OMNES OMNIBUS
por Claudio Lovato Filho
Parece um navio que se aproxima lentamente, navegando solene, a proa mais nítida no horizonte conforme ele deixa para trás a névoa que encobre o mar (mar de asfalto).
Ou então talvez lembre uma nave vinda de uma alguma galáxia distante, depois de uma viagem marcada por uma profusão de imagens indescritíveis, agora pousando suavemente com suas luzes mercuriais que iluminam a pista à frente.
Ou ainda, quem sabe, sugira mais que tudo um animal gigantesco, ao mesmo tempo ancestral e futurístico, que avança a passos vagarosos e cerimoniais, da maneira cautelosa e altiva que seu tamanho pede e sua importância exige.
As pessoas se aglomeram ao longo do caminho, dando espaço, abrindo alas, construindo um corredor, e empunham bandeiras e trapos, e soltam fogos e acendem luzes como para indicar a rota que o enorme ser/objeto dotado de faróis e rodas e aço e vidro deve percorrer (como se ele precisasse).
No meio da multidão que não para de crescer, um homem e um menino acompanham tudo com muita atenção (na verdade, hipnotizados). O homem com o braço sobre o ombro do menino, o menino com os olhos muito arregalados, a respiração sobressaltada, o coração que aos trancos e barrancos, num galope.
Quando o navio, a nave, a criatura monumental passa bem perto de onde eles estão, e a massa aumenta a intensidade de suas saudações ruidosas e reverenciais com cânticos e fogos e a tremulação das cores mais importantes do universo, os portões enfim se abrem.
E nesse momento, quando a viatura sobrenatural passa bem em frente ao ponto onde estão o homem e o menino, um dos ocupantes acena, e o menino tem a certeza de que foi para ele – o menino que só pensa em futebol; o menino que para sempre amará o futebol.
Alguns instantes depois, quando os portões se fecham e o veículo mítico finalmente adentra território sagrado (a casa, o templo, o estádio, o estádio!), deixando para trás a euforia e as homenagens e a cantoria, o menino percebe – de uma forma que ele só conseguirá elaborar com clareza muito tempo depois – que, na vida, a distância entre sonho e realidade às vezes é nenhuma, e que no futebol isso ocorre com frequência ainda maior.
A vida. O futebol. Paixão e agonia. Virulência e poesia. Crueza e fantasia. Omnes omnibus. Tudo para todos.
P.S.: Omnes Omnibus (do latim, “Tudo para Todos”) foi o nome dado, em 1826, na França, à primeira companhia de ônibus da História.
QUER APOSTAR?
Antes de desenvolvermos o artigo sobre o recente escândalo das apostas esportivas, é preciso esclarecer que esse tipo de má conduta não é uma exclusividade do Brasil.
No campeonato italiano da temporada 1980-81, por exemplo, jogadores e dirigentes de times como Lazio e Milan se envolveram em manipulações de resultados para se beneficiarem na loteria esportiva. Ambos os clubes foram punidos com o rebaixamento.
Suspeitas desse tipo de prática também ocorreram em 2009, envolvendo cerca de duzentas partidas, inclusive da Champions League. A lista é longa…
Nesse contexto, o questionamento que se pode fazer sobre o ocorrido especificamente no Brasil se resume a um suposto processo de educação mais frágil. Aqui não me refiro simplesmente às escolas, mas também aos lares, independentemente de classe social. Isso talvez explique algumas permissividades.
Atos como fraudar documentos, dirigir pelo acostamento, além de receber e dar propinas, entre outros, sāo tolerados e vistos como faltas pouco graves, ou pior, normais.
Também deve ser esclarecido que a manipulação de apostas não se restringe ao futebol. Há escândalos famosos que renderam inclusive obras culturais, tais como o filme “Eight Men Out” – que narra ações de suborno na principal liga de baseball nos EUA – e a série “The Hansie Cronje Story”, que conta a história do capitão da seleção de cricket da África do Sul, também envolvido em operações escusas. A lista é longa…
Voltando ao atual escândalo no Brasil e analisando a situação pelo prisma de marketing, não há como negar que se trata de uma atitude deplorável, que mancha a imagem e a credibilidade da modalidade envolvida e de todos os seus stakeholders.
As consequências, nós só saberemos adiante, mas não custa lembrar que a decadência do turfe teve como uma de suas causas, as suspeitas de manipulação de apostas.
Será que o torcedor continuará acreditando na idoneidade dos atletas?
Como serão interpretados os próximos cartões amarelos e demais ações individuais prejudiciais ao próprio time?
Será que alguns árbitros também fazem parte do esquema?
Será que os atores citados acima terāo a devida tranquilidade para exercerem suas funções?
Não podemos negar que a paixão tem o poder de fazer com que se releve essas suspeitas, mas como fica a “razão” que deve permear os investimentos dos patrocinadores?
Será que eles acharāo interessante associar suas marcas a clubes e demais organizações esportivas que abrigam eventuais focos de corrupção?
As próprias empresas de apostas que patrocinam o futebol deveriam repensar se essa associação não é conflitante no presente momento.
Há os que simploriamente acham que basta regulamentar o jogo que o problema estará resolvido! Mas o que se entende por regulamentar? Simplesmente taxar, adequar à legislação local e cobrar melhores práticas de compliance?
Nāo sejam ingênuos, por favor! Não ignorem a economia paralela e informal, essa nunca acabará.
Ainda que a regulamentação seja necessária – já vislumbro a criação de uma agência regulatória com a devida criação de cargos com indicações políticas -, penso que a diminuição desse tipo de crime passe obrigatoriamente pela proibição de apostas que envolvam as ações dos jogadores de forma individual e na punição extremamente severa dos criminosos – corruptor e corrompido –, após um julgamento justo, sejam esses que forem.
Isso se faz urgente!
TEMPOS MODERNOS
por Paulo-Roberto Andel
Saí do trabalho com a missão de fazer a fé na Loto, pois organizo pequenos bolões com alguns amigos. Deixei o Sebo X e, em dez minutos, estava na minha agência lotérica preferida: rua da Relação, quase esquina com Gomes Freire.
Umas três ou quatro pessoas na fila única (algo sempre difícil para os brasileiros respeitarem) e, ao lado, um simpático botequim. Nele, uma televisão grandona com imagem de cinema.
Cinco e pouco da tarde. Leicester versus Liverpool.
Dois clientes com os olhos arregalados diante de todos os detalhes do jogo. As três ou quatro pessoas da fila da loteria, também. Um garotinho de bicicleta para pra olhar. Futebol é um acontecimento, amigos.
Falta para o Liverpool. No exato momento, com a fila parada, converso no WhatsApp com Catalano. Somos umas dez ou doze pessoas nos arredores da televisão. Todos estamos na espectativa do que vai acontecer.
A câmera dá um close em Sala, o craque egípcio. É impressionante como as tevês de hoje têm definição de imagem espetacular. Bom, o craque balbucia algo para seu companheiro, na imagem seguinte sai uma cobrança de falta maravilhosa e um golaço do Liverpool.
As pessoas riem, ficam felizes com a bela jogada. Ninguém é Liverpool ali. Só o Catalano, no WhatsApp, é Vasco, Vasco, Vasco e depois Tottenham e Internazionale de Milano.
O gol faz bem às pessoas. Melhor ainda quando ali ninguém torcia para o time que levou o gol.
Num susto a fila anda, falo com as garotas da lotérica sempre atenciosas, faço o bolão e saio. Hora de ir pra casa, depois de mais um dia de luta.
Ainda dou uma espiada no botequim, vejo um ataque do Leicester, o Liverpool dá a resposta e, em poucos segundos, junto tudo aquilo e fico pensando em como a nossa maneira de acompanhar futebol mudou. Sou do tempo em que se colocava papel celofane colorido na tela da TV, para enxergar além de preto e branco. Internet? Nem pensar. WhatsApp? O máximo que tínhamos eram os narradores no radinho, fazendo das partidas verdadeiros épicos – felizmente o rádio está aí até hoje. Jogos de times europeus, a gente só sabia pela querida revista Placar.
Antes de derramar uma lágrima, sonho em poder ver muitas e muitas partidas ainda. Hoje são tempos modernos, mas o amor é de antigamente. E falando em tradição, nessa terça tem o jogo da minha vida: Fla x Flu no Maracanã. Já são quase cinquenta anos acompanhando esse jogo que parece interminável, onde cada partida é apenas mais um capítulo. E lá vou eu fazer o velho caminho Presidente Vargas + Praça da Bandeira + Avenida Pelé até a roleta, a inesquecível rampa da UERJ e o campo dos sonhos.
O tempo vai passando, mas seja numa linda TV de alta definição ou no Maraca, pertinho da grama, o futebol é bom demais. Não é só o jogo pelo jogo, mas muita coisa em jogo, feito aquela que hipnotiza os clientes da fila de uma lotérica com uma só imagem.
MÁGOAS REVIVIDAS
por Elso Venâncio, o repórter Elso
Bebeto e Romário foram protagonistas tanto na conquista da Copa América, em 1989, disputada no Brasil, quanto no tetracampeonato mundial, em 1994, nos Estados Unidos.
Na competição sul-americana, a seleção comemorou o título após 40 anos de jejum. Bebeto foi o artilheiro da competição, com sete gols, e também o craque do torneio. Romário marcou o gol do título, sobre o Uruguai, mas Bebeto era o maior jogador do país.
Já na Copa do Mundo, o destaque foi Romário, que ajudou o Brasil a levantar uma taça esperada pelo povo havia 24 anos. O ‘Baixinho’ tornou-se o ‘Número 1’, ou seja, o melhor jogador do mundo. Jogando juntos na seleção, Bebeto e Romário nunca perderam uma partida sequer, tal qual Pelé e Garrincha.
Diferentemente dos ídolos Zico e Roberto Dinamite, Bebeto e Romário, ao longo da carreira, revezaram-se entre Flamengo e Vasco, despertando idolatria e mágoa entre as gigantescas torcidas. Romário, apoiado pela imprensa, vestiu a camisa de super-herói nacional, ‘O Cara do Tetra’, o que incomodou bastante o seu parceiro de ataque.
“Rapaz, joguei muito” – Bebeto repetia.
Não é anormal estrelas do futebol terem o ego inflado.
“Ninguém ganha nada sozinho” – insistia Bebeto.
A fantástica seleção de 1982, montada por Telê Santana, sucumbiu diante da Itália, na ‘Tragédia do Sarriá’. Já a comandada por Carlos Alberto Parreira, 12 anos mais tarde, abandonou o futebol-arte, que encantava o mundo, e só chegou ao título, ainda assim de forma sofrida, na loteria dos pênaltis, porque naquele ano os dois maiores atacantes do mundo eram brasileiros.
Os poderes de Romário mexiam com Bebeto. Kleber Leite, devido ao acanhado estacionamento na Gávea, ao lado da arquibancada, criou, em letras garrafais, ‘A VAGA DO PRESIDENTE’. Logo, surpreendeu-se com um carro no local.
“Pinheiro, Pinheiro!!! De quem é esse carro aqui?”
Sem jeito, o chefe da segurança disse baixinho:
“Do Romário.”
Resignado, o presidente do clube se calou.
Bebeto nunca teve e nem pedia privilégios. Romário, sim, tinha acordo com os presidentes dos clubes onde jogou. Por exemplo, treinava somente à tarde:
“Não bebo, mas gosto da noite” – deixava claro, de cara.
Os técnicos não entendiam esse combinado. Menos ainda Bebeto.
Os dois se desentendem agora na Política, mas a verdade é que a antiga ferida não está cicatrizada. Romário, polêmico, nunca teve papas na língua:
“Zagallo me sacaneou em 1998. Em 1994, esperaram por Branco. Quanto a mim, logo eu, que sou homem-gol, fizeram o que fizeram…”
Romário se reelegeu, mas Bebeto fez campanha para um adversário do ex-companheiro.
“Traidor…” – reagiu o agora Senador da República.
Bebeto, o bom moço, estava engasgado com o antigo parceiro havia anos:
“Ele tá velho e esclerosado.”
O ‘Garotinho’ José Carlos Araújo chega aos 83 anos, no auge da carreira, motivado e com novos projetos. O grande nome do rádio esportivo lançou, com sucesso, o podcast ‘Cheguei’. Na estreia, as explosivas declarações de Romário. Nessa semana, Bebeto é o convidado! Vale a pena conferir esse papo!
DESONRA NAS MANCHETES
::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Não poderia começar essa coluna sem falar do assunto que dominou as manchetes pelo mundo! Eu, como jogador de futebol, me sinto extremamente triste com tudo que vem acontecendo em relação à manipulação de resultados por conta de apostas esportivas.
Se não bastasse o jejum de mais de 20 anos sem levantarmos uma Copa do Mundo, agora viramos chacota e perdemos toda credibilidade por conta dessas falcatruas e acho que a investigação ainda está longe do fim. Trata-se de uma desonra para o futebol brasileiro, mas confesso que não me surpreende! Sabem por quê? Porque, teoricamente, quem deveria dar o exemplo faz até pior! Quantas vezes vimos a FIFA e a CBF anos atrás envolvidas em escândalos? Não vou nem perder meu tempo listando, pois tenho mais o que fazer e falar disso me faz mal! Simplesmente inacreditável!
Lembrando meus tempos de jogador, o que existia era o famoso “bicho”, um incentivo financeiro oferecido por dirigentes ou empresários para que ganhássemos os jogos, o que é super válido até hoje! O Manga adorava isso e até hoje ninguém esquece que contra o Flamengo ele fazia a feira no dia anterior porque o bicho era certo! Kkkkkk! Em 82, também por conta de fraude com apostadores, Rossi ficou suspenso por dois anos e só conseguiu disputar aquela fatídica Copa porque a FIFA aceitou reduzir sua pena. Podíamos ter ficado sem essa!
O que não consigo entender é como jogadores com salários tão altos se submetem a esse risco por “merreca” se comparado ao que ganham. Depois dessa polêmica, me digam qual time vai querer contar com os jogadores envolvidos? Qual torcida vai aceitar uma contratação dessa? Lamentável, amigos!
Mesmo diante de tudo isso, não consigo deixar de assistir e acompanhei a rodada de perto! O Fluminense não empolgou como estamos acostumados, mas venceu bem. O Botafogo perdeu a primeira e já ouvi muita gracinha. O campeonato é longo e o importante é manter a confiança e a defesa segura. O Corinthians arrancou um empate contra o São Paulo em Itaquera, entrou na zona de rebaixamento e Luxemburgo disse que a torcida tinha que comemorar! Kkkk! Respeito muito o Luxa, mas já falei que sem resultado não tem conversa!
O Vasco perdeu para o Santos em casa e já tem muito torcedor desanimado. Depois de um início animador, agora são só seis pontos somados em seis jogos. Por fim, o América-MG tomou quatro do Cruzeiro e não sei até quando Vagner Mancini será mantido no cargo. E o Abel Ferreira continua bem grosseiro! Até quando vamos permitir esse comportamento?
Pérolas da semana:
“Transição passiva qualificada na última linha de três do campo para ajudar o marcador a correr para trás e proporcionar um encaixe automático na consistência coletiva”.
“Para explorar o corredor pelos lados, o jogador de beirinha aplica ao contexto uma intensidade para elaborar a segunda bola e espaçar o terreno por dentro, buscando uma identidade”.
“Atacante agudo por dentro busca o falso nove proporcionando uma ligação direta e verticalizar a bola viva”.
Passem no Félix Pacheco para autenticar! Kkkkk!