por Zé Roberto Padilha
Na vida de um atleta profissional de futebol, o objeto de cobiça, e de frustração, se apresenta empilhado na mão dos treinadores, em cores de coletes diferentes, a cada apronto da semana. Quando recebemos o colete reserva, tentamos provar a todo pique que o professor se enganara na escalação. Já com o de titular, bastava correr e provar que ele estava completamente justo e certo. Hoje, é o Diego é quem vive no Flamengo, semanalmente, este dilema.
No meu começo no Fluminense, não havia dúvidas: a 11 titular era do Lula. A mim, cabia receber o colete reserva da ponta, da meia ou, para colaborar e não sobrar do treino, na lateral esquerda. E as arquibancadas se divertiam com as investidas mortais de Wilton e Cafuringa para cima de mim. Era aprender a marcar, diminuir o espaço, ou pagar espetáculo para aposentados ou desocupados que sequer pagavam ingressos.
Como Rubens Galaxe, nosso coringa oficial, para sobreviver fui me virando em algumas posições, e até a camisa 7 no Bonsucesso usei, no estadual de 85, segundo as estratégias do meu treinador para tentar conter, no Maracanã, o lado esquerdo tricolor mortal formado por Branco, Tato e Assis. Foi em vão diante do tricampeão carioca. Aos 36 anos, me despedi por ali. A única camisa que não consegui jogar, mesmo em amistosos e, até na equipe de Master, foi a 5.
Cabeça de área não é lugar para ser ocupado por qualquer um. Você precisa ser, antes de tudo, um especialista na posição.
Os especialistas da camisa 5, que recebem bolas quadradas da zaga, e agora dos goleiros de linha, e, sem perde-las a repassam mais à frente aos pés dos que a tornam redondas, tem um segredo. Que vem do berço, ninguém ensina, e é o seu pulo do gato. Que os equilibra, mantém seu time de pé: eles dominam a bola com o pé de apoio, e deixam a perna boa, destra ou canhotinha, à feição para dar o passe. Um canhoto e não especialista como eu, precisa dominar a bola com a perna boa, dar o apoio na outra, buscar o equilíbrio e daí passar com a mesma canhotinha. São milésimos segundo preciosos na saída de bola.
Momentaneamente desequilibrado, você já ficou apertado, cercado e à mercê de um bote adversário mortal ante sua zaga desprotegida. E eles, os especialistas, realizam este movimento tão naturalmente que poucos notam. Só os que tentaram jogar por ali, como eu, sabem o valor deste segredo. Das artimanhas deste pulo do gato.
Denílson, o Rei Zulú, Carlos Alberto Pintinho, Zé Mário, Givanildo, Índio, do Americano, e Fio, do Esporte Clube Areal, foram os maiores especialistas que vi jogar nesta difícil posição. Sérgio Araújo vive a se virar por ali, Aírton às vezes se impõe e Guïnazu deu maus exemplos no Vasco não ficando em pé, abusando dos carrinhos, quando ele é quem deveria equilibrar a espinha dorsal.
Quarta, assistindo a Flamengo x Corinthians, descobri que há uma novo gênio da camisa 5 buscando espaço neste seleto grupo de especialistas. Uma pena que não é brasileiro. Cuéllar, é, hoje, no futebol brasileiro, o maior especialista da camisa 5. Uma espécie em extinção. Que o Abel, e a nação rubro-negra, o conserve em barris de carvalho. Pela reverência e espeito a mais difícil posição que vi ser ocupada no futebol.
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