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UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE FUTEBOL

por Paulo-Roberto Andel

Foto: Alex Ribeiro

Há quem diga que o futebol é bobagem. Santa insensibilidade: se não fosse o futebol, o mundo seria muito pior porque, para centenas de milhões de pessoas, ele é a única chance de alegria em meio a um monte de ódio, opressão e covardia.

Hoje à tarde, conversando com Raul, lembramos que o velho Maracanã era o único espaço de real convivência democrática da cidade entre ricos e pobres, abraçados nos gols e chorosos nas derrotas. Em muito menor escala, eu só consegui viver o mesmo no grupo de escoteiros: todos acampávamos com ou sem dinheiro, fazíamos vaquinha, apertávamos a comida, o ônibus mais barato. No grupo éramos uns setenta; no Maracanã, cem mil.

Quantas vezes o futebol me salvou? Não sei dizer. Quando meu pai chegava derrotado e violento por causa da bebida, eu corria para o 434, ia para a geral e chorava vendo um jogo. Noutras vezes, eu ficava no corredor da arquibancada olhando a UERJ e sonhando em estudar lá. Noutras vezes eu ia porque era o único lugar em que, tão solitário, eu não me sentia sozinho. Foi assim muitas vezes. Sem o futebol, a depressão teria me vencido, eu teria executado o suicídio que iniciei e teria sido um desperdício, porque escrevi muitas coisas legais a seguir, o que eu não faria morto por motivos óbvios.

O futebol me deu a ilusão de um monte de amigos juntos, caso da arquibancada; me deu sonhos em jogos e lances inesquecíveis; preparou meu espírito para saber encarar as derrotas. O futebol me deu muitos colegas, com quem interagi e trabalhei muitas vezes. Por exemplo, nesse domingo há 28 anos o meu time ganhou um dos maiores jogos de todos os tempos, com um gol de barriga. Naquele ano quase tudo deu errado pra mim, mas o campeonato valeu muito a pena.

Muitos anos depois, foi o futebol que permitiu minha estreia em livro e, por gratidão, escrevi um monte de livros sobre o tema, vários ainda inéditos. Por causa do futebol vivi admirações, paixões e conheci minha esposa. Também conheci pessoas do Brasil inteiro, com quem converso sempre que posso – algumas colaboram com o meu site.

O futebol só não me ofereceu mais abraços do que minha mãe. Você conhece ou segue um artista, acaba gostando mais dele quando é um entusiasta do futebol. Ele me faz esquecer as dores no corpo, a minha tragédia pessoal, a melancolia cotidiana. Por uma hora e meia, mesmo que o jogo não seja bom eu tenho meu pequenino momento de felicidade. Tanto faz se é uma partida importante ou esdrúxula – o jogo começa, eu volto a ter dez anos de idade e meu olhar persegue a bolinha na tela da televisão.

Ah, se não fosse o futebol, como eu teria conversado com a Bibi Ferreira, o Gilberto Gil e a Letícia Spiller? E a Maria Bethânia? E o Italo Rossi? E como eu ia suportar o mundo agora, que me humilha todo dia enquanto sinto dores pelo corpo e choro por tanta gente humilhada feito eu?

É domingo à noite, tudo parece perdido, tenho vontade de desistir mas penso na terça-feira, tudo pode ser diferente e surgir pelo menos uma luzinha no fim do túnel. Pode ser que eu não tenha um único amigo, pode ser que eu não consiga vender e está tudo perdido, mas a terça-feira me serve de esperança. Vou pensar no jogo, vou conversar com colegas para chegar logo o horário da partida. Agora é uma noite melancólica como todas de domingo, onde esperamos ótimas semanas que nunca, mas nunca chegam – ao menos para mim -, só que eu carrego comigo o futebol, a minha esmolinha, os meus botões que minha mãe comprou com tanto sacrifício, as histórias que vi e escrevi, as histórias que ainda preciso contar quando era garoto e, na Copacabana de orla escura, chutava a bola na areia com os colegas mesmo sem vê-la direito, nem o goleiro e o gol – assim como só nos resta viver, nos campos da praia só nos restava jogar, pouco importando se a bola iria para a direção correta, ou se um gomo da bola estivesse soltando.

Aqui falo de quarenta ou quarenta e cinco anos atrás, que foram há um susto porque tudo é brevidade, mas a bola na praia, na vila, no playground do Gordinho e mesmo no Maracanã – meu pai me levou para ver não apenas o Fluminense, mas o America, o Bangu e até o Campo Grande, todos contra o Flamengo – eram tudo uma coisa só: um pequeno suspiro de felicidade.

MESTRE DIDI

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Didi, Di Stéfano e Puskás. Um trio dos sonhos. Tudo para dar certo no Real Madrid dos anos 50 e 60. Porém, com ciúmes, o argentino Di Stéfano boicotou o astro brasileiro. Como o húngaro Ferenc Puskas fez questão de deixar claro em seu livro:

“O maior inimigo de Didi no Real Madrid foi a sua fama.”

Apenas em 1959 o Real Madrid passou a ter um negro no time. Simplesmente, o melhor jogador de futebol do mundo. A FIFA inovou ao eleger, ao fim da Copa de 1958, na Suécia, o craque da competição. Apesar de contar com o garoto Pelé e o genial Garrincha, Didi foi o escolhido. Recebeu, do jornalista Gabriel Hanot, o apelido de ‘Mister Football’. Francês considerado o papa da crônica esportiva europeia, Hanot criou a Champions League. Tinha moral entre os seus.

Os espanhóis pagaram uma fortuna por Didi: 100 mil dólares e mais dois amistosos em Madrid, com renda dividida. Hoje o clube admite investir 250 milhões de euros pelo francês Mbappé, superando os 222 milhões que o Paris Saint-Germain desembolsou para ter o brasileiro Neymar em gramados franceses. Outros tempos…

Por que Didi não deu certo na Europa? Por que retornou ao Brasil meses depois? Segundo o jornalista Peris Ribeiro, biógrafo do ‘Gênio das Folhas Secas’, é preciso um certo cuidado, afinal, não se comentava sobre racismo na época. Houve, ao certo, ciúmes do argentino, que era o dono da equipe e sequer foi escutado em relação à nova contratação da equipe.

Se Puskás declarou em seu livro que o maior inimigo de Didi foi sua fama, vale dizer que o presidente do clube madrilhenho, Santiago Bernabeu, almoçava semanalmente com o brasileiro. Mas não com Di Stéfano, nem com Puskás.

Na estreia do meia campeão mundial em 1958, jogo válido pelo Torneio Ramón de Carranza, vitória de 6 a 3 sobre o Milan, com direito a um golaço de ‘Folha Seca’… Depois, 4 a 3 no arquirrival Barcelona, na grande final. Didi foi eleito o craque da competição. Aos 34 anos e em fim de carreira, Di Stéfano ficou mal-humorado e passou a boicotar o brasileiro. Didi tinha 30 anos. Puskas, dois a mais que ele.

Freitas Solich afagou Didi e Di Stéfano não gostou nem um pouco. Grupo dividido, derrotas, e mesmo evitando atritos Didi percebeu-se sem clima no clube madrilhenho. O técnico paraguaio acabou sendo demitido. E Peris Ribeiro explica o que aconteceu a partir de então:

“Didi escreveu para João Havelange e João Saldanha dizendo que queria voltar para o Brasil. Os dois foram juntos à Espanha e Saldanha conseguiu a liberação do craque, abrindo mão dos amistosos que o famoso Botafogo faria em Madrid.”

Em 1958, os jornalistas acompanharam, curiosos e à distância, Didi e Paulo Machado de Carvalho caminharem ao lado, nos jardins da bela concentração localizada em Hindas:

“Doutor… Pelé e Garrincha têm que jogar”, arguiu Didi.

“Mas o Garrincha não é louco?” – retrucou o dirigente.

“Não! Ele enlouquece, sim, seus marcadores. Com os dois na equipe, pode anotar, seremos campeões.”

João Havelange nutria enorme carinho por Didi, mas lembrou Di Stéfano ao passar a ter ciúmes de Paulo Machado, ‘O Marechal da Vitória’, ao longo de dois Campeonatos Mundiais vitoriosos. Tanto que o afastou da Copa da Inglaterra, em 1966, competição em que a falta de comando foi determinante para o fracasso da seleção.

Nos estúdios da Rádio Globo-Rio, antes do ‘Enquanto a Bola Não Rola’, programa de debates que apresentei aos domingos, observei o seguinte diálogo. Armando Nogueira, o ‘Machado de Assis da crônica esportiva’, comentou com Didi:

“Lembro da primeira vez que te vi…”

“Quando foi?”, perguntou o autor do primeiro gol da História do Maracanã.

“No Estádio Aniceto Moscoso. Você começou no banco, mas assim que entrou, contra o Madureira, olhei para o Luiz Carlos Barreto e disse:

“Aquele ali vai dar jogador. E dos grandes!”

Dito e feito.

Didi volta e meia era cotado, mas não pôde realizar o sonho de ser técnico do Brasil em uma Copa do Mundo. O ‘Velho Marinheiro’ Gentil Cardoso afirmava:

“A cor impediu que eu e Didi comandássemos a seleção brasileira.”

Ou seja, hoje falamos muito de racismo. Mas esse problema data de muito, mas muito tempo mesmo. Não é algo recente. E nem tão cedo passará.

BAIRRISMO SEM FIM

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::

Se antes era rotina, tenho escutado cada vez menos as piadinhas de cavalo paraguaio quando falam do Botafogo. Continuo achando que ainda é cedo, que jogadores importantes podem se lesionar ou serem negociados, mas dá para garantir que o time erra pouco e está cada vez mais confiante no Brasileirão.

Li que o Palmeiras vinha de 31 jogos sem perder no Allianz Parque e o Botafogo acabou com a invencibilidade com um belo gol de Tiquinho Soares. Agora, são sete pontos de vantagem para o segundo colocado e mesmo assim tive que ver muita bobagem da imprensa na televisão, sobretudo a paulista.

Tenho propriedade no assunto, pois sempre sofri muito com esse bairrismo quando jogava em São Paulo. Acho uma chatice tremenda e sabia que todos iam desvalorizar a vitória do Botafogo. Dito isso, vi alguns reclamando do impedimento no gol anulado, outros dizendo que não foi merecido e por aí vai. Na minha opinião, o Botafogo poderia ter vencido até de mais gols, mas pecou nas finalizações, como de costume. Acho, inclusive, que os jogadores que estão treinando pouco esse fundamento e isso pode prejudicar o Alvinegro no decorrer da competição, visto que é um time que tem a defesa segura e tenta aproveitar as poucas chances que tem na partida.

Quem não tem uma defesa segura é o Flamengo, que depois de tomar quatro do Bragantino, tomou dois do Santos, mas conseguiu uma vitória importante na Vila Belmiro. A nota triste é que o jogo foi de portões fechados depois da selvageria que rolou no clássico contra o Corinthians.

O mesmo pode se falar da torcida do Vasco, que depredou o maior patrimônio do clube, São Januário, após a derrota para o Goiás. Enquanto os clubes não forem punidos com rebaixamentos ou algo do tipo, essas cenas serão cada vez mais comuns, infelizmente! Além disso, lamento muito também o fato dos jogadores não se manifestarem, não protestarem contra esses atos de vandalismo. O mínimo que deveriam fazer era uma grave nacional, parando todos os campeonatos! São os jogadores que fazem o espetáculo!

Por fim, o Fluminense ganhou do Bahia de virada, com um a menos, mas acho que foi mais falha do lateral do Bahia do que méritos do tricolor carioca. O campeonato é longo e ainda não chegamos nem na metade, vamos aguardar!

Já que o escritor Helcio Herbert Neto dedicou sua coluna a mim, alegando que “iniciei a cruzada contra a imbecilidade há mais tempo e que percebi rapidinho que esse linguajar era um jeito de camuflar ignorância”, seguem as pérolas da semana:

“Com um triângulo equilátero, forma-se um sistema propositivo para atacar a linha de quatro no último terço do campo e amassar o adversário encaixotando com alas pelos lados”.

“Através de uma leitura de jogo posicional, o jogador agudo desenvolve o corredor central para zerar a segunda bola e proporcionar uma identidade à equipe que pega o elevador”.

O BOTAFOGO DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand

No gol, Manga, um colosso!

Na lateral direita, Carlos Alberto Torres, técnica e vigor conjugados.

Na zaga central, Mauro Galvão, classe à toda prova.

Na quarta zaga, Nílton Santos, nada menos do que a enciclopédia do futebol.

Na lateral esquerda, Marinho Chagas, um talento assombroso.

De primeiro volante, Gérson, o “Canhotinha de Ouro”.

De segundo volante, Didi, o “Mister Football”.

De meia atacante, Jairzinho, um furacão.

Na ponta direita, Garrincha, um fenômeno monumental!

De centroavante, Heleno de Freitas, categoria notável.

Na ponta esquerda, Paulo Cezar Caju, irreverente e irrequieto.

Manga; Carlos Alberto, Mauro Galvão, Nílton Santos e Marinho; Gérson, Didi e Jairzinho; Garrincha, Heleno e Paulo Cezar.

E aí?

Vai encarar?

ZICO E GABIGOL

por Rubens Lemos

O erro começou quando Pelé se despediu do Santos em 1974. No exato instante em que o Deus se ajoelhou e abriu os braços dizendo acabou a festa, a camisa 10 do clube deveria ter sido abolida. Depois, Pelé foi obrigado a vê-la torturada por gente do naipe de Totonho, Toinzinho(esse era até razoável), Mococa e Rubens Feijão. Banalizaram o manto.

Sem o Rei, a camisa 10 tirou do Santos a luz da exclusividade genial. A seleção brasileira perdeu a glória da onipotência, mas Pelé foi sucedido por luminares como Rivelino e Zico.

Depois, Silas não esteve à altura da responsabilidade em 1990 tampouco Raí em 1994. Rivaldo jogou um bocado em 1998 e 2002, Ronaldinho Gaúcho bailou improdutivo em 2006, Kaká fraquinho em 2010, Neymar medíocre nas três Copas disputadas.

Hoje, não há ninguém digno da camisa 10, tornada por Pelé, símbolo de superioridade quando a usou por acaso em 1958. O mundo adotou o 10 como marca do melhor do time. Maradona era 10, Platini era 10, Matthaus era 10, Zidane 10 também, Messi, o 10 derradeiro, insuperável.

Meu Vasco teve um 10 que não jogava na função meio-campista da dezena. Roberto Dinamite, centroavante, tomou para si, graças a jornadas eternas de tão espetaculares, o número que, na tradição, seria de um companheiro mais recuado. O último 10 do Vasco foi Roberto Dinamite e está difícil surgir outro, ainda que, depois dele, Bebeto, Juninho Paulista, Dener e Edmundo tenham honrado o fardamento da categoria.

Acontece um novo atentado à memória e à verdade do bom senso no futebol e o Zico é a vítima. Zico, amigos, foi meu Pelé Branco, meu adversário querido pela lindeza do jogo e o caráter irretocável. Zico tinha a chave e o coração do Maracanã guardados com ele.

Ronaldinho Gaúcho foi o que de mais próximo apareceu ostentando a camisa do mito nascido em Quintino. Petcovic não fez feio. Os dois, multiplicados por 500, jamais amarraram a chuteira da entidade franzina e espetacular. Agora é intragável consumir Gabigol, a faceta mais ridícula da fase dos enganadores, com a posse da camisa de Zico.

Gabigol é chato diplomado. Supera os programas de auditório, todos. O flamenguista deve encabeçar uma campanha para que ele, o intrometido, seja contemplado com a 136. Enquanto houver Flamengo, nada pode ser comparado ao Galinho. Tirem a 10 do enganador e respeitem a imortalidade de Zico.