por André Felipe de Lima
Leônidas da Silva. Somente isso bastaria exprimir com denodo e convicção para enfatizar a importância dele na história do futebol. Bastaria apenas o seu nome e o sobrenome. Nada mais. E temos aí Leônidas, o gênio, o “Diamante Negro”, o artilheiro da Copa do Mundo de 1938, o melhor do mundo. Sem bula, apenas originário de uma receita empírica — com justas e reconhecidas raízes indígenas e africanas que nos moldam. Uma receita do que de melhor criamos com uma bola nos pés.
Quando a era do amadorismo acabou nos gramados brasileiros, em 1933, Friedenreich, que — em um dia 6 de setembro nos deixou órfãos há 50 anos — abandonava tudo, e o torcedor temia o futuro sem o ídolo maior. Deixaríamos de entender de futebol. Imaginava-se.
Friedenreich não queria dinheiro para jogar bola, e todos queriam Friedenreich, menos ele, que parecia não desejar mais a si mesmo ou a sua história, deixando-a apenas em um livro de memórias escrito com o amigo Paulo Varzea. Mas era a hora de passar o bastão, ou melhor, as chuteiras, e El Tigre entregou o par delas ao Leônidas, que, no ano seguinte ao alvorecer do profissionalismo, formou com Russinho, Fausto e Domingos da Guia um dos melhores times da história do Vasco, e Leônidas foi campeão do Rio com ele. Isso quatro anos antes de ficar mundialmente famoso na Copa realizada pelos franceses e de brilhar intensamente no Flamengo, clube que certamente amava, apesar de confesso tricolor desde a meninice. O Flamengo era Leônidas. Leônidas era o Flamengo. A simbiose inevitável e gloriosa que atravessou décadas de forma inabalável.
Hoje em dia, meninos podem ignorar a história, mas não o Leônidas da Silva, e vão os garotos idealizar seus times dos sonhos. O que escalam no ataque não pode ser diferente. Ele tem de ter Zizinho, Dida e Zico. Os quatro, sem dúvida e insofismavelmente, gigantes. E Leônidas foi ser também o “rei da bicicleta” no São Paulo, onde o aguardavam o extraordinário argentino Sastre, o arisco ponta Luizinho e o monumental Bauer. Um São Paulo que El Tigre ajudou a construir; um São Paulo do Leônidas, que herdou de Friedenreich mais que o futebol. Herdou uma coroa do mais valioso ouro, que jamais deixará de brilhar e que não tem preço.
Quando um comemorava mais um aniversário, em 1969, o outro partia. Ambos, inegavelmente, falaram o mesmo idioma: o dos gênios. Confesso aqui, leitores, o sonho que tive esta noite. Perdia uma bolsa de couro na qual havia livros. Livros de futebol. Foi um pesadelo, mas acordei feliz porque, ainda no sonho, encontrei a bolsa com os livros. Levantei-me imediatamente, fui à minha estante e percebi que lado a lado estão duas biografias de Friedenreich (assinadas por Alexandre da Costa e Luiz Carlos Duarte) e a do Leônidas da Silva (escrita pelo André Riberio).
Poderia retornar à cama e dormir mais um pouco. Não. Sentei-me aqui, agora, neste instante prostrado em reverências que considero sublimes quando escrevo sobre futebol, para saudar os dois ídolos e manter vivo meu sonho de sempre reencontrá-los. Deixe-me, por favor, sonhar sempre com os nossos gigantes do futebol brasileiro. Sinto-me, assim, um ser humano melhor.
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