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MALHADO O JUDAS, QUE VOLTE JESUS

por Marcos Eduardo Neves

Judas chegou sorrateiro, mas bastante mal-intencionado, no Brasil. Primeiramente, fez a segunda maior torcida do país estagnar. Insatisfeito, caiu de paraquedas na maior do país. E a fez sofrer ainda mais.

Em poucos meses à frente do Flamengo, desde o começo, Judas mostrou-se desinteressado. Aliás, interessadíssimo. Esforçou-se como ninguém para desmontar uma máquina quase imbatível. Transformou nossa estima em chacota e nossa moral em escárnio.

Judas tinha o aval de alguns apóstolos, que acreditaram em suas profecias. Contudo, em plena Páscoa, foi crucificado. Não para renascer em três dias, mas para morrer de vez, da noite para o dia, na nossa História.

Na Páscoa comemora-se a ressurreição de Cristo. Porém, ao fim desta última, a Nação Rubro-Negra celebra a morte de Judas. Um Judas chamado Vitor Pereira. Certamente, daqueles portugueses que adora contar piadas de brasileiros. Vai sorrir muito por ter freado a segunda maior torcida brasileira e ter feito a maior passar por uma via-crucis que ninguém merece.

Mesmo malhado, Judas sobreviveu por mais tempo que devia. Perdeu Supercopa, Recopa, semifinal de Mundial, Taça Guanabara e Campeonato Carioca. Perdeu até para o Vasco. Fez o diabo para interromper uma série invicta do Flamengo fora de casa na Libertadores. Tudo sob religiosas palmas de cegos dirigentes.

O problema para Judas foi que os verdadeiros fiéis rubro-negros o apedrejaram incessantemente. Por todos os pecados cometidos, e não foram poucos. Crucificamos esse Anticristo antes dos dirigentes. E agora celebramos sua morte eterna no Mais Querido, que espera a prometida volta do Messias.

Messias que tem o nome de Jesus. Jorge Jesus. Como canta Roberto Carlos, ‘Ele está para chegar’. Está a caminho. E mesmo se demorar, o importante é que o mal está longe do Ninho.

Morremos por poucos meses, mas desde já renascemos. Do fundo do poço nos reergueremos para dar a volta por cima ainda em 2023. À beira do abismo, vimos a sombra da morte, mas lutando, conseguimos extirpar esse câncer do clube.

O trauma foi forte? Foi, sim. Mas um novo ‘Eu’ renasce no coração de cada rubro-negro. Livrai-nos de todo mal, sempre acreditei. Agora, vamos com tudo. Rumo à glória eterna.

NEGROS SÃO MELHORES

por Rubens Lemos

Em seu best-seller Subterrâneos do Futebol, depois rebatizado Histórias do Futebol, o jornalista e ex-técnico da seleção brasileira, o superlativo João Saldanha estabelecia a verdade universal sobre DNA do futebol.

Metido, como treinador, cartola ou chefe de delegação nas intermináveis excursões do Botafogo que ajudaram a liquidar Mané Garrincha, Saldanha, o João Sem-Medo, justificou jogos em países colonizados e sem tradição: “É uma questão biológica: onde tem crioulo, tem bom futebol”.

João Saldanha era a pura verdade, sendo verdade ou mentira. O negro e o mulato estão desaparecendo do gramado varridos pelo futebol neoliberal ou excludente, que tira dos campos e clubes os habitantes de bairros ou comunidades pobres, onde está concentrada a população que fascinava os estádios de cimento e marquise, de povo desdentado e multidões enlouquecidas por tanta beleza.

Zico é branco e gênio. Sócrates foi branco e gênio como loiro e gênio é Falcão. Reinaldo era branco e gênio, o Reinaldo do Atlético Mineiro. Ademir da Guia, galego sarará e gênio. Tostão, gênio de cara de ovo. Rivelino, gênio e branco descendente de italianos. Taffarel, nosso maior goleiro em todos os tempos, parecia um eslavo.

Mais para cá, Rivaldo, um moreno, jogava mais do que o branco Ronaldo que jogava muito, mas não tinha a cintura de elástico do Ronaldinho Gaúcho. Bebeto era ótimo. Romário, bem superior. E quase escurinho.

Danças tribais africanas e o samba influenciavam o futebol. Estimulavam a ginga nata dos neguinhos de favela, dos crioulinhos de malabarismo em sinal de trânsito. Havia olheiros e não apenas “empresários”, nem todos, óbvio, desonestos.

Os olheiros ganhavam pouco ou não ganhavam nada, que não uma carteira do clube para entrar de graça no jogo do domingo. E eles descobriam os futuros craques nos subúrbios infectos que os tais negociantes de hoje jamais poriam os pés, para não sujar seus sapatos de 700 reais.

O Brasil disputou todas as Copas do Mundo, mas só venceu a primeira quando os negros, mulatos e morenos ocuparam o time. Por idiotice e preconceito, produziram um relatório dizendo que os negros eram fracos e suscetíveis a sentimentalismos em competições.

Desconfio que tudo motivado pelo maldito segundo gol que o pobre Barbosa, negro, tomou na derrota para o Uruguai no Maracanazo de 1950. E ele não teve culpa. Nem no primeiro, tampouco no segundo da virada uruguaia de 2×1.

Então o Brasil em 1958, começou com Gilmar (branco e com Castilho, branco, na reserva, qualquer um estaria ótimo); De Sordi (branco), Bellini (branco), Orlando (branco) e a Enciclopédia Nilton Santos que era único ainda que fosse verde; Dino Sani (branco) e Didi (mulato e intocável, pois nunca haverá outro Didi); Joel (branco), Dida (branco), Mazola (branco) e Zagallo (branco).

Estreamos com um enganoso 3×0 sobre a Áustria. Contra os ingleses, Gilmar defendeu até pensamento e evitou o gol bretão, enquanto esquentavam a bunda, Pelé, Vavá (moreninho) e ninguém menos que Garrincha, mulato de Pau Grande. Pau Grande, calma, é a terra de Garrincha.

Para se classificar, o Brasil derrotou o tal futebol científico da União Soviética com show de Garrincha, gol de Vavá e espetáculo de Pelé: 2×0. Contra o País de Gales, 1×0, Pelé. Nas surras na França (semifinal), gols de Vavá, Didi, Pelé, Pelé e Pelé
e Suécia (decisão), por igual placar de 5×2, Vavá, Vavá, Pelé; Pelé e Zagallo, a crioulada transformou o Estádio Rasunda Solna, numa passarela de pagode.

E, para enterrar a tese ridícula sobre os negros, o lateral-direito De Sordi alegou contusão na véspera da finalíssima. O melhor jogador da Suécia era o ponta-esquerda Skoglund. O crioulo, ele gostava de ser chamado assim, Djalma Santos, entrou no fogo, tranquilo como cobrara o pênalti que ninguém quis bater contra a Hungria (4×2 pra eles), em 1954, anulou o extrema sueco e ainda foi eleito o melhor lateral-direito da Copa do Mundo.

Neto carnal de um negro com uma branca maravilhosa (minha mãe-avó), vomito preconceitos. Joga quem sabe jogar. Mas hoje, quando se olha para o gramado e se vê um preto, geralmente é estrangeiro. Falta melanina africana no futebol do Brasil.

CHOCOLATE à LA FERNANDO DINIZ

por Marcos Vinicius Cabral

O Fluminense não chega a ser um grande time. Mas está longe de ser ruim. É uma equipe equilibrada. No entanto, o ponto forte vem exatamente do banco de reservas: Fernando Diniz. O treinador tricolor completa um ano à frente do clube no próximo dia 30 de abril, quando chegou ano passado às Laranjeiras no lugar de Abel Braga.

Pelo Fluminense, o estilo Dinizismo de jogar, adotado desde então, vem sendo utilizado cada vez mais nas partidas. Principalmente contra o Flamengo.

Na deste domingo (09) de Páscoa, na decisão do Campeonato Carioca de 2023, a vitória por 4 a 1 teve recheio de “olé” e “créu”, cantarolados nas arquibancadas com mais de 60 mil pagantes.

O futebol apresentado pelo Fluminense coroa o ‘novo’ melhor futebol do Brasil, que até pouco tempo era o sinônimo usado para se referir ao Flamengo.

O trabalho de quatro meses de Vítor Pereira não se solidifica. Sem padrão tático e esquema indefinido, ninguém sabe quais os 11 titulares. O esquema com três zagueiros tem mais erros do que acertos e o atual campeão da Libertadores e da Copa do Brasil é, nada mais, do que uma caricatura nas mãos ou bloquinhos de anotações do treinador português.

Sob o comando de Vítor Pereira, o Flamengo perdeu a Supercopa, o Mundial, a Recopa a Sul-Americana e o Carioca. A torcida exige que a diretoria demita Vitor Pereira e ela continua ‘enxugando gelo’ nessa questão.

No Fla-Flu que deu ao Fluminense o 33° título Estadual, o erro desta vez cometido por Vitor Pereira foi escalar Gabigol entre os titulares. A volta à equipe do camisa 10 tirou a intensidade e a condição de competir conquistados no primeiro jogo.

Com a sucessão de gols acontecendo, o que se viu foi uma sucessão de equívocos em substituições aleatórias. Tarde demais, o estrago estava feito.

Alheio a tudo isso, Fernando Diniz se estabeleceu de uma vez por todas no cenário carioca. Tem um grupo nas mãos e a confiança do elenco. Não chega a ser o ‘paizão’ que Joel Santana foi um dia, mas é o ‘brother’ mais velho para os jogadores.

A zaga, composta por Nino e Manoel/Felipe Melo/David Braz, dá segurança ao goleiro Fábio. O meio campo é a ‘válvula de escape’ desse time, que troca passes desde a defesa e chega com objetividade ao ataque. Marcelo caiu com uma ‘luva’ no planejamento tático e fez uma ótima estreia. Cano é o Gabigol, e Arias, o Bruno Henrique, nas versões de 2019 do Flamengo. Ou seja, se completam. Ganso dita o jogo com toques rápidos e de primeira. E André é o melhor volante do futebol brasileiro.

Não sabemos se Fernando Diniz vai longe na carreira ou conquistar títulos expressivos. Mas o Dinizismo começa a dar sinais eficientes na maneira de jogar e vive um momento especial como foi no Osasco Audax, em 2016.

Não podemos afirmar se Fernando Diniz vai longe na Libertadores, na Copa do Brasil e no Brasileiro. Mas se as partidas contra o poderoso Flamengo fossem consideradas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o jovem treinador gabaritou a prova.

ENTREVISTA COLETIVA

por Claudio Lovato Filho

O treinador se acomodou na poltrona, ajeitou o microfone à sua frente e passou os olhos pela sala lotada de jornalistas.

“Bom dia”, ele disse, num tom de voz de quem, na verdade, estava dizendo “vão pro inferno”.

O assessor de imprensa, que de tempos em tempos olhava para o treinador com nítida preocupação, avisou que a entrevista coletiva iria começar, mas, quando se preparava para iniciar a chamada dos repórteres, seguindo, como de praxe, a lista de inscrição, ouviu um pedido do técnico.

“Ô, Zeca, só um segundo, por favor. Eu quero dizer umas palavras antes das perguntas”.

O silêncio se fez por completo no auditório recém-reformado, todo decorado em diferentes tons de amarelo e cinza, as cores do clube. Zeca, o assessor de imprensa, passou a mão no cavanhaque, ajeitou os óculos de aro fino e sentiu a pressão arterial subir.

“Claro”, disse.

Um burburinho ameaçou se formar.

“Pessoal, só um minuto, um minuto, por favor”, pediu o assessor.

“Professor, fique à vontade”, disse, e fez um sinal em direção ao microfone do técnico.

O treinador pigarreou. Pigarreou de novo. E mais uma vez. Então, por fim, falou.

“Eu gostaria de dizer a alguns repórteres que estão aqui que eu acho que vocês estão na área errada. Em vez de trabalhar com futebol deveriam escrever em publicações de fofoca”.

O burburinho desta vez veio com tudo. Zeca, o assessor de imprensa, levantou os dois braços num nervoso e infrutífero pedido de calma.

“Então agora a vida particular do técnico e dos jogadores é assunto de, como é que vocês chamam, ‘reunião de pauta’?”, indagou, irônico, o treinador. “É assim que vocês chamam, né, ‘reunião de pauta”, acrescentou explicitando seu desprezo na pronúncia lenta, feita sílaba a sílaba.

Foi adiante: “Não respeitam nem problema conjugal! Vocês chamam isso de jornalismo?”
Ele ainda não havia terminado: “E daí se eu jogo pôquer, canastra, pontinho, biriba, dama ou dominó? Hein? O que é que isso tem a ver com o meu trabalho aqui no clube…”

“Turfe também”, alguém disse lá de uma das fileiras do meio, no volume certo para ser ouvido por todos os que estavam à sua volta, alguns dos quais não fizeram questão de conter o riso. “Os cavalinhos”.

“… e até a bebida que eu tomo é assunto! Vocês estão mais preocupados com esse tipo de coisa do que…” – o rosto do treinador tinha ficado vermelho escarlate, e ele agora enfrentava uma evidente dificuldade para articular as palavras – “… do que com o esquema tático do time!”

“Que esquema tático?”, a mesma voz se manifestou, anônima, mas audível, para deleite dos colegas em seu entorno.

Foi nesse momento que, lá no fundo da sala acarpetada, ouviu-se um barulho de coisa quebrando, plástico ou madeira, e um grito, “Ai, tá maluco!?”, e outro barulho de impacto, superfície dura contra superfície nem tão dura, e outro grito, agora com um pedido de socorro agregado, “Me ajudem, me ajudem aqui”, e então os seguranças do clube finalmente interferiram e o que se viu foi um jovem com agasalho do clube, que de imediato foi identificado como membro da comissão técnica, e um colunista de um portal de notícias, sendo separados. Zeca, o assessor de imprensa, que agora sentia a coluna começar a travar, olhou para o técnico, que, de pé e com as mãos na cintura, sua pose preferida, olhava fixamente para um dos jornalistas sentados numa das fileiras do meio do auditório, e esse repórter aparentemente preferiu não dar sopa para o azar, levantou-se e foi saindo, esgueirando-se pelo corredor lateral, mas, ao abrir a porta, foi arremessado de volta para dentro por uma jovem alta, corpo esguio realçado pelos sapatos de salto altíssimo, que olhou para o repórter caído como se ele fosse uma folha seca na calçada, uma folha seca e amarela e triste ao lado de outras mil, e, por fim, gritou: “É isso mesmo! Eu e o Jales estamos nos separando!”, e disse isso olhando para o jovem da comissão técnica, que não se chamava Jales, mas Alberto Carlos, Albertinho, que ainda era contido por um segurança, e foi então que um estrondo veio lá da frente do auditório, e era o púlpito usado por Zeca, o assessor de imprensa, que havia ido para as cucuias, desabado, espalhando papéis, microfone e celular no chão, e junto com isso tudo o próprio Zeca, que apesar de ter o rosto pressionado contra o tapete novo e felpudo, dizia “deu, deu, chega, vou embora, vou embora…” E como se tudo isso não bastasse ainda havia uma parte muito impactante para se agregar ao enredo, e de repente o auditório foi invadido por um grupo de mais ou menos vinte representantes das três maiores torcidas organizadas do clube, e eles se dividiram na tentativa de se aproximar do repórter, que ainda tentava se erguer, e do treinador, a quem dirigiam xingamentos, e quando o treinador fez menção de partir para cima dos invasores foi puxado pelo braço por um jovem jornalista da equipe de Zeca, um jovem jornalista que já havia aprendido a arte safada de vazar informações para a imprensa e que agora só conseguia dizer “vamos vazar, professor, vamos vazar”.

Nas horas que seguiram ao espetáculo bizarro ocorrido no auditório de entrevistas coletivas do clube, muitas matérias foram publicadas e exibidas nos sites, portais, rádios e TVs relatando para a cidade, o estado, o país e o mundo o que havia acontecido ali naquele final de manhã.

Meia dúzia de boletins de ocorrência foi registrada. Outros dois casamentos foram desfeitos. Uma comissão técnica inteira ficou desempregada, a equipe de seguranças foi substituída por completo e a assessoria de imprensa do clube, terceirizada. (Acrescentando-se a isso a rapidíssima negociação de Jales, volante promissor criado na base do clube, negociado com um clube do Uzbequistão.)

Para a empresa de prestação de serviços de assessoria de imprensa que estava chegando ao clube, a principal determinação vinda diretamente da presidência dizia respeito à retomada das entrevistas online, via aplicativo de videoconferência. Até segunda ordem, as coletivas presenciais estavam suspensas.

E foi isso.

A HABILIDADE E O EQUILÍBRIO SÃO MEIOS DE PROTEÇÃO

por Zé Roberto Padilha

É preciso que a história do futebol brasileiro faça justiça a Zé Mário. A partir dele, do seu equilíbrio, classe e senso de organização (era praticamente incaível) apresentado na década de 70 atuando tanto no Flamengo, Fluminense e Vasco, valorosos e aplicados cabeças-de-área foram sendo substituídos por jogadores mais hábeis.

Um processo natural de evolução técnica capaz de permitir que André, hoje, vista a camisa de Denilson, o Rei Zulú. E Thiago Maia a de Liminha. Graças ao talento de Zé Mário, o Vasco fez de Guiñazu seu último guerreiro. E foi permitido ao futebol escalar jogadores mais talentosos à frente de suas zagas.

Um dos segredos do Zé Mário, e só notei porque joguei ao seu lado, era sempre dominar a bola com o pé de apoio. Como era destro, dominava com a canhota e a boa já estava com o dedo no gatilho direito. Parece pouco porque inverte a lógica em um nível de detalhamento quase imperceptível.

Simples mortais, como eu, dominam com a canhota, ajeitam o corpo e só depois realizam o passe. São frações de segundos que podem custar um contra-ataque causado por uma bola roubada de frente a uma zaga desarrumada.

Juro que tentei fazer o mesmo, dominar a bola com o pé que pegava o bonde. E como treinei. Mas era tarde, são fundamentos vindos da base, do berço, dos Deuses.

Fernando Diniz só ousa insistir no toque de bola para iniciar as jogadas do Fluminense porque viu Zé Mário e Carlos Alberto Pintinho enfrentarem nosso saudoso Badeco. E se dá ao luxo de por ali escalar um Martinelli.

E foi a partir do seu pioneirismo que, na posição mais difícil do futebol, a única que você joga de costas para o gol adversário e onde não é permitido errar passes, foi provado que pode e deve existir vida inteligente.