importância disso tudo Marcelo, seu bardo?” “Porque esse amor todo por essa várzea?

O amor me salvou. De todos os meus infernos vividos, a única coisa que fez sentido em minha vida foi amar. A única coisa que hoje me move é o amor. Sem ele nada em mim existe. Sem amor na vida eu não consigo sequer chupar um chicabom.

Sendo eu dessa forma, não fica nada complicado de entender o que move todos os sentimentos que envolvem uma semifinal de campeonato de futebol de várzea. Nem deu trabalho, foi só abrir os olhos da minha intensa viagem ali realizada e então tudo ficou lindo.

Senhores eu vi.

Enquanto o velho bluesman rasgava meu coração com dedilhados de seu blues, eu olhei para a minha frente e vi o morro do Juá completamente lotado de gente. Mulheres, velhos, homens crianças, todos, a torcer fervo rasamente pelo Dínamo Mauá. Atrás de mim de rostos colados no alambrado gasto do campo, estava a torcida do Mocidade. Todos ali a gritar seus coros, a orar suas preces, a vociferar pragas de não amor contra os que eles julgavam vilões de seus sonhos não realizados.

Nessa hora uma bola que bate trave, adia muito mais que um gol; Ela paralisa uma vida! Por alguns segundos, fica em suspeição o tempo, as horas e os desejos.

Que vilã é a bola que não entra na várzea! Que gol foi aquele de Moalysson para o Mocidade? Que falta bem batida foi aquela em que Biscoito, lateral do Dínamo, empatou o jogo? Que momento de glória teve o goleiro Maizena ao defender a cobrança de pênalti de Edson, definindo assim a disputa da marca da cal!

Festa!

Senhores eu vi!

Eram os mesmos homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, todos ali a pular em mergulhos épicos na lama do campo do Juá, comemorando a vitória de seu time debaixo de uma chuva torrencial e homérica. Naquele momento de glória, suas vidas foram completamente santas. Foram, portanto incondicionalmente felizes.

Vendo tudo isso meus caros, como ficarei impassível? Como serei então “profissional”? As favas com o comedimento! No dia que eu ver o que vi no campo do Juá e não me sentir incontrolavelmente emocionado, nada mais tenho que fazer por aqui. Por conta disso, vivo.

Como se fosse menina me apaixono. Como menino, vivo. Muito feliz…

O JOGO QUE NUNCA TERMINA

por Paulo-Roberto Andel

Vem aí mais um Fla x Flu. Na verdade dois, pela decisão do Campeonato Carioca de 2023, nos próximos dois finais de semana.

Para o maior cronista do futebol brasileiro em todos os tempos, Nelson Rodrigues, o grande clássico inventou a multidão quando o Rio de Janeiro era uma cidade triste, de ruas vazias. Assim foi em muitos jogos eletrizantes na rua Paissandu e no Estádio das Laranjeiras, depois na Gávea e finalmente no Maracanã, seu habitat natural desde 1950. E como o Fla x Flu envolve até as relações familiares, Nelson Rodrigues tinha um grande cronista rival dentro da própria casa: Mário Filho.

Muita coisa mudou, para não dizer tudo: os próprios Rio de Janeiro e Maracanã, hoje muito diferentes de outrora. O Fla x Flu, que facilmente levava 140 ou 120 mil pessoas às arquibancadas, cadeiras e geral, hoje não passa de 70 mil até porque o estádio não disponibiliza todos os ingressos. Mesmo assim, estará lotado pelo contraste das cores e gritos. Todos os bares, biroscas e congêneres estarão cheios de olhinhos atentos à TV, suspirando por jogadas que, de alguma forma, celebrem o futebol de Romeu Pelicciari, Dida, Waldo, Silva, Rivellino, Zico, Ézio e tantas outras feras que escreveram a história desse clássico imortal, único no mundo pela quantidade de gente que já levou ao campo e também porque é o único nascido de uma cisão no ventre: o futebol rubro-negro nasceu de uma dissidência dentro da casa tricolor, como se sabe.

Os homens de 55 anos carregam para sempre os Fla x Flus abarrotados no fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Só nesse pequeno intervalo, jogos antológicos tiveram a assinatura eterna de nomes como Cristóvão, Tita, Paulo Goulart, Luiz Fumanchu, Lico, Nunes (para os dois lados) e, claro, Assis, dentre outros. Já os de 65 primaveras vão se lembrar de Félix, Samarone, Paulo Henrique, Fio Maravilha, Flávio Minuano e grande elenco. Os nonagenários viram tudo que aconteceu no grande Fla x Flu de 1941. E quem já não está mais aqui viu o clássico nascer em 1912. Mas será que não está? Quando o Fla x Flu acontece no Maracanã cheio, parece que tem um milhão de pessoas presentes, entre gente viva e morta, gente que persegue o combate entre as duas camisas para sempre. Parece que todo mundo abraça o Fla x Flu pela eternidade.

Nos últimos anos, Pedro e Gabigol, Cano e até o incrivelmente subestimado John Kennedy têm dado as cartas. A partir do próximo sábado, começará a ser escrito mais um capítulo de um livro infinito, o do jogo que nunca termina. Homens, mulheres e crianças vão gritar, sofrer, rir, chorar, sonhar e registrar momentos que serão carregados para sempre. Seja ao vivo no calor infernal do Maracanã, num restaurante sofisticado com telão ou numa sala de plantão profissional, o Fla x Flu prevalecerá. Pode ser também no radinho humílimo de um trabalhador à portaria ou num trem. Quem sabe numa mesa de botão Estrelão e seus craques de acrílico, ou numa mesa de totó num boteco metropolitano? Ou no futebol de preguinho?

As cores, os gritos, as bandeiras, os contrastes e a velha cisão de 111 anos batem seus tambores como nunca. É Fla x Flu, decisão, literatura e dramaturgia.

O tricolor e o flamenguista andam lado a lado, feito o leão e o tigre numa calçada de Nova York no texto inconfundível de Tom Wolfe. É toda a eternidade que parece ter sido escrita no frescor de ontem.

O ATLÉTICO MINEIRO DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand

No gol, a experiência de Victor, o “São Victor”.

Na lateral direita, o chute forte de Nelinho.

Na zaga central, a boa colocação de Vantuir.

Na quarta zaga, a classe de Luisinho.

Na lateral esquerda, a impetuosidade de Guilherme Arana.

Para volante, a serenidade de Gilberto Silva.

Como meia direita, a polivalência de Toninho Cerezo.

Como meia esquerda, a genialidade de Ronaldinho Gaúcho.

Na ponta direita, a presteza de Paulo Isidoro.

Como centroavante, o espetáculo chamado Reinaldo.

Na ponta esquerda, a técnica de Éder Aleixo.

Victor; Nelinho, Vantuir, Luisinho e Guilherme Arana; Gilberto Silva, Toninho Cerezo e Ronaldinho Gaúcho; Paulo Isidoro, Reinaldo e Éder.

E aí?

Vai encarar?