por Serginho 5Bocas
Se tem um jogador que proporcionava emoções viscerais, esse era o cara. O que tinha de futebol nos pés, continha na mesma dose o drama. Sua carreira foi uma verdadeira montanha russa, sua vida tinha aqueles rompantes de alegria e logo em seguida, descia vertiginosamente para uma amargura, uma tristeza que podia dançar, feito um tango. Mas não há como ficar indiferente a tudo o que ele fez.
Início prematuro de um prodígio idolatrado, aos 15 anos já jogava nos profissionais do Argentino Juniors. Nome quase certo para a Copa do Mundo de 1978, Menoti brecou equivocadamente, uma pena. Em 1979 conduziu a Argentina ao título do mundial de juniores em companhia de Ramon Dias e já era titular absoluto da seleção argentina dos profissionais. Lembro de um jogo no Maracanã em 1979 pela Copa América, quando o Brasil venceu por 2×1, Maradona ainda muito jovem, prestes a fazer 19 anos, comandava as ações da seleção, carimbando todas as bolas e parecendo um veterano, já sabia tudo de bola e mais um pouco, Leão que o diga. Tudo parecia dar certo, a sua vida estava em alta.
Veio a Copa de 1982 e nela toda a expectativa de ver a sua genialidade se confirmar facilmente em um time de craques e com ele voando baixo, mas não aconteceu. Estava em excelente companhia, na equipe campeã do mundo, ao lado de gente como Ardilles, Bertoni, Passarela, Kempes, Fillol e Ramon Dias, mas fez apenas uma bela partida contra a Hungria na primeira fase e ficou devendo no resto da competição, apesar de ter sido duramente marcado, às vezes até violentamente. Saiu por baixo, ao se despedir com uma entrada desleal na barriga de Batista do Brasil, que o levou a ser expulso.
Foi para o Barcelona e sofreu uma de suas piores contusões, ficando fora dos campos por muito tempo. Jogou pouco tempo por lá e não teve um time a sua altura para conquistar títulos e buscou outros rumos, pois não estava num bom momento. Acabou indo para o eldorado italiano, por uma montanha de dinheiro, foi parar onde se jogava o melhor campeonato da terra naquele momento, no Napoli, mas voltamos às Copas.
Mesmo com Maradona, durante as Eliminatórias da Copa de 1986, a Argentina passou um sufoco danado para se classificar diante da seleção do Peru, em dois jogos cascudos. Em Lima, vitória do Peru e na Argentina, um empate suado e conquistado no finzinho da partida, que classificou os hermanos para o México. Foi no limite, quase ficam de fora, quem poderia imaginar que eles seriam campeões?
Veio a Copa de 1986 e a Argentina bem abaixo de suas tradições em termos de qualidade técnica. Um time de operários com um baita mestre de obras. Comando de uma eminência parda, que não convocou o ex-parceiro Ramon Diaz, barrou Passarela e só faltou escalar os onze. Maradona fez de tudo naquela Copa, foi o seu apogeu. Fez jogadas de almanaque e uma jogada que seus fãs perdoam e lembram com a maior cara de pau, mas que não tem nada de esportivo ou de belo: o gol de mão contra os desafetos ingleses. A campanha em si não foi brilhante e nem tivemos um futebol vistoso, exceto por ele, que brindou a todos, com um futebol espantoso, decisivo, arrebatador e raras vezes visto nos campos em tão curto espaço de tempo. Ali, nos campos mexicanos, ele levantou defunto da tumba e tocou o topo do mundo, estava no mais alto nível que um jogador de futebol poderia atingir, um “nirvana” que nem ele mesmo conseguiria atingir de novo.
A Copa passou, Diego pediu reforços ao Napoli e chegaram Careca, Alemão, Bagni, Mauro, Di Napole e Carnevale. No comando das picapes o maior jogador do mundo e na retaguarda um povo sofrido, carente e apaixonado, quanta simbiose! Quanta sinergia! Para um clube que não ganhava nada, Maradona deu musculatura de sobra e os caras venceram o campeonato italiano, a Copa Itália e a Copa Uefa. Estava sobrando na turma, a gangorra estava favorável, era um semi Deus naquele momento para aquele povo.
Veio a Copa de 1990 e tudo levava a crer que Maradona ia carimbar outra estrela na camisa, mas foi uma viagem insólita, cheia de altos e baixos, pra variar. No grupo da primeira fase foi sofrível, perderam na estreia para Camarões e na vitória contra a União Soviética, Maradona fez um pênalti, colocando a mão na bola, quando o jogo ainda estava 0x0. Se fosse marcado a penalidade, poderiam nem se classificar na repescagem como um dos melhores terceiros lugares, como ocorreu. A gangorra estava em baixa.
Veio as oitavas e cruzaram com os brasileiros por conta da má campanha inicial. Tomaram um vareio de bola na única partida em que o Brasil de Lazaroni jogou bem, mas os argentinos foram agraciados com uma bola de gênio de Maradona, que após se livrar com sua habilidade de vários defensores brasileiros, lançou nos pés de Caniggia e daí pro gol, improvável e desolador, coisa de Dom Diego, toca o enterro aos trancos e barrancos.
Veio as quartas e contra a Iugoslávia, após o empate no tempo regulamentar, Maradona perdeu um pênalti mal batido, mas Goicocheia salvou o dia, defendendo dois, o gênio era iluminado e tinha anjo da gurda. Na semifinal contra a Itália, arrancaram um empate suado e nos pênaltis novamente a estrela de Goicocheia resolveu, pegando mais dois pênaltis. Tava difícil convencer na bola, mas a Argentina ia chegando na final. Um cai não cai intermitente e trôpego.
Veio a final contra a Alemanha, em um dos jogos mais feios desta pobre Copa e desta vez o pênalti, batido por Brehme, ajudou o lado alemão. Saldo final: Maradona medalha de prata e um choro no pódio que comoveu a todos pela sinceridade. O gênio era humano.
A boa fase do Napoli acabou com a explosão de um caso de doping nem 1991. Maradona não era nem sombra daquela fera que todos se acostumaram a ver, sumiu do mapa, mas aí veio um chamado urgenge, ele fez um regime “turbo” e em tempo recorde, lá estava Dieguito de novo, fininho e voando prontinho para a Copa de 1994.
Veio a Copa e logo na estreia contra a Grécia, Diego fez um gol e parecia se divertir de novo. A gente voltou a ver a qualidade dele sobressaindo sem esforço, como de costume, mas aí veio a Nigéria e um “sorteio” meio maroto, pronto! Lá estava ele novamente, envolvido em outro caso de doping. El Pibe, fez uso de efedrina, um remédio para emagrecer, que não faz ninguém ficar genial ou dar um drible, mas é substância proibida e o sonho acabou ali. Brigar com a FIFA nunca vai dar bom resultado. Aquele foi o último suspiro de genialidade do menino das favelas, do gênio da esquerda imortal, da canhota perfeita.
Maradona adorava o Brasil e os brasileiros, fã declarado e escancarado de Rivelino, amigo de fé de Careca, atendia com prontidão todos os convites das “peladas” de Zico. Na derrota de 3×1 para o Brasil na Copa América de 1989, humildemente pediu a camisa de Bebeto após ver o baianinho dar aquele sem pulo de cinema. Aquela Copa América em que ele quase fez o gol que Pelé não fez do meio de campo, impedido por uma trave. Na Copa de 1990, trocou de camisa na única vez que nos venceu na vida e desfilou com a camisa canarinho feliz da vida. Contra o Brasil não costumava se dar bem e só fez um gol em 1981, no empate de 1×1, durante o Mundialito no Uruguai.
Maradona não foi rei como Pelé, passava longe da perfeição da realeza, mas tinha a altivez de um líder carismático, conhecia e dominava a sua força brutal, os caminhos da vitória e sabia que a sorte também estava ao seu lado. Lutava como nunca e se fosse preciso se matava em campo e por isso, a torcida o adorava. Diferente de Messi, não se abatia com infortúnios, erguia a cabeça e voltava mais possesso ainda para alcançar a glória eterna e por isso virou Deus na Argentina.
Não foi o maior artilheiro, nem o cara que venceu mais bolas de ouro ou que colecionou mais títulos relevantes, mas sempre esteve nos corações dos torcedores. Dom Diego fez o que quis nos gramados com a sua canhota genial e infernal, nunca seguiu regras, para o bem e para o mal. Este foi o seu legado e a sua sina, partiu fugaz e deixou uma legião de fãs como num melancólico tango.
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