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CRAQUE NO CEROL

por Victor Kingma

Naquelas duas cidadezinhas as disputas entre os dois principais times monopolizavam toda a população. E naquele domingo não se falava em outra coisa, pois seria a final do campeonato.

De um lado, a defesa menos vazada, com destaque para o goleiro “Paredão”. Do outro, um ataque arrasador, com o artilheiro “Leo Cerol”, conhecido pela velocidade impressionante. O apelido vinha da paixão que tinha pelas pipas, seu hobby predileto.

Domingo de sol, enquanto a maior parte da garotada se juntava nos campos, era comum vê-lo correndo pelas pastagens, atrás das pipas que cortava com o cerol que ele mesmo fabricava. Nada lhe dava mais prazer.

Para o grande jogo, um problemão: a final do futebol coincidia com um torneio de pipas, tradicional na cidade. Duro era convencer o nosso craque a participar da partida. E numa reunião da qual participaram até o prefeito e o vigário, conseguiu-se, enfim, que ele trocasse as pipas pelo jogo, tão importante para a comunidade.

Chega o grande dia e numa partida truncada, o empate por 0 x 0 se arrasta. “Leo Cerol” parece disperso, olhar perdido no horizonte. De repente o zagueiro dá um chutão e a bola é toda da defesa adversária. Nosso craque inicia então um de seus piques alucinantes…

A torcida se levanta, os locutores se preparam para gritar gol. Leo Cerol passa como um raio pela intermediária, atravessa o campo como um foguete, toma a dianteira na corrida contra os zagueiros, passa pela bola, atravessa a linha de fundo e… 

Diante do olhar estarrecido de todos, pula o alambrado a tempo de chegar segundos na frente da garotada que corria atrás de uma imensa pipa colorida.

os caras do var

por Cláudio Lovato Filho

Os caras do VAR têm cara?

Sei lá, estão sempre de costas.

Nunca dão as caras.

Os árbitros de campo têm cara.

Mas poucos botam a cara pra bater.

Porque existem os caras do VAR.

Está na cara: a melhor política é concordar com os caras do VAR.

Mesmo nos lances de interpretação.

Alguns – isto é raro – discordam.

Hoje em dia, autonomia mesmo não se vê.

Talvez um dia os caras do apito só tenham liberdade para o cara ou coroa.

Ou quem sabe nem isso.  

Porque é possível que os caras do VAR passem a conferir também o toss.

Câmera lenta na moeda caindo no gramado!  

Dezoito câmeras no caraminguá!

Caraca.

Caramba.

BASE DO TETRA

por Elso Venâncio

Um dos grandes times formados pelo Flamengo ficou sem os aplausos e o reconhecimento que merecia, já que uma confusão levou o resultado de campo para os tribunais. Dos 11 titulares rubro-negros, 10 vestiram a camisa da Seleção Brasileira, sendo que nove disputaram Copas do Mundo. Aldair era reserva, e a base da equipe conquistaria o tetracampeonato mundial para o Brasil em 1994, nos Estados Unidos.

O Campeonato Brasileiro de 1987, foi o mais confuso e polêmico da história. Na final, o Flamengo venceu o Internacional de Porto Alegre por 1 a 0, com gol de Bebeto, conquistando o Módulo Verde. Ao mesmo tempo, o Sport Recife levou a melhor no Módulo Amarelo. Previsto no controverso regulamento, o cruzamento Flamengo x Sport não aconteceu, por divergência envolvendo a CBF e o Clube dos 13.

No comando do Flamengo, o excelente técnico Carlinhos Violino lançou jovens craques ao lado de ídolos como Renato Gaúcho e Zico. Era realmente um grande time, com Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Ailton e Zico; Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho.

Na recente crise, que culminou na demissão do técnico Tite, o Flamengo estava pressionado e saiu contratando no final da janela de transferência. Trouxe Gonzalo Plata, Alex Sandro, Michael e Alcaraz. Até o último dia permitido, houve novas tentativas de reforços. Cada jogador chegava e, poucos dias depois, era escalado. Com Carlinhos, isso jamais iria acontecer.  Lembro de suas convicções: “O atleta tem que conhecer o Flamengo”. Ele completava “Os formados no clube sabem que, dando o sangue, a arquibancada apoia”.

Em sua segunda passagem pelo Flamengo como treinador, Carlinhos apostou nos campeões da Copa São Paulo de Juniores de 1990. Foi uma decisão acertada, resultando em conquistas como as do Carioca de 1991 e o Brasileiro de 1992. O lema estava vivo: “Craque o Flamengo faz em casa”: Júnior Baiano, Rogério, Pia, Fabinho, Fábio Augusto, Marquinhos, Marcelinho Carioca, Paulo Nunes, Djalminha, Nélio… É uma pena que um desmanche inexplicável tenha atingido a última grande geração de talentos rubro-negros.

O Flamengo de hoje subiu o sarrafo com conquistas, contratações e orçamento perto de R$ 1,5 bilhão. As cobranças e exigências aumentaram. Iniciando a carreira como técnico, Filipe Luis conduziu o time sub-20 ao inédito título mundial da categoria. Apesar disso, desde 2019 foram negociadas mais de 30 joias, com quase R$ 1 bi de faturamento. Com a chegada de Filipe Luis para comandar o time principal, vocês acham que as promessas voltarão a ter chances?

TARDE DE BOLA

por Paulo-Roberto Andel

SEXTA-FEIRA vadia, fria e meio silenciosa, então surge na TV Hungria versus Holanda pela Liga das Nações. Toda hora tem uma competição: Copa do Mundo, Copa América, Eurocopa, Liga das Nações. Bem, acabou a Copa das Confederações.

Jogo na Hungria, estádio lotado. Setenta anos depois de Puskás, Czibor, Hidegukti e Kocsis ainda alimenta sonhos e esperanças, mesmo que vãs. Um time daqueles de novo? Nunca mais. A Hungria fez 10 a 1 em El Salvador na Copa da Espanha, a maior goleada dos Mundiais. E também ganhou do Brasil por 3 a 0 em 1986, com um gol de Détári. Salvo engano, foi a última atuação de Leão como titular da Seleção Brasileira. Minha simpatia pela Hungria, além dos craques do passado, tem a ver com o Fluminense: a semelhança das cores. Ah, em 1982 tinha o goleiro Mészáros, que faleceu ano passado. Uma vez eu fiquei ouvindo pelo radinho Fluminense x Honved, eles ganharam por 2 a 0 no torneio de Córdoba. Não lrmbro se chegou a ter a transmissão ou só as informações da partida. O que sei é que perdemos para o grande Honved dos anos 1950. E o radinho estava colado na minha cara.

O sonho da Holanda não tem setenta anos, mas cinquenta. O que dizer do time de 1974 que, mesmo sem Cruyff, chegou à final do Mundial da Argentina em 1978? Um bando de craques geniais, malucos e humildes: todos atacavam, defendiam e trocavam de posição. Os adversários enlouqueceram. Krol, Neeskens, Rep, Suurbier. Jongbloed, uma legenda. Van era com a Holanda: Van Beveren, Van Breukelen, Van Der Kherkof, Van Basten – e na música, Van Halen. Agora quase não tem. A segunda leva, com a turma do Gullit, foi excelente também. O terceiro vice mundial, conquistado em 2010, serviu para que, apesar da frustração, a Holanda fosse tão grande a ponto de ser a única seleção que não conquistou uma Copa, mas com status como se tivesse conquistado.

[Máquina Tricolor e Laranja Mecânica têm tudo a ver, de ponta a ponta, da costa leste à oeste

A partida acabou sendo divertida, mas não brilhante. Prevaleceu a marcação da Hungria no primeiro tempo, quando a seleção mandante fez um belo gol: cruzamento da esquerda e finalização de primeira no alto à esquerda. No segundo tempo a Holanda predominou, mesmo com um jogador a menos, e acabou empatando no fim com bela cabeçada de Dumfries. Memphis Depay ainda não está por lá. Na hora da comemoração foi fácil ver como o uniforme holandês azul é bonito, embora a eterna camisa laranja seja imbatível.

Ah, no primeiro tempo teve um lance sensacional, que só se compara a uma decisão por pênaltis – sempre corrigida pelo eterno Mário Vianna, com seus dois ênes: “NÃO SÃO PÊNALTIS, MAS TIROS LIVRES DIRETOS DA MARCA PENAL”. Ufa! Vamos ao lance: dois toques dentro da área húngara, dez húngaros debaixo da trave, dez holandeses pensando onde a bola pode chegar ao gol, tensão discussão. A bola parada depois da marca do pênalti. A cobrança é uma bomba, mas o desfecho é improvável: o goleiro defende sem rebote.

No fim, os húngaros – que contaram com a vitória magra em boa parte do tempo – saíram meio decepcionados, mas não deixaram de cantar e gritar para seus jogadores. Foi uma boa partida. Não, não: Czibor, Hidegukti, Puskás e Kocsis, nunca mais. Cruyff e Neeskens, nunca mais. Contudo, toda vez que começa um jogo, todos os torcedores voltam a ter doze ou dez anos de idade – assim, tudo é visto com o amoroso doce licor da infância. Faz muito tempo, mas é impossível para Holanda e Hungria entrarem em campo sem abrir as cortinas do passado, um belo e fascinante passado.

O jogo do radinho. O Honved tinha outro Kocsis. O Fluzão? Paulo Goulart, Marinho, Ademilton, Edinho e Ricardo Longhi; Pintinho, Givanildo e Mário; Osni, Tulica e Zezé. Depois entraram Edevaldo, Rubens Galaxe, Robertinho e Parraro. O Flu vivia tempos de crise e não ganhava nada desde 1977, mas ninguém sabia que, meses depois, com sete desses jogadores que perderam para o Honved, surgiria um grande campeão. Certas coisas a gente só entende depois que o tempo passou.

Aquele radinho me traz muitas coisas.

@p.r.andel

UMA VIAGEM NO TEMPO

por Wesley Machado

Um dos meus filmes preferidos é “De Volta para o Futuro”. E estou me referindo a toda “trilogia”. Até do terceiro filme – que alguns criticam – eu gosto. Recentemente descobri que – paradoxalmente – tem o filme 4 da “trilogia”. No segundo longa da série a história se passa em 2015. Uma produção lançada em 1989, ano do que é considerado pelos torcedores do Botafogo como do maior título até hoje do clube pelo simbolismo que tem.

Se em 1989, quando foi lançado “De Volta para o Futuro 2”, o Botafogo foi campeão carioca depois de quase 20 anos, em 2015, quando se passa “De Volta para o Futuro 2”, o Botafogo foi campeão brasileiro da Série B pela primeira vez – voltou a ganhá-la em 2021. O clube já havia sido rebaixado em 2002 e caiu de divisão de novo em 2014 e 2020. Meu pai diz que espera que não voltemos mais para a Série B.

No entanto, nós torcedores – sou jornalista, mas também sou torcedor – não devemos nos esquecer dos tempos de seca. Agora uma chuva de gols e vitórias – quem sabe títulos? – abençoa a estrela solitária e a faz voltar a brilhar. Como nesta quinta-feira, 10/10/2024, quando dois jogadores do Glorioso garantiram a vitória de 2 a 1 de virada da Seleção Brasileira diante do Chile no Estádio Nacional, em Santiago.

Esta época de glórias me faz voltar a um tempo que não vivi, os anos 1960, de ouro para o Botafogo e de agruras políticas. Década de luta pela liberdade em todo o mundo em meio a guerras sem sentido, como as contemporâneas. Período em que os jovens cantavam MPB nos festivais e muito mais. Que este momento de alegria, alegria, volte – por que não, por que não? – para o Brasil e o Botafogo, que tanto se entrelaçam, porém, entretanto, todavia com general apenas Severiano. Em um cinema novo com Canal 100. É o que sonha um brasileiro botafoguense, que prima pela esperança!