por Leymir Moraes
A supremacia técnica ante o embate de Camisas centenárias só é observada se houver humildade do time momentaneamente superior, regra 00 do futebol entre grandes Clubes e digna de menção em manuais sobre o jogo.
Exemplos temos muitos, mas hoje focaremos em duas Camisas que rivalizam em terra e mar e se harmonizam em suas grandezas, a do Flamengo de José Agostinho Pereira da Cunha, Nestor de Barros, Mário Spínola e Augusto Lopes da Silveira e a do Vasco de Gaspar de Castro, Virgílio Carvalho do Amaral e Henrique Ferreira.
A do Vasco, que antes do primeiro título mundial da seleção já vestia orgulhosa de si mesma:
Barbosa, Barcheta, Augusto, Wilson, Rafagnelli, Ely, Danilo, Jorge, Moacir, Djalma, Nestor, Maneca, Ademir, Dimas, Lelé, Friaça, Ismael e Chico.
A do Flamengo, que cobria o time do primeiro tri carioca com um esquadrão de rivalizar com o Reich:
Jurandir, Nilton Canegal e Domingos da Guia; Biguá, Volante e Jaime de Almeida; Valido, Zizinho, Perácio, Pirilo e Vevé.
As Camisas dos grandes Clubes estão campos astrais acima da frivolidade e possessividade de nossas paixões, elas falam através de gestos técnicos apurados como de Leônidas e Ipojucan e correntes de amor desenfreado dos bons e milhões de anônimos que as trajam como sua segunda pele.
A camisa do Flamengo reconhece os excelentes Ademir e Danilo, e não deixa de se comover com o amor de Alfredo Segundo pelas vestes vascaínas. A camisa do Vasco da Gama reconhece os grandes Zizinho e Perillo, e não deixa de se comover com a entrega e devoção de Biguá com o manto rubro-negro.
A Camisa do Vasco não é menor quando admira Dida, a Camisa do Flamengo não se apequena quando se encanta com Roberto.
As Camisas são cientes que ciclos vitoriosos vêm e vão e que suas belezas e eternidades transcendem a isso, elas são lindas por si mesmas e por seus sonhos, pelo que representam e pelo que deixam em terra e mar, pela maneira que decididamente colorem nossas vidas.
Em 1989 o Flamengo vivia um ano de luto, o maior entre todos os defensores de seu manto anunciava o fim do seu reinado, seu possível sucessor se transferia para o maior rival aonde seria ainda neste ano campeão brasileiro.
66 anos se passaram e restava ao Flamengo o mesmo que sobrou em 1923, tentar equiparar forças ao Vasco ainda que para o campeonato nada significasse.
O Vasco de 89 era um verdadeiro esquadrão e contava em sua linha com Tita, Andrade e Bebeto, que haviam conquistado Carioca, Brasileiro, Libertadores e Mundial pelo clube da Gávea, além de Mazinho, Acácio, Bismarck , Winck, Wiliam e Sorato.
O Flamengo tinha um Zico que já se despedia, o retorno de Junior, e as perdas do primeiro semestre de Jorginho, Aldair e sobretudo Bebeto.
O clima na cidade e também em São Januário era de uma vitória Vascaína, as disparidades técnica e anímica eram flagrantes e o resultado do Brasileiro de 1989 confirmaria a previsão. Os torcedores do Flamengo se sentiam diminuídos perante o poderio cruzmaltino e depositavam em Junior e principalmente Zico, um pingo de alegria naquele ano cinza.
Invariavelmente as preces rubro-negras terminavam com “e se perder, que não seja com gol de Bebeto, amém!”
Era necessário mais uma vez que a camisa resolvesse, na preleção só Zico que é a mais perfeita semelhança da camisa do Flamengo falou, só Arthur Antunes Coimbra e mais ninguém.
Dentro de campo o jogo não foi decidido pela genialidade de Zico ou Junior, a Camisa queria ser explícita e escolheu como seu cavalo o menino Bujica que marcou os dois gols de sua vida naquela tarde de domingo.
Para todo o rubro-negro vivo em 89, o sentimento foi: “que eles se contentem com o Brasileiro, a vitória é nossa” exatamente como fora em 1923.
Em 2021, acabamos de testemunhar o mesmo, em demonstração soberba o Flamengo anuncia que faria um teste contra o Vasco em um Campeonato Carioca que busca mais um tri, o Flamengo de uma só vez diminuía o rival, como também um campeonato que entregou o seu exato tamanho e sua justa alcunha de mais querido!
Os dirigentes do Flamengo ainda não entenderam que diminuir o rival é diminuir a si mesmo, e diminuir o Carioca é sangrar e apequenar suas maiores glorias.
Afinal os grandes Filipe Luis, Gabigol, Arrascaeta e Bruno Henrique seriam maiores que Junior, Dida, Zico e Zizinho e que se orgulham por demais de seus respectivos tris carioca?
Alguém tinha dúvida que a camisa Vascaína se levantaria? O Vasco que tem um time em 21 ainda mais fraco que o Flamengo do segundo semestre de 89, o Flamengo de 21 que tem ainda um time mais forte que o Vasco de 89. O Flamengo cai incontestavelmente, mas não aos pés de Leo Matos, Cano e Morato e sim tomba face a sua arrogância frente a camisa Vascaína que manteve a maior invencibilidade do clássico conquistado pelo Expresso da Vitória.
Não fora o Vasco rebaixado e maltratado que enfrentou o Flamengo em 21, não fora o Flamengo de 89 enlutado que enfrentou o Vasco campeão brasileiro, havia muito mais dentro de campo e só aqueles que nada sentem podem a isso ignorar.
Em campo Cano foi Ademir, Morato foi Ipojucan e Leo Matos foi Danilo, todos encantados pelo manto vascaíno.
Se em 1989 pouco importava ao Flamengo o título brasileiro vascaíno, em 2021 pouco importará ao Vasco o que Flamengo já conquistou e conquistará.
Que as Camisas sempre se imponham quando necessário, e após a partida partam juntas para seus lares após as doces resenhas que já se sucedem há mais de século.
Salve o Clube de Regatas do Flamengo, Salve o Clube de Regatas Vasco da Gama!
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