por Valdir Appel
Logo no início do filme Xeque-Mate, Mr. Goodkat (um matador de aluguel interpretado por Bruce Willis), explica ao seu interlocutor, antes de eliminá-lo, o que é Manobra Kansas City: “É quando todos olham para a direita e você vai para a esquerda”.
Esta cena me remeteu direto para o ano 1982, quando eu morava na pensão da dona Judy, em Goiânia, onde um grupo bastante heterogêneo de hóspedes dividia os vários quartos da enorme casa localizada bem no centro da capital de Goiás. Um deles era um jovem vindo do Japão, de nome Hiroshi. Uma bolsa de estudos em um intercâmbio qualquer jogou o garoto, de apenas 17 anos, entre jogadores, vendedores e familiares da amável pensionista.
Hiroshi não arranhava nada do português, e os moradores se esforçavam para fazê-lo compreender algumas palavras. Eu costumava levá-lo aos treinos do Goiânia. O garoto era apaixonado por futebol.
Assim, suas primeiras palavras compreensíveis eram os nomes dos jogadores da seleção brasileira. Ele não perdia um jogo pela televisão. “Ziiiiiiiiicô!” saía fácil. Difícil era falar “Paulo Isidorrrô”, “Caléééca!” (Careca). Como bom japonês, seu senso de humor era praticamente nulo. E se já era difícil explicar algo com bom senso, imagina contar algo engraçado pro rapaz.
Fim de março. Os hóspedes se reuniram na sala da Judy, em volta da TV, para assistir Brasil e Alemanha Ocidental, amistoso no Maracanã. Fiquei ao lado do Hiroshi comentando algumas jogadas do time do mestre Telê Santana, falando sobre a capacidade de público do maior estádio do mundo e, principalmente, sobre as características dos nossos craques.
Ele não desgrudava os olhos puxadinhos da TV, e quando entendia alguma coisa, balançava a cabeça e balbuciava algo que nos parecia uma aprovação. Notei que a sua vibração aumentava quando a bola caía pelo setor esquerdo do ataque brasileiro, nos pés do mágico Mário Sérgio. Mário partia pra cima do lateral, balançava o corpo para a linha de fundo e saía por dentro. Em seguida,ameaçava pra dentro e ia pro fundo, endoidando o marcador chucrute.
– Hiroshi, gostou do Mário Sérgio? – perguntei.
– Si…si! Muito bom, né?
– Hiroshi, o apelido do Mário Sérgio é Vesgo.
– Veeesgô?!
Expliquei então que o apelido do Mário se devia às jogadas que ele fazia. Olhava prum lado e lançava a bola pro outro, iludindo o adversário. Revirei os olhos tentando dar mais ênfase às minhas palavras.
Logo em seguida Mário Sérgio recebeu um passe do Adílio e partiu pra cima do lateral, bem ao seu feitio, com a bola colada no pé esquerdo. Gingou pra cá, gingou pra lá, olhou para a esquerda, e bateu com o lado de dentro do pé virando toda a jogada para o lado direito do ataque da seleção, colocando de forma milimétrica a bola nos pés do Careca. Pra surpresa de todos na sala, Hiroshi bateu palmas, abriu um largo sorriso, e repetiu varias vezes, mostrando que tinha compreendido o apelido do gênio:
– Veeesgô! Veeesgô! Veeesgô!
0 comentários