por Ricardo Dias
Não sou geômetra, nem gênio da informática, nem mesmo inteligente, mas sou desconfiado até a medula. Estava vendo essa maravilha tecnológica que separa a imagem quadro a quadro e que garante, segundo o bom Gaciba, presidente do comitê de árbitros, 100% de precisão. Well…
Será? Sem ter acesso ao programa, vendo apenas o que todos veem, o aplicativo lança uma linha sobre o campo, e essa linha separa o impedido do legal. Mas o que é uma linha? Aí é que começa a confusão. Visto de perto, um fio de cabelo é uma linha. Visto no microscópio, é uma faixa grossa. A linha de fundo, vista de longe, idem; de perto, mais grossa ainda. E essa linha imaginária tem que ser rigorosamente paralela à linha de fundo. Esmiúço:
Há alguns anos a TV Globo fez uma reportagem sobre as balizas nos campos de futebol. Descobriu que a grande maioria tinha medidas diferentes. Isso num universo relativamente pequeno da baliza, 7 metros e pouco por 2 e pouco. E o campo? O Google me informa que as linhas do campo têm, no máximo, 12 cm. A linha eletrônica sai dali e vai parar no ponto onde há a dúvida. Você que me lê nesse momento visualiza 12 cm? É mais ou menos um envelope de CD. Sim, é grande, né? E é uma faixa pintada sobre a grama, que não permite muitos detalhes. De onde sai essa linha? Do meio? Das extremidades? Tem como garantir que esteja absolutamente no esquadro? TODAS as linhas? Se a linha de fundo estiver alguns centímetros fora do esquadro, a linha imaginária perde o sentido, já que não estará de fato reta – ou estará reta num campo torto. Qual será o critério? A linha imaginária reta ou a linha de fundo torta? Nesses casos, os erros de paralaxe (melhor googlar o que é, caso você não saiba; fica muito chato explicar aqui. Mas, grosso modo, significa que nem sempre o que você vê é verdade, dependendo do ângulo de observação) deixam de ser realmente esclarecidos. E a linha de 12 cm? Terá EXATAMENTE 12 o tempo todo? Oscilará? Se ela tiver 12 no canto esquerdo e 10 no direito, tira toda a acuidade, olha a paralaxe aí de novo…
Ah, mas você foi no campo, mediu com instrumentos quânticos microeletrônicos de base infinitesimal e está totalmente no esquadro? Bacana! Então vamos ver por outro lado:
O impedimento é marcado NA HORA em que a bola sai do pé do jogador em direção ao companheiro de time. Nesse momento tem que haver pelo menos dois adversários entre ele e a meta. Claro, há minúcias, mas esse trecho da lei é que conta. Pergunto: em qual momento a bola sai do pé do que dá o passe? Sim, não existe um momento único mensurável tão facilmente. Do momento em que o pé toca bola, até o último pedaço dela “descolar” da chuteira, há décimos de segundo. Todo mundo se acostumou aos milésimos de segundo da Fórmula 1, acha normal. Se o futebol quer ser tão acurado, tem que começar a pensar nessas coisas, também. É necessário estabelecer o décimo de segundo em que a bola se solta do pé e equiparar ao décimo de segundo em que o corpo dos atletas está ou não em linha.
Entenderam meu ponto? Não estou afirmando que o VAR está errado, apenas gostaria que houvesse um esclarecimento técnico sobre esses pontos. A palavra bem-intencionada do Gaciba não basta, ele evidentemente acredita no que está dizendo, é uma pessoa honesta. Mas pensou nesses detalhes? Seria bom um técnico vir a público e esclarecer DE VERDADE essas coisas, sem tratar o público como idiotas. Caberia uma reflexão sobre o que, filosoficamente, significa estar impedido: uma pessoa 1 cm à frente de fato tem alguma vantagem? E meio centímetro? E 1 mm? Eu fico me perguntando se não deveria haver um critério mais humano nisso. Ao mesmo tempo, o VAR não interfere quando um jogador merece o segundo cartão amarelo, que significaria expulsão; não se intromete em coisas simples e rápidas, como um escanteio errado, mas quer nos convencer que o cidadão está impedido porque calça 43. Se calçasse 42, não estaria.
A gente tende a achar que a tecnologia é infalível, mas lamento: não é. Infalível é a capacidade da diretoria do Fluminense de fazer bobagens, mas isso é outro assunto.
0 comentários