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SANTOS

por Zé Roberto Padilha

Não deve ser fácil a vida de um guardião, o tal último homem, se sua barreira de proteção e seus protetores são trocados a toda hora. Desse jeito, fica difícil se entrosar. E proteger a meta de toda uma nação.

Trocam tantos, pobre Santos, que quando uma bola é alçada sobre a grande área rubro-negra ainda escutamos um grito comum das peladas da várzea:

“Sai que é minha!”.

Em alguns jogos, são escalados Rodrigo Caio e Léo Pereira. Em outras, entra Fabrício Bruno e David Luiz. E se misturam em razão de contusões ou suspensões.

Quanto aos protetores dos seus protetores, em uma partida é o Thiago Maia quem joga muito e não protege ninguém. Na outra, o Vidal, mas, quem vai entrar hoje é o Pulgar.

Aí vem um cruzamento rasteiro em sua direção e ele, que não está entrosado o suficiente com a dupla atual, não sabe se sai ou se fica. Em uma fração de segundos, tem que avaliar se eles vão cortar o cruzamento ou deixar a bola correr por toda a extensão da área.

Daí ele, Santos, resolve sair para interceptar a bola e um toque sem querer do Vitor Roque desvia a bola para dentro do gol. O lugar que deveria estar segundo todos que não estão no seu lugar.

Com seu jeito simples, educado e discreto, Santos, após uma saída corajosa, deixou a arena lesionado e deve ficar um tempo fora do gol do Flamengo. Talvez o tempo suficiente para que todos reconheçam que mesmo os Santos precisam de proteção.

De Deus e dos seus.

DANTE NÃO TEM TREZE LETRAS

por Reinaldo Sá

O sonho de todo jogador é disputar uma Copa do Mundo pela seu país, mesmo estando do outro lado do Oceano Atlântico. Foi o caso do quarto-zagueiro Dante, que surgiu no interior da Bahia, e entrou numa verdadeira prova de fogo, quando substituiu o monstro Thiago Silva, suspenso pelo terceiro cartão amarelo, na semifinal de 2014. Vale lembrar que, somado a isso, o Brasil teve outra perda irreparável: a contusão do Neymar após uma entrada desleal do jogador colombiano Ospina. Ou seja, os bastidores não eram nada favoráveis, havia a pressão da torcida e da imprensa por ser em casa, o rendimento estava abaixo do esperado e tudo isso mexeu com o emocional do time brasileiro que entrou em campo contra a Alemanha.

Naquele 08 de julho, a tragédia do Mineirão deixou os jogadores “made in Brazil” atônitos, sem poder de reação, pois as jogadas do selecionado alemão revestido de rubro-negro recaíam, sobretudo, em cima do carente lado esquerdo do escrete canarinho, que se emudeceu a tantos erros. A inversão de David Luiz para a zaga central e a entrada de Dante na quarta zaga, por ser canhoto, somando à cratera na lateral-esquerda do galático Marcelo, fez da carreira do zagueiro baiano um verdadeiro inferno astral, sendo altamente criticado pela fervorosa mídia, ávida de ver o hexa em terras brasileiras.

Vale ressaltar, no entanto, que o futebol é feito de ciclos e não podemos esquecer que a própria Alemanha já perdeu de 8×3 para a seleção húngara do Mestre Puskas, se redimindo na final da Copa de 1954 ao ganhar do mesmo escrete húngaro por 3×2. A verdade é que esse jogo contra os alemães foi uma mancha que pistolou o nosso futebol, provocando marcas irreversíveis, e a necessidade de se reinventar depois do processo de exportação dos jogadores de sua terra nativa em busca do ouro, no velho continente europeu.

Naquele confronto no novo Mineirão, todos erraram, mas quem pagou pelo preço da catastrófica derrota, pela falta de ritmo de jogo, foi o Dante. Os demais ainda mostram o seu futebol seja no Brasil ou na Europa, levantando títulos e garantias para as suas famílias. Enquanto isso, se colocou uma pá de cal na carreira do zagueiro, que, através de nossas pesquisas, ainda está em atividade jogando pelo Nice, na França, mas poucos sabem.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 8

por Eduardo Lamas Neiva

Time do Vasco campeão de 1923

A discriminação contra os negros no futebol continua sendo a pauta da mesa dos nossos quatro personagens e é acompanhada com atenção pelos presentes ao bar Além da Imaginação.

João Sem Medo: – Em Pernambuco, o clube que não aceitava os negros era o Náutico; no Ceará, o Manguari; no Pará, o Remo. Em todos os estados havia clubes aristocráticos que não permitiam que os pretos jogassem. No Rio, logo no seu primeiro ano na Primeira Divisão, contra tudo e contra todos, os vascaínos conquistaram brilhantemente o título carioca.

Idiota da Objetividade: – Foram 11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota. O time titular dos Camisas Negras era formado no esquema hiper-ofensivo da época, um 2-3-5. O time era Nélson, Leitão e Mingote; Nicolino, Claudionor e Artur; Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito.

Músico (do palco): – Como vascaíno de coração, sinto então muito orgulho de apresentar aqui o Hino Triunfal do Vasco, para homenagear o pioneirismo do meu clube e em especial os Camisas Negras, campeões de 23. Sem nos esquecermos, claro, das raízes portuguesas da nossa História. Como a tecnologia nos permite, o escritor Bruno Castro, pesquisador dos hinos dos clubes cariocas, vai cantar comigo do Mundo Material, onde também vive muito bem, e vocês poderão vê-lo ali no telão com outros músicos. Ao vivo, literalmente.

Todos riem e aplaudem.  

Músico: – Esse foi o Hino Triunfal do Vasco da Gama, o primeiro hino oficial do clube de São Januário. A composição é de Joaquim Barros Ferreira da Silva. Obrigado, Bruno!

Todos aplaudem.

Idiota da Objetividade: – O hino mais famoso, que todos conhecem, nasceu como Marcha do Vasco, composta em 1949 por Lamartine Babo, que é também o autor dos hinos de outros clubes do Rio de Janeiro: América, seu time do coração, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Bangu, Madureira, São Cristóvão, Olaria, Bonsucesso e até do Canto do Rio, de Niterói.

Após a execução do Hino Triunfal do Vasco da Gama e a informação do Idiota da Objetividade sobre os hinos criados por Lamartine Babo, o papo seguiu em frente com a década de 20 do século passado à mesa. João Sem Medo interrompeu rapidamente seu rápido almoço para dar tratos à bola.

João Sem Medo: – Enquanto o Vasco começava a surgir como grande potência no Rio de Janeiro, lá em Minas o América ia conquistando o seu oitavo título seguido e chegaria ao deca-campeonato mineiro em 1925.

Idiota da Objetividade: – O América mineiro foi o primeiro clube do mundo a conseguir dez títulos seguidos da mesma competição. Depois do América Mineiro, só o ABC de Natal, que de 1932 a 41 venceu todos os campeonatos do Rio Grande do Norte, igualou o recorde.

João Sem Medo: – A Juve quase chegou ao deca na Itália.

Idiota da Objetividade: – Após conquistar o título italiano por nove vezes seguidas, entre a temporada de 2011-2012 e 2019-2020, a Juventus de Turim ficou em quarto lugar no campeonato de 2020-2021. A Inter de Milão conquistou o scudetto.

João Sem Medo: – E o Bayern de Munique é deca na Alemanha e pode ser undeca ou hendecampeão este ano. Está perdendo a graça por lá.

Ceguinho Torcedor: – Mas o assunto era o Coelho…

Sobrenatural de Almeida: – Isso mesmo. Olha, eu tive algumas participações no deca-campeonato do América. 

Ceguinho Torcedor: – Foi realmente algo sobrenatural. 

Sobrenatural de Almeida: – E muito mais na classificação pra fase de grupos da Libertadores no ano passado.

Os outros três: – Assombroso!

A plateia se diverte e ri à vontade.

Sobrenatural de Almeida: – Em 1925 todos desistiram de disputar o campeonato. Tentaram se unir contra o papa-títulos, mas o América venceu o Atlético por 4 a 1 e foi campeão, decacampeão, porque todo mundo ficou com medo do Coelho. A seleção mineira daquele ano tinha dez jogadores do América e bateu os cariocas por 6 a 1.

Garçom: – Por falar no América mineiro, vejam só quem veio aqui pra cantar o seu amor ao clube: Fernando Brant!

Aplausos de todos.

Fernando Brant: – Muito obrigado, gente. Vocês sabem que fui conselheiro do América e sempre muito apaixonado pelo clube. Compus com o Toninho Horta este hino não oficial que vocês vão poder ouvir agora. Obrigado.

REI MORTO, REI NÃO POSTO

por Zé Roberto Padilha

De repente, o mundo do futebol, branco e previsível, vê desembarcar na Suécia, em 1958, um menino negro, hábil e atrevido. Era jogador de futebol de um país pouco conhecido chamado Brasil.

Veio com ele, disputar a Copa do Mundo, um súdito de pernas tortas e dono de um drible impossível de ser contido. Garrincha.

E um príncipe etíope, que batia uma falta em que a bola perdia a força e caia após ultrapassar a barreira. Como uma folha seca. Didi.

Foi impossível ao Rei Gustavo, sentado em sua Tribuna de Honra, não descer para entregar a Copa Jules Rimet a uma nação amiga que apresentava a todos sua majestade.

Pelé, aos 17 anos, iniciaria seu reinado realizando jogadas impensáveis, dribles nunca dantes realizados e marcando mais gols do que todos os ataques até então reunidos.

Depois dele, o futebol nunca mais foi o mesmo.

Gols de chutes disparados antes da linha do meio campo foram tentados contra goleiros adiantados. Bolas deixadas de um lado e corridas para pegar do outro lado deixando goleiros uruguaios perdidos. E pênaltis inovados batidos com paradinha.

Ao nos deixar, o Brasil, não pode empossar um principe Charles no seu lugar. Sua linha sucessória, movida a genialidade, não a ancestralidade, lhe concedeu, no máximo, um goleiro modesto chamado Edinho.

Sábado, em festa, o Reino Unido empossa o novo Rei. Por aqui, os 40 maiores clubes do nosso futebol começam a disputar sua maior competição com seu trono vazio.

E pelo que estamos assistindo, um país que há duas décadas não se impõe ganhando uma Copa do Mundo, que apostou suas fichas em quem cresceu no mesmo berço santista, e se frustrou com Neymar, tão cedo não teremos um novo Rei do Futebol a admirar e reverenciar.

AINDA SOBRE FUTEBOL

por Paulo-Roberto Andel

Foto: Alex Ribeiro

O que tem de mágico e apaixonante neste jogo que encanta as pessoas há mais de cem anos?

Um jogo de futebol nunca é só um jogo de futebol. São vários jogos e mil coisas acontecendo ao mesmo tempo enquanto a bola rola.

Pode ser no Maracanã, no Engenhão ou na TV: a cada passe, drible ou gol, a cada bela jogada, todos os olhos se tornam infantis, embevecidos pela magia da bola. Repare num botequim quarta-feira à tarde nos jogos da Champions. Ou à noite, nas partidas do Brasil.

O massacre do Fluminense sobre o River Plate fez os tricolores mergulharem pela insônia por todo o país. No Maracanã, perto dele, em todo o Rio de Janeiro e em outros Estados.

Agora, para entender o que é o futebol, basta acompanhar um garotinho humilde, trabalhador, bem pequeno, carregando seu pacote de caixinhas de Mentos para vender no Centro, nas estações do VLT. Orgulhosamente vestido com sua camisa laranja esgarçada e poída do Fluminense, do mercado popular, ele caminha como um pequeno príncipe pelas ruas do Centro. Enquanto luta pela própria sobrevivência e de sua família, o escudo tricolor que estampa aquela camisa é seu brasão de nobreza.

Quase tudo está errado ali: ele deveria estar brincando, sorrindo, se divertindo bem alimentado e feliz, não trabalhando, mas diante de toda aquela evidente dificuldade, o futebol dá cidadania ao menino. A única coisa certa é a pequena felicidade que nos inebria, a pequena grande felicidade do futebol.

A vida é dura e injusta demais, mas não há mal da natureza que derrube o amor de um garotinho pelo seu clube de futebol. O esporte do coração é a luz para um garotinho, é seu pertencimento, seu norte.

Lá vai o menino, lutando muito, sonhando como nunca, tendo o Fluminense como oxigênio, andando feliz com sua camisa e seu lindo escudo.

Quando a bola rola, todos temos dez ou oito anos de idade.