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NÃO SE TRATA UM ÍDOLO ASSIM

por Zé Roberto Padilha

O Fluminense, como tantos outros clubes, teve grandes times em sua história. Ídolos, foram poucos. Não é comum um atleta permanecer muitos anos defendendo o mesmo clube, se identificar com sua camisa e ser decisivo em importantes conquistas. Caso seja carismático e ainda artilheiro, está feita a idolatria.

E tal raridade se consolida e se candidata a virar estátua. Para mim, Fred vem se juntar a Valdo, Denilson, o “Rei Zulu”, Castilho e Rivellino. Um clube bem fechado.

Acontece que, por serem ídolos, recebem um carinho todo especial dos torcedores. E esse sentimento único, o tal afago, se incorpora na personalidade de todo atleta que lida com multidões. Daqueles que não dão um passo no BarraShopping sem serem abordados. Mas quando se despedem…

A memória do torcedor é mais forte apenas do que a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói.

Fred, quando decidiu parar, pensou que se afastaria apenas dos gramados. Mas ao deixá-lo, a midia, a torcida, as reverências foram embora juntos. E os refletores se apagaram também.

Nesse momento em que ele, Fred, pede um tempo, seria importante o torcedor tricolor, o mesmo que vai pichar o muro quando perde, aquela mesma torcida que se monoliza para erguer o mais belo dos murais, realizar um movimento “Fica, Frederico!”.

Como disse, ele não pediu para ser ídolo de alguém. Mas já que o escolheram, idolatraram, não é justo virar-lhe as costas quando troca a chuteira pelo sapato. O manto amado por um blazer.

Mesmo porque o coração, tricolor igual ao nosso, continua o mesmo.

RECORDANDO A MAESTRIA DO FUTEBOL DE DICÁ E ZENON

por Pedro Tomaz de Oliveira Neto

Dois dos melhores meio-campistas do país na segunda metade da década de
1970 e início dos anos 1980 brilhavam vestindo a camisa 10 da Ponte Preta e
do Guarani de Campinas, cidade tida na época como um importante centro do
futebol brasileiro, com seus dois clubes revelando grandes jogadores e
rivalizando com os principais clubes do estado de São Paulo e do Brasil.
Estamos falando dos craques Dicá e Zenon, maestros de duas equipes que
jogavam um futebol refinado, solidário e de impressionante verticalidade.

Na Ponte Preta vice-campeã paulista de 1977, 1979 e 1981, e de belas
campanhas no Brasileirão do período, Dicá se sobressaía como um regente de
uma autêntica orquestra filarmônica de jogar futebol, tamanha era a harmonia
demonstrada pelo time dentro das quatro linhas. A escalação base daquela
Macaca ainda está na ponta da língua dos seus torcedores mais antigos e dos
amantes do futebol, inclusive aqueles com problemas de amnésia, pois
estamos falando de uma formação inesquecível: Carlos; Jair Picerni, Oscar,
Polozzi e Odirlei; Vanderley, Marco Aurélio e Dicá; Lúcio, Rui Rei e Tuta.
Revelado nas divisões de base da Ponte e com passagens no Santos e
Portuguesa de Desportos, Dicá sempre chamou a atenção pela inteligência,
capacidade técnica e antevisão privilegiada na armação de jogadas, além de
ser dono de chutes potentes e certeiros e um exímio batedor de faltas, sendo a
mais famosa aquela que adiou o grito de campeão de 140 mil corintianos no
Morumbi, na segunda partida da decisão do Campeonato Paulista de 1977.
Dicá é até hoje o jogador que mais vezes defendeu a equipe alvinegra e o seu
maior artilheiro, com 155 gols.

Por sua vez, o Guarani campeão brasileiro de 1978 e de excelentes colocações
no campeonato paulista, cujo time base formava com Neneca; Edson, Mauro,
Gomes e Miranda; Zé Carlos, Renato e Zenon; Capitão, Careca e Bozó, tinha
em Zenon a sua fonte de criatividade. Dos pés desse extraordinário craque
nasciam as principais jogadas de ataque do Bugre, muitas delas concluídas
pelo próprio, ou num chute colocado ou numa cobrança de falta com perfeição,
tal como testemunhou a torcida do Vasco da Gama durante a semifinal do
Brasileirão de 1978, quando assistiu, incrédula, a uma exibição de gala de
Zenon, autor de dois golaços que eliminaram o clube carioca em pleno
Maracanã. Formado e profissionalizado pelo Hercílio Luz de Santa Catarina,
Zenon se destacou no Avaí, onde se sagrou campeão catarinense em 1973 e 1975.
No ano seguinte, desembarcou em Campinas para defender o Guarani e se firmar
como um dos grandes meio-campistas do futebol brasileiro, que ainda brilharia
no Corinthians e no Atlético-MG.

Hoje com os dois clubes campineiros se arrastando para, no máximo, se
manterem na Série B do Campeonato Brasileiro e na elite do estadual, restam-
nos as doces recordações de jogos maravilhosos, especialmente os dérbis que
colocavam frente a frente a Ponte Preta de Dicá e o Guarani de Zenon, um dos
clássicos mais disputados do país. Naquela época, o torcedor campineiro
comparecia com gosto e orgulho ao Moisés Lucarelli ou ao Brinco de Ouro da
Princesa, pois tinha a garantia de presenciar um grande espetáculo, não só
pela rivalidade entre as equipes, mas, sobretudo, pela entrega de um futebol
com elevado nível de qualidade e emoção. Velhos tempos, belos dias!

ADÍLIO, JAMAIS TE ESQUECEREMOS

por Marcos Vinicius Cabral

Ao consagrar-se no Flamengo, em 1981, Adílio não venceu apenas adversários dentro de um campo de futebol. Venceu a pobreza, a falta do pai que morreu quando era criança, o preconceito, e a questão racial que impera até hoje na sociedade. Venceu na vida.

Saído de um conjunto habitacional no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, o homem Adílio de Oliveira Gonçalves realizou os sonhos que um dia o Neguinho da Cruzada sequer imaginaria conseguir.

Humilde, com aquele sorriso puro e mágico que só quem o conheceu pôde perceber, o 8 do Flamengo teve as cicatrizes de uma vida difícil coberta pelos esparadrapos do destino. Cada conquista que teve serviu para sarar as feridas. O tempo curou cada uma delas. Boa parte por meio do futebol.

Mas falar de Adílio e não citar os amigos que construiu ao longo dos 68 anos em que esteve aqui entre nós, é obrigá-lo a entrar em campo e pedir para marcar o adversário. Foge das características do jogador acima da média que foi. Coisa que Adílio teve de sobra, já que desde os seis anos ele já fazia travessuras com os rápidos pés.

A responsabilidade tática – exigida pelos técnicos com quem trabalhou – fazia com que Adílio se comportasse confortavelmente naquele meio-campo com Andrade e Zico como se estivesse em um lugar aconchegante. Era como se estivesse em casa cuidando de Alexandre, Ivan e Sebastião, três irmãos mais novos, para que dona Alaíde, a mãe, pudesse trabalhar fora e trazer o sustento para o lar.

O duro golpe veio na metade dos anos de 1970, quando dona Alaíde, figura dócil e sorriso marcante como o do filho, foi embora deste mundo e Adílio, compelido pelas circunstâncias da vida, vestiu – ao mesmo tempo em que já era notado com a camisa do Flamengo nos ‘Maracanãs’ Brasil afora – o uniforme do ‘Responsabilidade Vida Clube’. Dito e feito, colocou as chuteiras embaixo dos braços e foi-se embora fazer história como ser humano ímpar.

Coube a Deus, não lhe dar uma camisa ímpar como a 11, do endiabrado Júlio César Uri Geller – talvez o melhor amigo no meio do futebol – ou a 9, como a do decisivo Nunes. Talvez Deus poderia dar-lhe a 7, do bom de bola Tita, ou até mesmo a 5, de alguém chamado Leovegildo que recebeu a alcunha de Maestro por reger a orquestra rubro-negra de garotos. A 3, do sereno Marinho, e a 1, do seguro Raul, pudera, ele soube dosar serenidade e segurança em cada vez que teve o nome gritado pela Nação.

Quem se acha, já se perdeu. E marra, soberba, e altivez, o nosso eterno craque deu de bico para longe. Era importante para Adílio manter no inconsciente Carlinhos (1937-2015), que dominava a bola como um som afinado de um violino, e a batida de trivela de Nelsinho, ídolos do Flamengo na década de 1960 e dele.

Mas Adílio não era santo. Dos pulos que dava nos imponentes muros da Gávea para assistir os treinos até os desdobramentos entre os afazeres domésticos e os jogos no Sete de Setembro e no Royal, times de praia do Leblon, o Brown (referência ao ídolo James Brown), Adílio incorporou. À frente dos marcadores, gingou e balançou como poucos no futebol. Ganhou massa muscular, força e explosão. Flutuou sem sair do chão.

A alma, já rubro-negra, recebeu como dom divino ao dar o primeiro choro em vida. Canonizado, Adílio, um dos maiores camisas 8 do futebol brasileiro de todos os tempos, carregava consigo a esperança no olhar. E com a divina trindade enraizada às veias dos braços negros corria um sangue. Ora vermelho, ora preto. Tanto faz. O que importa é que era rubro-negro!

Na Seleção Brasileira teve poucas chances, é verdade. Preterido por Telê Santana em 1982, ganhou títulos, foi reverenciado, endeusado e cravou o nome na história do Flamengo rodando o Brasil e o mundo.

Em novembro de 1988, quis evidenciar o ditado popular “o bom filho à casa torna”, mas o então técnico Telê Santana, o mesmo que o preteriu para a Copa de 1982, na Espanha, vetou a contratação. Esteve no Alto da Glória para defender o Coritiba, mas a experiência na cidade modelo do país não foi das melhores. Sua saída do Flamengo, em 1987, foi um mistério.

Se tornou nômade no mundo da bola. Terminada a epopeia nos gramados, foi para o banco orientar os garotos que queriam ser o ‘novo’ Adílio. Pobres, garotos! Adílio tem o selo de autenticidade, é único e não há similares por aí.

Adílio nos deixou na segunda-feira, 5 de agosto, para desgosto dos que amam o futebol. Fechou os olhos para a eternidade. Não vai mais telefonar para o Andrade, enviar “bom dia” para o Leandro, perguntar pelo Lico ou brincar com o filho do Uri Geller. Não, nunca mais!

O que Adílio quer é que seu nome jamais seja esquecido. E isso, já estamos fazendo. Viva, Adílio!

DESCANSE EM PAZ, AMIGO!

por Zé Roberto Padilha

Estava no meu segundo ano no Flamengo, início de 1977, quando fomos treinar contra os Juniores. Pena não terem sido filmados os coletivos. Seriam testemunhas oculares de uma bela história.

Porque ali aconteceram duelos isolados que mostraram, no embrião, a equipe que quatro anos depois alcançaria a maior glória rubro-negra.

Eu contra o Leandro, Toninho enfrentava o Julio César, e Luizinho duelava com o Mozer. Mas foi no meio-campo que a arte produzia o que Tóquio iria reverenciar mais tarde. Mal sabia o Liverpool o que estava sendo cultivado para sua indigestão.

Tadeu, Geraldo e Zico enfrentavam Andrade, Adilio e Tita. Que espetáculo! Aí os Deuses do Futebol me apresentaram o Santa Cruz FC, e uma proposta sedutora nos levou a conhecer Recife. Feirinha de Olinda, Boa Viagem, Bar Jangadeiros, o Arruda lotado para ver nascer Nunes e Betinho. E consagrar Givanildo. E viajei imaginando quando aquele elenco fosse se juntar.

Hoje, quando assisto partir um dos mais brilhantes camisa 8 do nosso futebol, um garoto humilde que pulou o muro da favela para ir à Gávea encontrar sua glória, não tive como não lembrar dos nossos treinos.

Lico veio ocupar o meu lugar e o Flamengo foi campeão mundial de clubes. O Santa Cruz, bicampeao pernambucano.

Mas há jogadores, como Adilio, que passam pela história de um clube e se tornam eternos.

Nem dá para explicar o quanto a humildade se mantinha absoluta do lado de fora perante tamanha genialidade. Tal dom é pra poucos. Por isso Adilios, de exemplos tão raros e preciosos, nos farão sempre falta.

BINGO! BINGO!

por Elso Venâncio

Um dos grandes nomes do rádio esportivo, Édson Pereira de Melo, o Édson Mauro, se destaca
há décadas, com sua criatividade e descontração no microfone da Rádio Globo.
Criou bordões
históricos: “Comunicando”, “Marque o tempo, E aí? Beleza?”, “Bingo! Bingo! Olha o gol, olha o
gol”, “Foi ele que botou lá dentro, eu vi, eu vi…”.

Waldir Amaral, então diretor comercial e líder da equipe de esportes da Rádio Globo, foi quem
o descobriu, na Rádio Gazeta de Maceió, e sugeriu o slogan para o novo contratado: “O locutor
Bom de Bola”.

O talento de Édson Mauro para a comunicação surgiu cedo. Curiosamente, seu forte não era
jogar bola, mas, sim, narrar as peladas nas praias da sua terra natal. Profissionalmente, entre
tantas jornadas, transmitiu a despedida do Pelé, no Cosmos, direto do Giants Stadium, em
New Jersey, onde narrou o último gol do Rei do Futebol, cobrando falta, no minuto final do
jogo.

Um caso inusitado envolveu Édson Mauro e um dos grandes nomes da música brasileira. Certo
dia, Djavan procurou o amigo e conterrâneo na Rádio Globo. Estava desiludido, pensando em
voltar para a capital alagoana. Apresentado a Adelzon Alves, que comandava na Rádio Globo o
programa “Amigo da Madrugada”, apoiando a música popular brasileira, o artista viu a sua
vida se transformar. Produtor de nomes como Clara Nunes, João Nogueira, Dona Ivone Lara e
Roberto Ribeiro, Adelzon teve participação no sucesso de Djavan. Após ouvi-lo, levou a fita
cassete para João Araújo, da Som Livre, que selecionava canções para as novelas da TV Globo.
O resto é história…

No maior sufoco que Edson Mauro passou em um estádio de futebol, eu estava ao seu lado.
Era um Estudiantes x Flamengo, pela Supercopa dos Campeões da Libertadores, em 1991. Jogo
no El Palácio, campo do Huracán, em Buenos Aires. Não disponibilizaram cabine para a
transmissão. O operador de som contratado era argentino e nos colocou no meio das hinchas.
Edson, com sua técnica vocal, narrava baixo e de forma veloz, mas atento, como eu, a
qualquer reação contrária. Zinho fez um a zero; Gaúcho ampliou no segundo tempo.
Imaginem! Gritar gol duas vezes, no meio da torcida adversária e na Argentina…

Na redação de esportes da Rádio Globo, perto do Natal, João Saldanha contava histórias
quando, de repente, revelou: “Não quero mulher me enchendo o saco. Separei de novo!”.
Édson, então, perguntou onde ele iria passar o Natal.

— Sei lá!
— Quer ir para Maceió?
— Vou.

“O comentarista que o Brasil consagrou” era reconhecido e festejado nas ruas. Simples que
era, Saldanha narrava fatos e tomava cervejas nos quiosques da Praia de Pajuçara.

Sobre Édson Mauro, lá se vão 74 anos de idade, mais de 50 dedicados à comunicação. Chegou
à Rádio Globo no início dos anos 1970 e deu um rápido até logo em 1984, passando pelas Rádios Jornal do Brasil e Tupi. Depois, retornou ao Sistema Globo de Rádio, onde continua
fazendo sucesso. Vida longa ao “Bom de Bola”!