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O PODEROSO CHEFÃO

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Os Aliados: Castor e Teixeira

Castor de Andrade era poderoso, influente em todas as áreas. Temido, amado por muitos e odiado por outros, mandava no futebol, no samba e na cidade. Generoso, era também querido por grandes nomes da imprensa, sobretudo pelos mandachuvas da TV Globo, aos quais sempre agradava:

“Comunicador famoso da Rádio Globo aniversariando? Festa na Casa da Suíça, então!”

No evento, apenas convidados VIPs, top de linha mesmo, selecionados por um discreto colaborador. No meio do banquete, o ‘Poderoso Chefão’ aparecia sorridente:

“Surpresa agradável…”, brincava, descontraindo o ambiente.

No Carnaval, saía sambando à frente da Mocidade Independente de Padre Miguel. Uma câmera de televisão o acompanhava sistematicamente. Chegou a discursar atacando o Judiciário, antes da sua Escola entrar na Sapucaí.

No seu tempo, a FFerj, a Federação de Futebol do Rio de Janeiro, não sabia o que era dívida. A CBF era outra protegida. Na eleição de Octávio Pinto Guimarães, em 1986, Castor de Andrade determinou a Eduardo Viana que os Presidentes de Federações aliadas deveriam ficar no Copacabana Palace, sem direito a deixar o hotel. Seriam regiamente remunerados, de acordo com o voto. Ele apoiou também Ricardo Teixeira a pedido do sogro dele, João Havelange, então Presidente da FIFA.

“Xerife, xerife! O Doutor chegou! – esbaforia o supervisou Neco, avisando ao técnico Moisés que, naquele instante, encontrava-se sentado no banco, cercado por jornalistas, contando suas aventuras e desventuras na noite anterior, que o ‘homem’ tinha estacionado o carro.

De imediato, Moisés levantou-se. Tacou fora o cigarro ainda aceso, interrompeu a algazarra em campo e berrou, com firmeza ímpar:

“Treino tático!!! Marinho, Marinho… entre em diagonal! Marinho é o nosso Gil. Mário, você é o Rivellino. Quero agora lançamento facão…”

Nisso, surge Castor. O homem-forte do clube entra no gramado cercado por seus capangas, de chapéu. Sob o sol forte, reluz o revólver que trazia na cintura. O ‘Capo’ olha para Moisés com entusiasmo e um carinho paternal. O ‘xerife’ era querido por todos. Impagável contador de histórias, espirituoso, extrovertido, enfim, um bom sujeito, esperto e malandro, mas de ótimo papo. Impossível imaginar que foi o mais violento zagueiro do futebol brasileiro da sua geração.

Em Moça Bonita, a presença de Castor misturava alegria e tensão. Alegria por causa da pasta recheada de grana, blindada por seu fiel escudeiro Miúdo, que assustava pelo porte físico e os dois metros de altura bem distribuídos em músculos. Tensão? Explico o porquê.

Certa vez, o lateral-esquerdo Marco Antônio, tricampeão do mundo na Copa de 1970, foi acordado dormindo no carro. No campo, sentou-se em uma das traves e cochilou. Ao vê-lo, Castor sacou o revólver e deu dois tiros na baliza.

Sem o óculos de grau que usava, Moisés reuniu o grupo no centro do gramado para anunciar a escalação do time:

“Gilmar no gol. Gilmar e… poxa… coloca o papel mais perto da vista, que essa letra aqui do Doutor parece até letra de médico…”

Impossível conter a risada geral.

Da prisão Castor ligava para os amigos:

“Vamos ao show no Canecão?”

Entrava na casa noturna de peruca e bigode postiço, com o show em andamento. Sagaz, deixava o local incólume, antes do bis.

No estacionamento, os flanelinhas vibravam:

“Obrigado, Doutor Castor! Obrigado!”

“Seus moleques… como sabem que sou eu?”

“Só o senhor dá 50 reais pra gente!”

Cobri o Bangu, como setorista da Rádio Globo, quando o time, em 1985, disputou as finais do Carioca e do Brasileirão. Na decisão estadual, diante do Fluminense, o árbitro José Roberto Wright não apitou um pênalti claro, ao fim do jogo, do zagueiro Vica no artilheiro Cláudio Adão. No túnel, Castor mandou os seguranças surrarem o juiz. Bom de briga, Wright, faixa preta de judô, enfileirou um por um os capangas, derrubando todos. O último a apanhar foi Walter, um veterano lutador de boxe amador. A polícia era lenta e cuidadosa na hora de apartar as brigas do grupo que trabalhava para o homem que fundou a Liga das Escolas de Samba do Rio.

Cheguei com o Bangu no Aeroporto do Galeão, após a vitória de 1 a 0 sobre o Brasil de Pelotas no Estádio Olímpico. Era importante entrevistá-lo. Dois dias depois, se daria a grande decisão do campeonato nacional, contra o Coritiba, no Maracanã. Sem olhar para mim, ao sair do avião Castor me deu o papo:

“Amanhã, cinco da tarde, na Avenida Atlântica, no Leme.”

Assim que cheguei ao local vi uns 40 telefones pretos, com placas de discagem, que não paravam de tocar. Na entrevista, ele fez um apelo:

“Você que é Fla, Flu, Vasco ou Botafogo… o Bangu precisa de todos vocês no domingo!”

“Essa parte ficaria legal na chamada do jogo”, comentei.

“OK, mas não tenho dinheiro,” – gritou comigo, de forma grosseira.

“Dinheiro? Não estou aqui pedindo dinheiro, não. Quer saber, essa entrevista nem vai mais ao ar!”

Comuniquei o fato a dois diretores da Rádio e, na frente deles, apaguei a fita logo em seguida. Confesso que me senti meio ridículo, afinal, quando Castor queria, ligava direto para a Globo. Ou se dirigia pessoalmente até os estúdios.

Na quarta à noite, reencontrei ele no saguão do Maraca, antes do jogo:

“Garoto, tudo bem?”

Me surpreendi, ao receber um beijo dele no rosto. Depois, com mais de dez seguranças a tiracolo, caminhou tranquilo rumo ao vestiário.

Castor de Andrade faleceu, vítima de ataque cardíaco, aos 71 anos. A disputa por seus negócios e a fortuna que acumulou causou mortes na família. A Justiça ainda está para decidir quem vai herdar uma propriedade do bicheiro na Ilha Grande, avaliada em mais de 40 milhões de reais.

OUTROS TEMPOS

por Sérgio Luiz Monteiro

Sou do tempo em que jogar contra o clube de São Januário era um verdadeiro trabalho de Hércules. Talvez o 13º…

Por mais que dominássemos a contenda, bolas batiam teimosamente nas traves, perdíamos gols e muitas vezes a cabeça, que saía quase sempre inchada, do estádio.

O Vasco era um algoz implacável e a considerável diferença de vitórias é fruto dessa história que começou há 100 anos, em 1923 — só fomos vencer pela primeira vez em 28!

Mesmo com grandes times que tivemos nas décadas de 40, 50 e 60, sempre foi “osso” vencê-los.

Quando comecei a frequentar o ex-Maracanã, tive um amargo batismo: escrita de 76 a 81 sem vitórias contra o clube da Cruz de Malta. Estava lá em 81, num 3×1 que findou o martírio, e em que jogamos supersticiosamente todo de branco. Nada tão Botafogo.

Foi o ídolo Túlio, o “artilheiro marqueteiro” que começou, em meados dos anos 90, a mudar a marcha do histórico, que ainda hoje é bem desfavorável, mas que já pode ser considerado um “jogo normal” — e não o terrível estigma de outrora…

Eis então porque os jovens alvinegros de hoje, não temem o ex-expresso são vitória. Várias tundas alvinegras depois e — mesmo perdendo ineditamente duas decisões cariocas seguidas 2015/16 — Botafogo x Vasco é um clássico equilibrado.

Mas o de hoje colocou o líder — já sem o gajo e de técnico novo (e foi bola na Caçapa!) — contra um dos últimos colocados, e a essa altura, numa já sem graça luta contra o rebaixamento.

Na última semana, jogamos um futebol “estreito de Magallanes” num pífio empate e o clube da colina venceu o verdão do agronegócio, o Cuiabá.

O clube da capa-e-espada teve mais um belo capítulo de sua gloriosa história: manteve a liderança, com uma nova comissão técnica, enfrentando um tradicional, aplicado e desesperado rival.

Mais uma vitória e a estranha sensação de solidão (ou seria solitude) na liderança: nós, botafoguenses, não estamos conseguindo ver ninguém por perto…

P.S. Longo é o caminho, mas a sensação é que falta só um Tiquinho.

Saudações Alvinegras!

HOKA – UMA ESTRATÉGIA DE SUCESSO

por Idel Halfen

Alguém já ouviu falar na marca de calçados esportivos Hoka? Provavelmente poucos, mas vale conhecer a respeito, principalmente em função da estratégia mercadológica utilizada, a qual reputo como excelente.

Criada em 2009 por Jean-Luc Diard e Nicolas Mermoud, a Hoka surgiu em função do entendimento de que os aspectos tecnológicos não eram explorados em sua plenitude pelas marcas de calçados esportivos. 

A partir dessa identificação de oportunidade, os dois fundadores buscaram desenvolver um produto investindo fortemente em inovação e abrindo mão até da estética. 

Embora a trajetória da marca traga inúmeros fatos interessantes, vamos pular para 2012, quando a Deckers comprou a Hoka.

Os valores envolvidos na aquisição não foram divulgados, mas sabe-se que a Hoka tinha na época um faturamento anual de US$ 3 milhões.

Ao contrário do que costuma acontecer nas operações de M&A (fusões e aquisições) que envolvem marcas com elevado potencial de crescimento, a Deckers conseguiu resistir à tentação de promover um processo de expansão veloz, optando por um desenvolvimento planejado. 

A possibilidade de uma distribuição mais agressiva foi descartada, o que deixou o produto, evidentemente, fora dos grandes varejistas. 

Ilustra essa condição, o fato de a empresa antes da pandemia ter recusado a oportunidade de estar nas lojas da Foot Locker, uma referência no setor. Situação similar aconteceu na Dick’s Sporting Goods, onde, a Hoka, antes de estar presente em 100% das lojas da rede, executa testes em poucas lojas para entender o comportamento da demanda e, dessa forma, não “queimar” a marca.

Ao invés de estar acessível a todos, a marca optou por estar nos locais voltados ao que entendia ser seu público-alvo, processo no qual as vendas diretas tiveram substancial importância.

Entre as razões que levaram a essa estratégia, destacamos:

  • criar a sensação de ser um produto para poucos. Para isso se utilizou do conceito que chamamos de marketing de escassez, no qual, no caso da Hoka, mais do que provocar o senso de urgência e incentivar a compra imediata, fez com que a marca ficasse associada a algo com o cunho de “exclusivo”.
  • ter um melhor controle sobre os preços praticados, visto que a baixa disponibilidade/oferta propicia melhores condições para se estabelecer um posicionamento premium com reduzido risco de eventuais promoções por parte do varejo.
  • fortalecer a identidade da marca, proporcionando condições de se criar uma liderança de conceito na mente do seu público-alvo, liderança que, naturalmente, chegará a uma gama maior de pessoas, principalmente através do boca a boca. 

Evidentemente, como citamos no início, há uma preocupação grande com o desenvolvimento do produto e seus aspectos tecnológicos , afinal de contas, a busca por um crescimento sustentável carece de um bom marketing, o qual se beneficia quando lida com bons produtos/serviços. 

Desse modo, podemos concluir que a estratégia da Hoka nos fornece um excelente benchmark ao mostrar que a visão de longo prazo é fundamental para uma boa gestão.

Corrobora para essa conclusão a evolução das receitas da marca: em 2017, cinco anos após a aquisição pela Deckers o faturamento ultrapassou os US$ 100 milhões, já no último ano fiscal, finalizado em 31 de março de 2023, atingiu US$ 1,4 bilhão.

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 16

por Eduardo Lamas Neiva

O papo sobre a Copa de 50 com toda comoção é revivida por aqueles que puderam presenciar e participar dos dias de festa até o silêncio final. Jorge Goulart, então, volta ao palco e toma a palavra.

Jorge Goulart: – Aquela Copa de 50 foi realmente uma grande festa antes da final. O Lamartine, que ali está (todos aplaudem), fez outra marcha que poderia ter sido o hino do primeiro título mundial do Brasil, se não perdêssemos pro Uruguai. Vou cantar aqui a “Marcha do Scratch Brasileiro” que homenageia também o estádio Municipal, como era chamado a princípio o Maracanã.

Jorge Goulart é aplaudido, assim como Lamartine Babo, que numa das mesas próximas ao palco se levanta para cumprimentar o público.

Jorge Goulart: – Viva Lalá!

Todos: – Viva!

Jorge Goulart continua no palco, enquanto o público o aplaudia e também Lamartine Babo.

Jorge Goulart  – Agora vou chamar ao palco a Linda Batista pra cantar outra música feita pra Copa de 50.

Linda se encaminha pro palco aplaudidíssima.

Linda Batista (no palco) – Obrigada, gente. Uma pena não termos ganhado daquela vez, né? Mas tive a felicidade de gravar este samba do Ary Barroso, que ali está e também merece muito os nossos aplausos.

Todos aplaudem Ary Barroso.

Linda Batista: – Vamos lá!

Mais aplausos.

Sobrenatural de Almeida: – É, a festa foi boa, mas a euforia foi demais também. O clima de já-ganhou não me agradou.

Ceguinho Torcedor: – Então, foi você?

Sobrenatural de Almeida: – Não, foi o Obdulio Varela, o Gighia, o time uruguaio. Eu só dei um empurrãozinho, sem querer. Aquele discurso do general Angelo Mendes de Morais, pouco antes da bola rolar, me deixou revoltado.

Idiota da Objetividade: – O general Angelo Mendes de Morais era o prefeito do Distrito Federal, ou seja, o Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

Ceguinho Torcedor: – Com uma euforia desmedida, o general disse pouco antes do jogo que os brasileiros eram os futuros campeões mundiais…

Zé Ary imediatamente põe nas caixas de som o trecho citado por Ceguinho Torcedor do discurso de Ângelo Mendes de Morais, da tribuna de honra do Maracanã.

Vaias e protestos da plateia são ouvidos.

Sobrenatural de Almeida: – Futuros mesmo, só oito anos depois…

João Sem Medo: – E também disse que tinha dado o estádio para a realização da Copa do Mundo, então que era a vez de os jogadores darem o título mundial para o Brasil. Com aquele discurso, o general pressionou ainda mais os jogadores brasileiros, ao mesmo tempo em que já cantava a vitória.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, em 50, na véspera de Brasil x Uruguai, encontrei-me com o famoso “speaker” Gagliano Netto e perguntei: “Quem ganha?” Eis uma resposta triunfal: “Brasil 8 a 0” Vocês entendem? Ele não fazia por menos – tinha de ser 8 a 0. Pode parecer que era um caso de delirante otimismo individual. Absolutamente, milhões de pessoas achavam assim. E o Brasil perdeu! Dirá o Idiota da Objetividade que foi o Uruguai que nos venceu…

Idiota da Objetividade: – … E não foi?

Ceguinho Torcedor: – Não. O que nos venceu foi o favoritismo total. Contra a Espanha, temíamos. E porque havia medo, um mínimo de medo, goleamos. Seis a um, foi o resultado final. Veio de Brasil x Uruguai o meu horror ao favoritismo.

Sobrenatural de Almeida: – Foi muita falta de respeito com os uruguaios. Aí, quando o Gighia penetrou pela direita e chutou, acabei fazendo a bola ir um pouco mais rápido e quicar na frente do Barbosa.

João Sem Medo: – Quando os políticos se metem no futebol acontece isso…

Garçom: – E o Sobrenatural…

Sobrenatural de Almeida: – … de Almeida. Hahaha

Ceguinho Torcedor: – Você bem sabe o quanto a política prejudica o futebol, né, João? Não escalou o Dario, como queria o Médici…

João Sem Medo: – Dario era um bom jogador, mas eu tinha Tostão, Jairzinho, Roberto Miranda, Coutinho, Toninho Guerreiro. Se eu quisesse trombador, aí eu poderia buscar o Dario, ou o Flávio, do Corinthians, o Alcindo, do Grêmio. O presidente escalava o Ministério dele e eu escalava o meu time.

Ceguinho Torcedor: – Esta frase te derrubou, João.

João Sem Medo: – É, estavam transmitindo pro Brasil todo a entrevista… Mas voltando a 50, o que fizeram com o Barbosa foi uma grande injustiça. Teve racismo ali.

Ceguinho Torcedor: – Foi um dia muito triste pro futebol brasileiro. Muito triste.

Idiota da Objetividade: – Foi uma tragédia aquela derrota de 2 a 1 para o Uruguai. Os uruguaios chamam aquela vitória em 1950 de Maracanazzo até hoje.

João Sem Medo: – E a imprensa daqui exagera. Chamaram a derrota de 3 a 2 para a Itália em 82 de tragédia do Sarriá.

Garçom: – Mal sabíamos o que estava por vir…

Sobrenatural de Almeida: – O Mineiraço, em 2014.

João Sem Medo: – Isso sim foi uma tragédia. Levar de 7 a 1 em casa, numa semifinal de Copa do Mundo, é o fim do mundo. Mas parece que tudo foi só um apagão.

Quase em coro, muitos presentes pensaram alto: “Pois é…” 

Quer acompanhar todos os capítulos da série “Uma coisa jogada de música”? Clique aqui e saiba como:

Blog Eduardo Lamas Neiva – 15 anos: A SÉRIE “UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” NO MUSEU DA PELADA

ABC E SUAS INJUSTIÇAS

por Rubens Lemos

O ABC é um ente federativo dentro do Rio Grande do Norte. Com seus hinos, suas heráldicas, sua constituição própria nos velhos papéis do estatuto e um povo em eterno frenesi de paixão. O ABC, só vim a aprender na própria pele, também é um clube injusto.

Ainda tinha minhas duvidas até o dia em que seu mais franciscano e alucinado dirigente, José Prudêncio Sobrinho, foi sepultado e o clube apresentou – como se estivesse operando o milagre da gratidão, a nota fiscal do caixão e dos demais itens do funeral de Prudêncio. Nos retiramos na hora, envergonhados, eu e o ex-presidente Leonardo Arruda.

José Prudêncio Sobrinho(foto) dedicava ao ABC o bem de um pai pelo filho e o seu sangue jorrava em preto e branco. Foi um homem rico, com uma rede de lojas de bateria de carro que foi se exaurindo. O ABC precisava, ele vendia uma filial. O dinheiro, a fundo perdido, era usado nas renovações de contrato do ídolo Alberi, na chegada de craques, na loucura que ele exerceu sem remédios de tarja preta a contê-lo. Até empobrecer.

Comigo foi no futebol de salão, que comandei de 2005 a 2010, levando o clube a 19 títulos, 13 deles regionais ou nacionais. Me chutaram com três sapatadas. Duas estavam nos pés dos mandões de então, a terceira ficou no meu próprio traseiro.

O péssimo instante por que passa o clube, desmoralizado nacionalmente graças única e exclusivamente à famigerada união de um ex-técnico pedante com um ex-diretor de futebol arrogante, reacende a lamparina da estupidez, do desagrado gratuito, sobretudo com os mais humildes, sangue e costela do ABC. A confiança depositada na dupla que arruinou o futebol do clube foi tão cruel quanto toda atitude mesquinha de cada um dos dois.

Há outros exemplos. Danilo Menezes, o melhor meia-armador do século passado, saiu do ABC de tanto ser perseguido, com os braços cruzados da diretoria em 1980, pelo técnico Servílio de Jesus, ex-jogador do Palmeiras. Servílio veio duas vezes ao ABC e, nas duas, não conseguiu nem título protestado para o alvinegro. Danilo Menezes voltaria em 1994 para ser campeão como técnico.

Pouco depois do que fizeram com Danilo Menezes, fizeram pior com o treinador Erandy Montenegro, campeão invicto do primeiro turno em 1981 e despedido sem nenhuma razão, apenas o serpentear de conhecida traíra da (má) memória do ABC. Erandy deu o troco no mesmo ano. Terminou tricampeão pelo América enquanto os seus algozes não colocaram o time sequer na Taça de Prata, lugar dos vice-campeões.

Em 1983, Erandy Montenegro montaria o melhor time que meus olhos fascinados viram ser campeão no ainda Estádio Castelo Branco: Lulinha; Alexandre Cearense, Joel, Alexandre Mineiro e Dudé; Nicácio, Dedé de Dora e Marinho Apolônio; Curió, Silva e Djalma.

Os escorpiões das emboscadas fatais tiraram o técnico Ferdinando Teixeira, também campeão do primeiro turno em 1996. O ABC perdeu o título para o América que contratou Ferdinando Teixeira e, com ele no comando, subiu para a Série A do campeonato brasileiro. Caso houvesse vencido em 1996, o ABC encerraria a década octacampeão potiguar.

Então veio Fernando Marchiori. Para iludir com resultados de aparente competência que nunca esconderam sua predileção pela mediocridade retranqueira. Ninguém engana todo mundo, o tempo todo. Aclamado(o ABC é pródigo em bajular forasteiros), Marchiori usurpou suas funções, mandou, desmandou, casou, batizou, até ser sufocado por derrotas pífias e procedimentos bizarros.

Como pneu sendo trocado com o carro andando, o ABC vê isolado o presidente Bira Marques. Aqueles em que tanto confiou, foram embora. Bira Marques precisa de ajuda, também deve pedir esse apoio, reconhecer o momento tétrico e convocar homens experientes.

A massa não pode continuar sofrendo. O ABC olha para a frente e enxerga uma improvável reviravolta. Bira Marques, meu amigo, você não estranhe: injustiça faz pouso contínuo pelos alpendres da Rota do Sol.