por Ricardo Dias
Não gostava de futebol quando era criança. Assisti mais ou menos à Copa de 70, onde foi inaugurada a repetição da jogada. Aparecia uma mensagem na tela: Repet-Replay, e ocorria o milagre tecnológico.
Meu pai me levou ao Maracanã, sentei na arquibancada e prestei o máximo de atenção possível ao vendedor de cachorro quente. Tanto que perdi um gol do Fluminense. Meu pai reclamou, e respondi, com a graça e a leveza de quem entendeu tudo:
– Não faz mal, eu vejo o réptirreplêi.
Mas, em 74, a Copa do Mundo me pegou, e fui à rua jogar pelada. Éramos seleções, times de 3, e a mim coube ser o Cruyff; Caolha era o Neskens e não lembro quem era o kickoff, uma mistura de um termo antigo com os gêmeos Willy e René van der Kerkhof. Éramos a Holanda, pois num acordo tácito, ninguém seria o Brasil.
Um primo de São Paulo estava aqui, e queria ser goleiro. Alemanha, Mayer, pronunciado Méier. Portanto, a Alemanha da Tijuca daqueles tempos virou Méier, Cascadura e Irajá. Bola Dente de Leite, perfeita para esse nobre esporte, pesada e macia.
No ano seguinte, voltei minhas antenas para o meu Fluminense. Francisco Horta revolucionava o futebol brasileiro e montava o time mais repleto de estrelas que jamais vi jogar, começando por Rivellino. Paulo César Caju, na ponta dos pés, era um bailarino, a maior elegância no campo; Mario Sergio, a bola colada nos pés, genial. Cafuringa, o maior driblador que vi jogar (e a pior mira, sejamos justos). Um time inesquecível. E aí sim, passei a frequentar o Maracanã com gosto e atenção (embora ainda gostasse do cachorro quente da Geneal vendido lá).
Isso tudo para dizer que ali tive minha primeira lição de tática. Meu pai, que não liga a mínima para essas coisas (se limita a xingar a defesa, qualquer que seja ela), um dia observou:
– É um timaço, mas quem carrega o time nas costas é o Zé Roberto.
Ali comecei a prestar atenção e concordei com ele: aquele cara suava pelo time todo. Talvez fosse um dos poucos da época que teria vaga direto num time de hoje, tamanha sua disposição e velocidade (claro que todos eles, craques, jogariam, mas teriam que correr mais. Ele, não! Já corria o suficiente). Não tivesse arrebentado o joelho poderia ter sido o polivalente que Coutinho procurava em 78.
Mas voltando ao Zé, ele conquistou a maior honra que um atleta poderia almejar naquela época: jogou no meu time de botão. Pois recebi hoje seu livro, “Memórias de um Ponta Esquerda” (que atrapalhou TODO o meu trabalho, mal recebi e já estou na metade!), e ainda estou no espanto de ver as voltas que o mundo dá.
Aquele garoto gordinho tarado por cachorro quente de 75 está lendo um livro escrito por aquele cara que primeiro o fez pensar que futebol era conjunto, não se resolvia na base do eu sozinho. E que escreve tão bem quanto jogava. Obrigado, Zé!
PS: A capa é que podia ser melhorzinha; a contracapa é muito melhor.
PS2: Na foto, Zé Roberto original e o botão homônimo.
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