por Sergio Pugliese
No meio do mato, o homem nu apoiou-se numa árvore para vestir o short. Os galhos e arbustos quase feriram seus olhos, mas com os braços livrou-se do perigo e ressurgiu em campo. O repórter Geraldo Romualdo, do Jornal dos Sports, espantou-se com a cena: “Você é louco? É um campeão do mundo, como pode jogar num campo desse nível e trocar de roupa no mato?”. Considerado pela FIFA o melhor lateral-esquerdo de todos os tempos, Nilton Santos apenas riu. Simples, assim. Como se três anos antes não tivesse usado o vestiário do Estádio Nacional de Chile para cobrir-se com o manto sagrado da seleção e conquistar o bicampeonato mundial em cima da Tchecoslováquia por 3 x 1.
– O Nilton é um exemplo de humildade, sempre foi um dos primeiros a chegar em nossas peladas para não ser escalado por força da fama. Fazia questão de disputar a vaga como todos os “normais” – contou Mário Duarte, o Flecha de Prata, autor do livro “Veteranos do Zumbi”, timaço da Ilha do Governador criado pelo professor Jorge Ferreira, em 1948, e adotado pelo craque após pendurar as chuteiras, em 1965.
Nessa época, o jornalista Geraldo Romualdo fazia uma matéria especial com Nilton, apelidado de Enciclopédia pelo vasto conhecimento sobre futebol. Ele o acompanhou por alguns dias para entender sua rotina. Encantou-se com tanta pureza. De carona com o ilustre botafoguense, tetra campeão carioca pelo alvinegro, sentiu-se num ônibus escolar e o viu parar de porta em porta recolhendo os jogadores do time, como se fosse aquele típico perna de pau em busca de um lugar ao sol. Carro lotado, levou Franz, Gato e Udinho para saborear peixe frito e caju amigo, na Freguesia, bairro da Ilha.
– A pelada o fazia plenamente feliz. Jogava do meio para frente e costumava dizer que na lateral só para ganhar dinheiro – revelou Fernando, o grande ausente do encontro promovido por ele, no Governador Iate Clube (Salve, Oilson Roberti!), para homenagear o parceiro.
A turma do A Pelada Como Ela É jamais perderia essa festa. Foi demais! Mais de 50 amigos reunidos, jogando bola, rindo e saboreando o peixe frito do mestre-cuca Altamiro. Para completar nossa felicidade, quem apareceu foi Marinho Chagas, outro monumental lateral botafoguense. Fã de carteirinha do “Bruxa”, o centroavante Reyes de Sá Viana do Castelo, de nossa equipe, emocionou-se e ligou para o pai, o músico Robinson de Sá, que não perdeu tempo: “Pergunta para ele sobre o lençol no Pelé”. Marinho confirmou! Em sua estréia contra o Santos! PC e Carlinhos, considerados os craques do grupo, convocaram a galera para fotos. Dona Coeli, há 42 anos casada com Nilton Santos, não conseguiu ir mas disse que prestigiou os jogos e as resenhas por muito tempo. E lembrou-se de uma passagem envolvendo Fernando, ainda adolescente. Ela e o marido estavam de carro quando uma bola surgiu no meio do caminho e Nilton freou bruscamente. Fernando, botafoguense roxo, de olhos arregalados, resgatou a pelota.
– Quando ele chegou na janela e viu que o motorista era o seu ídolo, tremeu de emoção e falou que a bola foi sortuda porque Nilton jamais a maltrataria. Depois, jogariam juntos! – recordou.
Texto publicado originalmente na coluna A Pelada Como Ela É em 18 de fevereiro de 2012.
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