por Marcelo Vieira Dias
O Periquito ter ido embora num estranho domingo sem futebol não cabe no poema. Logo ele, jogador das divisões de base do Ferroviário e filho de Newton Ferreira, lendário centroavante maranhense na década de 1930, de quem herdou a posição e o amor pela bola. Mas, franzino, Periquito acabou desistindo cedo dos caminhos do futebol profissional – foi para o Rio de Janeiro e lá fez-se Ferreira Gullar, poeta, crítico, tradutor, ensaísta, jornalista, defensor das liberdades, vascaíno e apaixonado, como sempre, pelo futebol.
O poema “O gol” é o texto mais conhecido do Periquito sobre futebol, mas não foi o único. As referências ao esporte estão espalhadas por suas obras, colunas, versos e incontáveis entrevistas que ele concedeu ao longo da vida.
Nos idos da década de 1940, Periquito formava, com Esmagado e Canhoteiro, a mais talentosa das linhas de ataque que se apresentavam nas peladas do Campo do Ourique, no Centro de São Luís. Na meia esquerda, Esmagado, que durante mais de uma década brilharia com as camisas do Ferroviário e do MAC, combinava raça e técnica. Anos depois, já técnico, ele fundaria uma das primeiras equipes de futebol feminino do Brasil, o Aurora.
Mais à frente, na ponta esquerda, Canhoteiro já entortava e desentortava zagueiros, exatamente como faria, alguns anos depois, no São Paulo e na Seleção Brasileira, o que o levou a ser chamado de “Garrincha do Morumbi”.
Um dia, muitos anos depois, Periquito contou a Armando Nogueira que tinha sido colega de pelada de Canhoteiro. Armando, imediatamente, pensou em preparar o encontro dos dois. Canhoteiro, ao saber da novidade, entre gozador e incrédulo, perguntou a Nogueira: “Não me diga, o Periquito virou poeta?!”.
E que poeta, Canhoteiro….
O GOL
A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a pára
no ar
depois
com o joelho
a dispõe a meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso
coração.
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