por Marcos Vinicius Cabral
O domingo tão aguardado, havia enfim chegado.
Na redação do jornal O São Gonçalo, estava eu fazendo charge (ou tentando fazer) naquele domingo, o que era uma tarefa não muito fácil.
Como de costume, em ocasiões especiais, eu sempre fazia duas charges, pois Flamengo e Vasco decidiam o Campeonato Carioca naquele ano de 2001.
Enquanto o Flamengo decidia pela terceira vez consecutiva contra o Vasco, para saber qual o melhor time do Rio de Janeiro (havia ganhado as últimas duas), o tricampeonato seria muito bem-vindo.
Com um super time, o Vasco era favorito e após vencer o primeiro jogo por 2 a 1, era (quase) certo que São Januário receberia mais um troféu de campeão carioca.
Com isso, o time rubro-negro, dirigido por Zagallo, precisaria vencer por dois gols de diferença.
Confesso que naquele 27 de maio de 2001, havia em mim um certo ceticismo, mesmo com meus 28 anos de idade e com tantos títulos já comemorados.
Mas aquele campeonato era muito difícil, convenhamos!
Após descer os nove andares – já que o elevador demorava muito – do prédio do relógio, tradicionalmente conhecido aqui em Alcântara, fui já pegando meu vale-transporte, que era ainda em papel e me encaminhei para o ponto de ônibus.
No trajeto, carros buzinavam fazendo um grande estardalhaço e a maioria deles, com bandeiras cruzmaltinas nos tetos dos veículos, que tremulavam.
Nas janelas dos prédios, os gritos de “é campeão, é campeão!”, me chamavam atenção e corroboravam com a certeza da vitória.
Nas esquinas das ruas que antecediam o lugar onde pegaria meu ônibus, o vento soprava os papéis para longe de mim, demonstrando com isso a pocilga deste tradicional bairro da cidade de mais de um milhão de habitantes.
Já dentro do ônibus, meu celular toca e do outro lado da linha era Wellington querendo saber se eu assistiria o jogo no bar de Paulo, lugar sagrado dos flamenguistas nas vezes em que o “Mais Querido” jogava.
Lembro que respondi sim, mas a verdade é que queria assistir em casa aquele Flamengo e Vasco.
Por tal motivo, passei celeremente em frente ao bar e fui beneficiado pela enorme bandeira do Flamengo, que escondia as pessoas no interior do estabelecimento e as que passavam em frente a ele.
Graças a Deus, passei sem ser visto pela turma do Jovem Fla, um dos times mais respeitados da cidade, em que Wellington era o técnico, seu irmão Wallace, o presidente, e eu, o camisa 8, no qual me orgulho de ter envergado com maestria.
Uma pena esse time ter existido tão pouco tempo, apesar do bicampeonato no campo do Gradim (2003 e 2005) e diversos títulos, entre campeonatos e festivais.
Mas ao chegar em casa, faltando poucos minutos para o início do jogo, tomei um banho, peguei minha camisa do Flamengo número 10 do Zico e por que não dizer, número 10 do Petković (escrito corretamente, com acento agudo no c, sem erro, pois ele foi a peça nevrálgica naquele jogo), e fui para a casa da minha sogra.
O Flamengo entrou em campo e contava com a minha confiança, sempre fui um torcedor fanático pelo Flamengo, apaixonado mesmo.
Tem certas paixões que não se pode explicar e o Flamengo é uma delas, algo assim inexplicável.
Não sei, mas alguma coisa parecia que ia acontecer de positivo naquela tarde para nós, flamenguistas.
O que sempre buscava, era sentir as emoções dos grandes tempos áureos do time da década de 80 de Zico e Cia.
Apesar do Vasco ter na época um super time, muito bem treinado por Joel Santana, no primeiro jogo os dois gols vascaínos foram de bola parada.
Um de pênalti, convertido pelo atacante Viola e outro de falta, em que Juninho Paulista contou com o desvio da barreira para enganar Júlio César.
No segundo jogo, o Flamengo entrou em campo de mãos dadas como a Seleção tetracampeã de 1994 e aquele simples gesto balançou minhas estruturas, pois havia percebido em se tratar de uma ideia do Zagallo, nosso técnico na ocasião.
Só aí, a emoção já ia à flor da pele, com o Maracanã lotado, torcida inflamada empurrando o time e fazendo uma linda festa como sempre.
O jogo estava muito tenso e aos 23 minutos do primeiro tempo, pênalti para o Flamengo e o “capetinha” Edilson fez 1 a 0.
Faltava mais um gol, mas ao 40 minutos, em grande bobeira da zaga rubro-negra, o talentoso Juninho Paulista empatou a partida.
Aquele gol não foi um balde de água fria e sim uma cachoeira, que de tão gelada me fez lembrar as águas da região serrana de Nova Friburgo, onde dei meu primeiro choro em vida ao nascer.
Sendo assim, voltávamos a depender de mais dois gols para levar a taça para a Gávea.
Aos oito minutos do segundo tempo, o nosso camisa 10 Petković, fez uma belíssima jogada pela esquerda e botou a bola na cabeça do “capetinha” Edilson.
Resultado: 2 a 1.
Entretanto, com um jogo bem aberto e com Euller, “o filho do vento” causando estrago no lado do nosso esforçado lateral Cássio, temi que, nos 37 minutos restantes, tomássemos mais um gol.
O tempo foi passando, passando, passando…
Com meus olhos atentos na TV, via o velho lobo Zagallo, que na beira do gramado, naquele espaço destinado aos técnicos, incentivava o time e com sua fé irrestrita, segurava uma imagem de Santo Antônio, beijando-a a todo instante.
Seria o presságio do terceiro gol?
Na hora, me veio à mente a Copa de 1998, quando nas semifinais, o supersticioso treinador do número 13, incentivava os jogadores brasileiros na decisão de pênaltis contra a Holanda.
Se há 19 anos, na Copa da França, deu certo, por que não daria agora, em 2001?
Ansiedade, ansiedade, ansiedade e aos 42 minutos, o árbitro Léo Feldman interrompeu o silêncio fúnebre e devastador na nação rubro-negra no estádio à espera do gol do título.
E assim, apitou a plenos pulmões uma falta de Fabiano Eller, cabeça de área vascaíno, no “capetinha” Edilson.
Apesar de ser muito distante, é verdade, a esperança estava ali, diante de olhos vermelhos e pretos.
Como sempre faço, em jogos que são testes para cardíacos, tirei o som da TV (nada contra os narradores esportivos e nem ao Luís Roberto, que narrava aquela partida pela Rede Globo), e liguei o rádio, para ouvir o Luiz Penido ou o José Carlos Araújo.
Até porque, as maiores emoções vividas no futebol, foram nas vozes dessas duas lendas do Radiojornalismo.
Enquanto Luiz Penido, o “Garotão da Galera”, me fez chorar de emoção com os Brasileiros de 1992 e 2009, com narrações memoráveis no microfone da Rádio Tupi, José Carlos Araújo, o “Garotinho”, expôs de forma direta, momentos inesquecíveis como o Brasileiro de 1987 e o tetra da seleção brasileira em 1994, nas ondas sonoras da Rádio Globo.
Lembro que ao sintonizar na AM 1220 kHz, um misto de nervosismo e adrenalina, tomavam conta de mim, ainda mais com o “Garotinho” narrando.
O sérvio da camisa 10 se apresentou, ajeitou a bola e com um carinho especial, esperou o árbitro autorizar a cobrança da falta.
Um suspense tomou conta de nós e lembro da vibração da torcida tremulando as mãos para passar enegria positiva, e eu, repeti aquele ato litúrgico, como se estivesse nas arquibancadas apinhadas de flamenguistas e não na sala da casa da minha sogra, que me olhou sem entender nada.
Por um instante, confesso que pelo pragmatismo daquele olhar, pensei em se tratar de uma vascaína e descobri, anos mais tarde, ser flamenguista.
Na cobrança daquela falta, a Rede Globo, que transmitia o jogo, mostrou por alguns segundos no banco de reservas, o lateral Alessandro – que havia sido substituído por Maurinho – que olhava intensamente sem piscar, com as mãos juntas, rezando, acreditando no último lance do jogo e Zagallo beijando o santinho nas mãos.
Aos 43 minutos, o árbitro autorizou, Petković caminhou para a bola e bateu… a bola fez uma curva incrível e ainda toca na ponta dos dedos do goleiro Hélton.
Viagem insólita da bola, que foi no ângulo, indefensável, era o gol salvador com a inesquecível comemoração do Petković, se jogando no gramado e sendo tomado pelos outros jogadores.
Entrei em êxtase, era como se estivesse revivendo o que outros torcedores na década de 80 viveram.
Desci as escadas e desembestado fui correndo comemorar o tricampeonato com meu amigos do Jovem Fla, no bar de Paulo.
Na TV, a torcida entoando o canto de “vice de novo”, a imagem do Zagallo aos prantos, a torcida… enfim, foi mágico!
Entrou para a história esse gol do Petković, que passou a ser chamado carinhosamente, e diga-se de passagem, merecidamente, apenas de Pet.
Assim, três letras, de um tri, na falta sofrida a três minutos do fim do jogo.
Hoje, esse talentoso ex-jogador completa 45 anos.
Foi genial, foi exemplo, foi craque e foi decisivo nas passagens que teve pelo Flamengo.
Em 2009, solidificou de vez seu nome na galeria de ídolos imortais do clube, com a conquista do Brasileiro.
Portanto, a geração que não teve a oportunidade de ver Arthur Antunes Coimbra, ou melhor, Zico, teve a felicidade de ver este sérvio, que conquistou os 40 milhões de corações espalhados pelo país, com atuações, títulos e gols marcantes, como este contra o arquirrival Vasco da Gama.
Parabéns para você Pet e obrigado por tudo!
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