GOLEIRO DO TRI
por Elso Venâncio

Félix foi um dos heróis do tricampeonato mundial da Seleção Brasileira, em 1970, no México. Na época, os goleiros não tinham uma preparação adequada e eram muito criticados. Barbosa, Castilho, Gilmar, Manga, Leão, Taffarel, Marcos, Júlio César, Dida e outros como Félix, que atuaram na mais difícil e desafiadora posição do futebol, merecem ter o seu valor reconhecido.
Com apenas 15 anos, Félix Miélli Venerando já era profissional pelo Juventus da Mooca. Contratado pela Portuguesa de Desportos em 1955, ficou no Canindé por 15 anos e teve quatro convocações para a Seleção Brasileira. Para tirá-lo da Portuguesa, o Fluminense abriu os cofres, pagando 150 milhões de cruzados em julho de 1968. Antes, contratou Samarone, então com 18 anos, da Portuguesa Santista, desembolsando 80 milhões. O Santos tinha adquirido junto ao Fluminense o jovem lateral Carlos Alberto Torres, por 200 milhões, numa transação que foi a maior do futebol brasileiro.
Félix estava com 31 anos quando conquistou o seu primeiro título carioca, em 1969, sob comando do técnico Telê Santana. Na final, seu Fluminense derrotou o Flamengo por 3 a 2, com Flávio Minuano marcando o gol decisivo. Um time vencedor se formava nas Laranjeiras. Não à toa, foi campeão brasileiro em 1970, no campeonato mais difícil da história, com os tricampeões mundiais jogando no país. Era um time tricolor histórico, com Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa, Samarone, Flávio Minuano (Mickey) e Lula. Mostrando sua força, o clube ainda conquistou o Campeonato Carioca em 1971, 1973, 1975 e 1976, e a Taça Guanabara em 1969, 1971 e 1975; além de importantes torneios internacionais, como o de Paris e o Ramón de Carranza.
Ídolo do Fluminense, Félix tinha o apelido de “Papel”, por ser magro e ágil, voando para fazer grandes defesas. Tinha 1,76m de altura, o que dificultava as suas saídas nas bolas altas. Porém, compensava a baixa estatura com coragem e eficiência embaixo do gol. Pelo Brasil, foi uma das feras de João Saldanha na campanha das Eliminatórias para a Copa de 70, sendo mantido por Zagallo, que substituiu Saldanha faltando menos de três meses para o Mundial.
O esquadrão comandado por Pelé encantou o mundo, vencendo todos os seis jogos disputados. Diante dos ingleses, na época os campeões do mundo, Félix se destacou com defesas arrojadas. Ele e a Seleção Brasileira foram coroados na finalíssima, com vitória por 4 a 1 sobre a Itália, gols de Pelé; Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto. Mais de 100 mil mexicanos presenciaram a história sendo escrita no Estádio Azteca.
Eternizado como um dos grandes do futebol brasileiro, Félix faleceu em agosto de 2012, com 74 anos, em São Paulo, vítima de embolia pulmonar.
UMA CAMISA CÚMPLICE DE TÍTULOS
por Zé Roberto Padilha

Uma coisa é você ser torcedor de um clube que, vira e mexe, mereça ou não, se torna campeão. Um time que tem cumplicidade com os títulos.
Outra é você conseguir um lugar no seu time, e assistir, de perto, no banco de reservas, ele alcançar a mais improvável das conquistas, que foi o de campeão carioca de 1971.
O Botafogo, então assíduo fornecedor de craques para a seleção brasileira, um ano após Brito, Roberto Miranda, Jairzinho, Gerson e Paulo Cesar Caju alcançarem o tricampeonato, disparou na liderança do estadual carioca.
Abriram um mundo de pontos à frente do segundo colocado e o jornalista Raul Quadros, do Placar, convenceu PC a posar com a faixa de campeão com rodadas de antecedência. E ele o fez.
Só esqueceram da soberba, que é própria. Não do Botafogo, mas do ser humano. E do Fluminense, o então distante segundo colocado, e sua camisa sobrenaturalmente poderosa. E o Botafogo foi se perdendo nas últimas rodadas. Com todo respeito, até o Bonsucesso lhe concedeu insucessos.
E fomos para a última rodada com o Botafogo ainda em vantagem por jogar pelo empate. E aos 38 do segundo tempo, Ubirajara Motta, goleiro alvinegro, foi abalroado dentro da pequena área por Marco Antônio (foto) após a cobrança de um corner. Só o árbitro não viu.
A bola sobrou para nosso ponta esquerda, o Lula, que a colocou no fundo das redes. Não tinha VAR e o juiz foi perseguido até o túmulo pela torcida alvinegra.
Quando pego essa faixa, Campeão da Guanabara 1971, em meio às minhas recordações, não penso que ela foi imerecida. Estava no banco e tinha jogado toda a Taça Guanabara e meu time não tinha nada a ver com a soberba. Nem com a falha do juiz.
Era apenas uma outra prova, naquela ocasião, já como jogador, da intimidade com que o Fluminense historicamente tem com suas conquistas.
CHOREMOS POR NEYMAR
por Marcos Fábio Katudjian
Nos últimos dias, surgiu uma polêmica acerca de Neymar. Mais uma.
O narrador chorou ao falar dele. O comentarista rebateu, disse que aquilo era absurdo, ridículo. Se pegaram nas redes sociais. Pilantra pra cá, bebê chorão pra lá.
E, no meio, Neymar.
E a pergunta: quem é Neymar?
Para muitos, um sujeito que não levou a profissão a sério. Mas, para outros que o tiveram perto de si – como Muricy, técnico durão, sem meias palavras –, ele é um dos melhores profissionais com quem já trabalharam.
Difícil saber quem está certo ou errado. O fato é que o “menino Ney” envelheceu. Com 33 anos, está bem próximo da aposentadoria. A questão é saber se ela já não deveria ter acontecido.
Minha opinião? Seu talento é o maior dentre todos os seus contemporâneos. Sim, maior que Lionel e Cristiano. Seu talento é similar ao do maior jogador brasileiro de todos os tempos, Garrincha. (Sim, porque Pelé não se compara com nada.)
Algo que não é só minha opinião, mas um consenso: ele foi muito aquém do que poderia.
Se há algo que justifica o choro do narrador – e o nosso – é isso. Neymar nos desperta algo mais profundo e talvez inconsciente: o fato de ser um símbolo perfeito para o Brasil. O país do futuro, que simplesmente não chegou lá. Nem perto.
Talvez mais doloroso ainda seja perceber que nossos próprios sonhos particulares irrealizados, projetados em Neymar, refletem bem a vida como ela é.
Então é isso. O Brasil tem o craque que merece. E está tudo certo.
Mas, mesmo assim, é triste.
É triste, mas não é o fim. Ainda há futuro. Pequeno, muito menor agora, mas há futuro.
Ainda há vida.
E, se há vida, há esperança – que é a última que morre.
E o choro, quem sabe, talvez seja a emoção necessária para a redenção tardia.
CAMPO DO GRADIM
por Marcos Vinicius Cabral

Na sexta-feira (7), meu coração foi partido em mil pedaços. Continuo aqui, inconsolável, tentando juntar cada pedacinho dele a fim de reconstruir parte a parte do que restou.
O motivo?
Mais cedo passei na BR-101 e olhei uma grande obra no local onde existia o Campo do Gradim, passarela verde por onde pisaram pés habilidosos, verdadeiro point dos boleiros.
Foi neste campo, histórico de São Gonçalo, que uma das mais brilhantes equipes de futebol amador da cidade chamada Jovem Fla conquistou um bicampeão em 2004 e 2005. O primeiro, de forma invicta.
Dentre os dons que Deus me deu, orgulho-me muito de ter jogado futebol. E jogado com os melhores. Se não fui profissional por causa das condições financeiras da família, os joelhos, já combalidos, não me impediram de vestir a camisa 8 do Jovem Fla que todos conheciam pelas cores rubro-negras e talentos dos jogadores.
No entanto, na mais profunda humildade, me orgulho, não tão somente, em ter sido bicampeão, mas em ter conquistado, ao lado de meus companheiros, 39 troféus entre campeonatos e torneios realizados em São Gonçalo.
Resumindo: ganhamos tudo enquanto o Jovem Fla existiu!
O solo gonçalense, rico em produzir talentos das mais diferentes áreas, foi o município escolhido por Deus para que o Jovem Fla existisse. E conseguimos escrever nossos nomes no futebol amador da região.
Por tal motivo, hoje me bateu uma tristeza enorme do tamanho da obra que está sendo realizada naquele local. É menos um campo de futebol e a certeza de que serão talentos não serão observados e, consequentemente, lapidados para chegar a um clube.
Ficam as memórias, as amizades e os troféus que, empoeirados e laureados por teias e mais teias de aranha, estão guardados na casa de Wallace, fundador do Jovem Fla.
Obrigado a cada um de vocês (companheiros do JF) que me ajudaram a construir essa história. Nada apaga. Assim como nada apaga os verdadeiros amigos que a bola me deu.
Nunca foi, não é, e jamais será apenas futebol.
EM VIDA
por Rubens Lemos

Geovani era um esteta do futebol. Dos seus pés saíam versos imaginários para Roberto Dinamite, Romário, Bebeto, Edmundo e todos os artilheiros com os quais dividiu ribalta nas décadas de 1980 e 1990. Geovani pisava macio e elegante. É meu maior ídolo. Somos amigos fraternos há 12 anos e nunca vi qualquer astro do esporte tão simples quanto ele.
Geovani ensinou prazer no ato de criação de meio-campo. Batia de direita com suavidade e com charme, arrematava de esquerda. Um craque com cinco títulos em doze anos de carreira no Vasco. É, historicamente, o melhor armador do clube em todos os tempos, verdade computada em diversas pesquisas em que a eleitora foi a sagrada torcida no seu passionalismo certeiro.
Aos 60 anos, Geovani dribla a cada dia os efeitos de uma polineuropatia, espécie de câncer na coluna que atacou seu corpo humano, mas não lhe tirou a capacidade de lutar no jogo da vida. É uma doença rara e grave, que fragilizou fisicamente o Pequeno Príncipe, designação nobre ao estilo clássico do craque.
Geovani nem queria ser atleta. Nasceu com uma perna quebrada e rejeitou o primeiro convite para testes na Desportiva Ferroviária, seu clube de origem em Vitória(ES). Seu pai, seu Sebastião Conrado, insistiu e colaborou profundamente para a história da bola convencendo o filho a seguir em frente.
Então, Geovani foi jogar no Vasco em 1981, disputa vencida com o Flamengo de Zico, de quem o candidato a herói logo passou a ser chamado de sucessor. Geovani atuava mais recuado, como segundo homem da Academia de Letras do Futebol ali pelos labirintos da meiúca.
Aos 18 anos incompletos, encantando todo o Almirantado do Heroico Português, passou a titular, destronando ídolos como Dudu e Elói, heróis dos saudosos anos oitenta. Geovani fazia do passe uma mensagem romântica e seus lançamentos tinham a precisão de um sniper de guerra. Jamais erravam o alvo.
Um ano depois, o mundo caiu aos seus pés de pluma. O Brasil, com uma geração fantástica, conquistou o campeonato mundial da categoria Sub-20 ao derrotar a Argentina na decisão por 1×0, gol de Geovani, eleito o melhor do mundo na competição e também artilheiro. Estava nascendo o semideus de São Januário.
Mas havia obstáculos domésticos a vencer. Geovani sofreu nas mãos de treinadores que adotavam o futebol-força, de marcação e trombadas, parando no banco e ameaçando ir embora do Vasco, que nunca aceitou vendê-lo.
A grande temporada de Geovani foi a de 1988 quando chegou a craque do ano com o voto decisivo de Zico e a terceiro melhor jogador das Américas, perdendo apenas para Maradona e o uruguaio Ruben Paz. Na vaga de Paz, ele merecia ter ficado.
O capítulo Copa do Mundo foi traumático para o gênio pequenino de andar de comboy. Em 1986, em grande forma, viu a seleção brasileira levar brucutus do naipe de Elzo e Alemão e uma companhia envelhecida remanescente da derrota de 1982.
Pior fez Sebastião Lazaroni em 1990. Quando foi contratado pela CBF, um ano antes, anunciou que seu escrete seria Geovani e “mais dez”. campeão da Copa América em 1989, depois de ter sido o melhor das Olimpíadas de 1988 em Seul, Geovani ficou fora da lista dos 22 convocados para o Mundial da Itália.
Quando estava encerrando sua passagem pelo Vasco, em meados de 1995, Geovani teve tempo de fazer parte do mesmo time de Pedro Paulo de Oliveira, o Pedrinho, ex-jogador de futsal de habilidade desconcertante com a pata canhota. Pedrinho, aos 17 anos, Geovani aos 31, formaram no mesmo time que disputou o Campeonato Brasileiro 30 anos atrás.
Pedrinho foi brilhante, campeão da Libertadores e é um dos ídolos históricos do Vasco. Agora, preside o clube e, na semana passada, homenageou Geovani quando o Vasco enfrentou o Volta Redonda em Cariacica(ES). Geovani, debilitado, resistente e ovacionado. Dois craques. Na bola e na índole. Quer prestar homenagem, que se faça como Pedrinho a Geovani: em vida.