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EM 1983, ASSIS SACRAMENTA O TÍTULO DE CAMPEÃO CARIOCA PARA O FLUMINENSE

por Luis Filipe Chateaubriand

No Campeonato Carioca de 1983, o título foi definido a partir de uma disputa em um triangular envolvendo Bangu, Flamengo e Fluminense.

O segundo jogo do triangular era Flamengo x Fluminense, um Fla x Flu decisivo.

Jogo muito equilibrado em um domingo à tarde, debaixo de chuva.

Quando o jogo se encaminhava para o final, e tudo levava a crer que 0 x 0 seria o placar final, algo aconteceu.

Já perto dos 45 minutos do segundo tempo, Adílio recebeu passe livre a caminhava livre em direção ao gol.

No entanto, impedimento, inexistente, foi marcado.

Na saída de bola do Fluminense, Deley recebeu a “redonda”, ainda no campo de defesa e, como confidenciaria mais tarde, concebeu um lançamento longo, para Assis, que penetrava pela direita do ataque tricolor.

Deley pensou que teria que enfiar a bola, para Assis, entre Junior e Mozer.

Eis que o lançamento saiu… entre Júnior e Mozer!

Assis recebeu a bola, penetrou na área e, diante do goleiro Raul, tocou por debaixo do arqueiro.

O Fluminense fazia 1 x 0 e não houve tempo para mais nada – logo após concretizado o gol, o árbitro encerrou o jogo.

A vitória do time branco, verde e grená decretou o título do Campeonato Carioca de 1983! E Assis se tornou, pela primeira vez, o carrasco rubro-negro.

“Uma coisa jogada com música” – capítulo 20

por Eduardo Lamas Neiva

O público e nossos quatro amigos ficam muito bem impressionados com a capacidade de Edu Kneip descrever em música o desenrolar de um jogo. Após comentários elogiosos, Zé Ary aborda João Sem Medo.

Garçom: – Seu João, voltando ao assunto anterior, outros jogadores que tinham tudo para serem grandes craques morreram jovens também.

João Sem Medo: – Sim, Zé Ary, é verdade. Além do Dener, que foi revelado pela Portuguesa, passou pelo Grêmio e estava no Vasco, teve o Roberto Batata, do Cruzeiro; o Geraldo, do Flamengo…

Idiota da Objetividade: – Roberto Batata e Dener morreram em acidentes de automóvel. Geraldo teve um choque anafilático durante cirurgia para retirada das amígdalas. Roberto Batata e Geraldo faleceram em 1976. Dener, em 1993.

Garçom: – O ponta-direita Roberto Batata foi tão marcante no Cruzeiro que mereceu uma homenagem musical de Gaúcho Alegre. Vamos ver e ouvir no telão?

Todos concordam e Zé Ary põe o vídeo no telão.

 

Todos aplaudem e Roberto Batata, da sua mesa agradece ao público.

João Sem Medo: – Roberto Batata foi um atacante muito bom do grande time que o Cruzeiro montou nos anos 70. Um abraço pra você (João acena para Roberto Batata, que retribui o cumprimento).

Garçom: – Quem também está presente é o Geraldo Assobiador.

João Sem Medo: – Geraldo Assobiador era cobra de bola. Não era completo, mas tinha tudo pra ser craque. Morava perto de mim, gostava de ir ao borracheiro para aprender a mudar pneu e lidar com ferramentas do mecânico. Todos os dias brincava assim e jogava um futebol muito bonito e gostoso de ser visto.

Emocionado, Geraldo se levanta e vai dar um abraço em João Sem Medo.

Garçom: – Que encontro, meus amigos! Que encontro!

Aplausos gerais para Geraldo e João Sem Medo.

Garçom: – Em homenagem ao grande Geraldo, vou pôr no som uma música de Mário Adnet e Bernardo Vilhena, chamada “Geraldofla”, numa gravação do Adnet com as participações de Lobão, na voz, e de Paulo Moura, nos sopros. Vale muito ouvir, minha gente.

Geraldo, ainda emocionado, agradece os aplausos do público.

Garçom: – Dois, pouco lembrados, mas que estavam despontando bem eram o Mahicon Librelato, do Inter, e o Sérgio Gil, do Corinthians.

Idiota da Objetividade: – Mahicon Librelato começou no futsal, na cidade catarinense de Orleans, onde nasceu. No campo, o início da carreira do promissor atacante foi no Criciúma. Ele tinha só 21 anos, quando morreu na Avenida Beira Mar Norte, em Florianópolis, num acidente de carro também. Seu último gol, duas semanas antes, ajudou o Inter a escapar do rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro, em 2002, nos 2 a 0 sobre o Paysandu, em Belém.

Sobrenatural de Almeida: – Os colorados devem essa a ele e um pouco a mim também. O Inter escapou por muito pouco daquela vez.

Idiota da Objetividade: – Verdade, Almeida. Já o Sérgio Gil, que hoje dá nome a uma rua no bairro do Balneário, em Florianópolis, era irmão do ex-volante Almir, que foi o capitão do Coritiba na conquista do campeonato brasileiro de 85 e bicampeão paulista pelo São Paulo, em 80 e 81, e do Tonho, meia campeão mundial pelo Grêmio, em 83. Ele começou no Figueirense, foi convocado várias vezes pra seleção brasileira de juniores e estava emprestado ao Corinthians. Sérgio Gil estava sendo negociado com o Inter quando faleceu num acidente automobilístico na Rodovia Régis Bittencourt, ainda no estado de São Paulo, em 9 de julho de 1989.  

João Sem Medo: – Outro que perdemos num acidente de carro também foi o Everaldo, lateral-esquerdo tricampeão no México. Já não era tão jovem quanto os outros, tinha uns 30 anos, acho…

Idiota da Objetividade: – … Sim, tinha 30 anos de idade. Morreu em 1974.

João Sem Medo: – Ele ainda estava jogando e foi uma perda muito sentida também. Eu o convoquei pra seleção desde o princípio, como reserva do Rildo. Era muito bom jogador.

Ceguinho Torcedor: – Foi uma das Feras do João!

Garçom: – Ô, seu Ceguinho, foi bom o senhor falar nisso. O Paulo Silvino tinha prometido vir aqui cantar a marchinha “As feras do Saldanha”, de Jayme Bochner, mas ainda não apareceu.

Músico: – Uma hora ele aparece aí!

Garçom: – Tomara!

UMA CERTA NOITE DE INVERNO EM PORTO ALEGRE

por Claudio Lovato Filho

Fazia frio. O frio de uma típica noite de julho em Porto Alegre. A camisa tricolor por cima do casaco do abrigo, a manta no pescoço, o gorro azul, preto e branco. E dá-lhe café e conhaque. (Naquele tempo vendia-se conhaque no estádio, e uísque também.)

As duas maiores rádios do estado brigando na Justiça, até instantes antes do início do jogo, pelo direito de usar o sistema de alto-falantes instalado em torno do campo. Deu a Gaúcha, perdeu a Guaíba.

Os uruguaios irromperam pela boca do túnel com sua autoconfiança aurinegra, uma empáfia que já fora maior e que sofrera um abalo pelo empate em um a um no jogo anterior, no Centenário. Olivera, o zagueiro capitão barbudo, à frente dos companheiros na saída do túnel.

Mas nós tínhamos um time fadado à vitória, destinado a grandes conquistas e que não se intimidava; tínhamos o Olímpico lotado e um capitão que também era zagueiro, também era barbudo, também era uruguaio e vinha do grande rival do Peñarol, o Nacional.

Naquele 28 de julho de 1983 eu tinha 18 anos completados havia pouco e estava na Geral do Olímpico, a “Arquibancada Inferior”, atrás do gol (da goleira!) da Avenida Cascatinha, com meu pai e um dos meus irmãos mais novos. O Olímpico que era, para mim, shelter from the storm, abrigo contra qualquer tempestade.

Então vieram os cartões de visita dos orientales. Tentaram intimidar nosso ponteiro direito, no palavrão, no empurrão e na porrada, e assim foram deixando mais e mais profunda a própria sepultura, que haviam começado a cavar em Montevidéu. Nosso ponteiro direito nunca teve medo de coisa nenhuma.

Caio fez o primeiro, aos 9 minutos de jogo. Nosso centroavante guerreiro aproveitou com muito oportunismo e senso de colocação um cruzamento rasteiro, espetacular de Osvaldo do jeito que um camisa 9 de verdade sabe fazer: invadindo a pequena área por trás da zaga, se esticando no gramado para alcançar a bola com o pé direito, tocando nela com a força suficiente para colocá-la no fundo rede. Como descrever um momento de felicidade como aquele? Bom, eu achei que ia ter um treco ali mesmo e morrer sem sequer ter tirado a carteira de motorista.

No segundo tempo, aos 25 minutos, Morena, o 9 deles, empatou. Os carboneros, claro, não iam perder a peleja sem guerrear. Para eles sempre foi matar ou morrer. Para nós também. Só que com uma pequena variação semântica que mudava o centro da questão: para nós era matar ou matar, porque aquele time não nos deixava pensar diferente.

E foi assim, sendo chutado, xingado, ameaçado, perseguido de todas as formas possíveis dentro de um campo de futebol que o jovem Portaluppi, nosso ponteiro direito, resolveu, lá pelas tantas, acossado por dois marcadores, quase em cima da linha lateral, na direita do ataque, dar uma levantadinha na bola com o pé direito e então mandar um cruzamento para a pequena área, para o entrevero, e foi César, nosso outro centroavante, substituto de Caio, que também fez como os verdadeiros 9 têm que fazer: previu o que ia acontecer e alçou voo ao encontro da bola, meteu a cabeça nela, e aos 32 minutos estava feito o nosso segundo gol, e nessa hora nem eu nem nenhum dos mais de 70 mil gremistas que estavam no Olímpico nem os milhões de outros espalhados (mas sempre unidos) pelo Rio Grande do Sul, pelo Brasil e pelo mundo conseguíamos mais conter uma explosão de alegria completa e transcendente.

Obrigado, Mazarópi, Paulo Roberto, Baidek, De León e Casemiro.

Obrigado, China, Osvaldo e Tita.

Obrigado, Renato e César.

Obrigado, Tarciso, Caio, Valdir Espinosa, Fábio Koff, Antonio Carlos Verardi e Adalberto Preis, que já se foram, mas sempre serão lembrados por aqueles que têm o coração azul, preto e branco.

Obrigado a todos os outros – os reservas, Ithon Fritzen e o pessoal da preparação física, a turma dos bastidores, todos, todos.

Neste dia em que se completam 40 anos da conquista da nossa primeira Libertadores, nosso pensamento está com vocês, nossa gratidão tem a vocês como destinatários.

De minha parte só quero acrescentar que tudo isso aconteceu há quatro décadas, mas parece que foi ontem. Na verdade, na minha cabeça parece que o árbitro apitou o fim do jogo há apenas algumas horas, ou neste exato instante.

COMO LIBERARAM O ÚNICO CENTROAVANTE?

por Zé Roberto Padilha

Assistindo todo o heroico esforço dos jogadores do Vasco, que equilibraram a partida contra um time bem estruturado, como o Athletico Paranaense, ficou latente a falta que um centroavante faz.

Mesmo não atravessando uma boa fase, Pedro Raul jamais perderia os gols que o Figueiredo deixou de marcar sozinho na pequena área.

No futebol brasileiro, são cada vez mais raros os centroavantes. Há alguns anos o Vasco tinha o Roberto Dinamite e Waldir, o Flamengo, Romário e Nunes, o Botafogo, Cláudio Adão e Túlio Maravilha e o Fluminense, Washington e Assis.

Hoje, não está sendo fácil encontrar um homem gol. Aqueles que sabem se colocar, chutar bem, e cabecear com precisão. Pedro Raul fez história no Goiás, Botafogo e no Vasco caiu sobre si todo o mau momento do time.

Se estivesse em campo, dificilmente o Vasco perderia. Mas perder para o Toluca, do poderoso campeonato mexicano, e ficar sem um só centroavante, é um deboche. Uma piada sem graça de um clube que se tornou SAF.

Que clube empresa é esse que não consegue ter um camisa 9? E quando tem abre mão?

Desse jeito, só há mesmo um caminho aberto para o Vasco. E ele o leva de volta para a segunda divisão.

GRANDE ARMANDO NOGUEIRA

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Desde 1954, na Suíça, Armando Nogueira trabalhou consecutivamente em 15 Copas do Mundo. O ‘Poeta do Esporte’ ainda cobriu sete Jogos Olímpicos. É o ‘Machado de Assis’ da crônica esportiva brasileira.

Nascido em Xapuri, no Acre, encantou-se com a seleção húngara do genial Ferenc Puskas, no mesmo Mundial de 1954. Esse timaço ficou dezenas de jogos invictos, perdendo apenas a final da Copa. Por isso, é lembrado e elogiado em várias crônicas de Armando. Aliás, três seleções assombraram o mundo da bola, mesmo não conquistando o caneco: aquela Hungria; a Holanda de Cruijff, em 1974; e o Brasil de Zico, Sócrates, Falcão, Junior e Cia., em 1982.

Botafoguense, Armando era amigo íntimo do seu ídolo, Nilton Santos, que, por sinal, o puxou pelo braço para dar a seu lado a volta olímpica, na Suécia, em 1958:

“Tu, em campo, parecia tantos e, no entanto, que encanto! Eras só um: Nilton Santos” – teceu Armando.

Formado em Direito, mas jornalista por vocação, Armando Nogueira lançou dez livros, todos de esportes, além de centenas de crônicas compiladas das colunas que escreveu em jornais e revistas. Participou também da ‘Grande Resenha Facit’, entre os anos 60 e 70, na TV Rio, ao lado de feras como João Saldanha, Luiz Mendes, Nelson Rodrigues, Hans Henningsen (o ‘Marinheiro Sueco’) e o ‘Queixada’ Ademir Menezes, ídolo do Vasco e artilheiro da Copa de 1950.

Por mais de duas décadas Armando foi um dos responsáveis por construir e solidificar a TV Globo. Diretor da Central Globo de Jornalismo, criou o ‘Jornal Nacional’, primeiro programa do país em rede nacional, além do ‘Globo Repórter’. Também foi o responsável por inserir o futebol na grade da tevê.

Durante o dia, Roberto Marinho ficava no jornal ‘O Globo’. Ao fim da tarde, ia para a emissora. Via o ‘Jornal Nacional’ ao lado de Armando Nogueira. Apenas os dois. Raramente chamava outro colaborador:

“Armando, por acaso o Boni foi visitar o Castor (de Andrade) na prisão?”

“Não sei” – a resposta foi seca.

No mesmo instante, Nogueira chamou José Bonifácio de Oliveira Sobrinho:

“Não gostei, Boni. Você foi ver o Castor?”

“Havelange me pediu. Estamos negociando os direitos da Copa…”

Armando Nogueira testemunhou o crime que, de certa forma, mudaria a história do país. Passava pela Rua Tonelero, em Copacabana, a caminho de casa, quando escutou tiros. Era o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, fato que levaria o Presidente da República Getúlio Vargas ao suicídio. De madrugada, voltou de imediato para o Diário Carioca, de onde escreveu uma bombástica matéria, em primeira pessoa e com riqueza de detalhes.

Na Churrascaria ‘Porcão’, em Ipanema, me encontrei casualmente com Telmo Zanini, que me apresentou ao filho de Armando, o Manduca:

“Meu Pai é louco por rádio, Elso.”

Pegou o aparelho e discou de imediato para o pai, me passando o telefone:

“Acompanho sempre o ‘Enquanto a Bola Não Rola.’”

Este programa acontecia todo domingo. Era um debate esportivo transmitido simultaneamente pela Globo-RJ e Globo-SP. Perguntei a Armando:

“Mestre, você participaria do programa?”

“Com prazer!”

Logo, tornou-se uma das principais atrações do programa. Nessa época, almoçávamos eu, Fernando Calazans, Paulo Cesar Vasconcellos e Armando. Este, de jaleco e tênis. Do nada, no intervalo entre uma garfada e outra, tirou uma gaita do bolso:

“É importante termos uma atividade lúdica. Virei gaiteiro, toco Bossa Nova.”

O grande Armando Nogueira faleceu aos 83 anos, em março de 2010, em seu apartamento na Lagoa, deixando um enorme legado para o Jornalismo Esportivo do Brasil.