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O PODEROSO CHEFÃO

3 / julho / 2023

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Os Aliados: Castor e Teixeira

Castor de Andrade era poderoso, influente em todas as áreas. Temido, amado por muitos e odiado por outros, mandava no futebol, no samba e na cidade. Generoso, era também querido por grandes nomes da imprensa, sobretudo pelos mandachuvas da TV Globo, aos quais sempre agradava:

“Comunicador famoso da Rádio Globo aniversariando? Festa na Casa da Suíça, então!”

No evento, apenas convidados VIPs, top de linha mesmo, selecionados por um discreto colaborador. No meio do banquete, o ‘Poderoso Chefão’ aparecia sorridente:

“Surpresa agradável…”, brincava, descontraindo o ambiente.

No Carnaval, saía sambando à frente da Mocidade Independente de Padre Miguel. Uma câmera de televisão o acompanhava sistematicamente. Chegou a discursar atacando o Judiciário, antes da sua Escola entrar na Sapucaí.

No seu tempo, a FFerj, a Federação de Futebol do Rio de Janeiro, não sabia o que era dívida. A CBF era outra protegida. Na eleição de Octávio Pinto Guimarães, em 1986, Castor de Andrade determinou a Eduardo Viana que os Presidentes de Federações aliadas deveriam ficar no Copacabana Palace, sem direito a deixar o hotel. Seriam regiamente remunerados, de acordo com o voto. Ele apoiou também Ricardo Teixeira a pedido do sogro dele, João Havelange, então Presidente da FIFA.

“Xerife, xerife! O Doutor chegou! – esbaforia o supervisou Neco, avisando ao técnico Moisés que, naquele instante, encontrava-se sentado no banco, cercado por jornalistas, contando suas aventuras e desventuras na noite anterior, que o ‘homem’ tinha estacionado o carro.

De imediato, Moisés levantou-se. Tacou fora o cigarro ainda aceso, interrompeu a algazarra em campo e berrou, com firmeza ímpar:

“Treino tático!!! Marinho, Marinho… entre em diagonal! Marinho é o nosso Gil. Mário, você é o Rivellino. Quero agora lançamento facão…”

Nisso, surge Castor. O homem-forte do clube entra no gramado cercado por seus capangas, de chapéu. Sob o sol forte, reluz o revólver que trazia na cintura. O ‘Capo’ olha para Moisés com entusiasmo e um carinho paternal. O ‘xerife’ era querido por todos. Impagável contador de histórias, espirituoso, extrovertido, enfim, um bom sujeito, esperto e malandro, mas de ótimo papo. Impossível imaginar que foi o mais violento zagueiro do futebol brasileiro da sua geração.

Em Moça Bonita, a presença de Castor misturava alegria e tensão. Alegria por causa da pasta recheada de grana, blindada por seu fiel escudeiro Miúdo, que assustava pelo porte físico e os dois metros de altura bem distribuídos em músculos. Tensão? Explico o porquê.

Certa vez, o lateral-esquerdo Marco Antônio, tricampeão do mundo na Copa de 1970, foi acordado dormindo no carro. No campo, sentou-se em uma das traves e cochilou. Ao vê-lo, Castor sacou o revólver e deu dois tiros na baliza.

Sem o óculos de grau que usava, Moisés reuniu o grupo no centro do gramado para anunciar a escalação do time:

“Gilmar no gol. Gilmar e… poxa… coloca o papel mais perto da vista, que essa letra aqui do Doutor parece até letra de médico…”

Impossível conter a risada geral.

Da prisão Castor ligava para os amigos:

“Vamos ao show no Canecão?”

Entrava na casa noturna de peruca e bigode postiço, com o show em andamento. Sagaz, deixava o local incólume, antes do bis.

No estacionamento, os flanelinhas vibravam:

“Obrigado, Doutor Castor! Obrigado!”

“Seus moleques… como sabem que sou eu?”

“Só o senhor dá 50 reais pra gente!”

Cobri o Bangu, como setorista da Rádio Globo, quando o time, em 1985, disputou as finais do Carioca e do Brasileirão. Na decisão estadual, diante do Fluminense, o árbitro José Roberto Wright não apitou um pênalti claro, ao fim do jogo, do zagueiro Vica no artilheiro Cláudio Adão. No túnel, Castor mandou os seguranças surrarem o juiz. Bom de briga, Wright, faixa preta de judô, enfileirou um por um os capangas, derrubando todos. O último a apanhar foi Walter, um veterano lutador de boxe amador. A polícia era lenta e cuidadosa na hora de apartar as brigas do grupo que trabalhava para o homem que fundou a Liga das Escolas de Samba do Rio.

Cheguei com o Bangu no Aeroporto do Galeão, após a vitória de 1 a 0 sobre o Brasil de Pelotas no Estádio Olímpico. Era importante entrevistá-lo. Dois dias depois, se daria a grande decisão do campeonato nacional, contra o Coritiba, no Maracanã. Sem olhar para mim, ao sair do avião Castor me deu o papo:

“Amanhã, cinco da tarde, na Avenida Atlântica, no Leme.”

Assim que cheguei ao local vi uns 40 telefones pretos, com placas de discagem, que não paravam de tocar. Na entrevista, ele fez um apelo:

“Você que é Fla, Flu, Vasco ou Botafogo… o Bangu precisa de todos vocês no domingo!”

“Essa parte ficaria legal na chamada do jogo”, comentei.

“OK, mas não tenho dinheiro,” – gritou comigo, de forma grosseira.

“Dinheiro? Não estou aqui pedindo dinheiro, não. Quer saber, essa entrevista nem vai mais ao ar!”

Comuniquei o fato a dois diretores da Rádio e, na frente deles, apaguei a fita logo em seguida. Confesso que me senti meio ridículo, afinal, quando Castor queria, ligava direto para a Globo. Ou se dirigia pessoalmente até os estúdios.

Na quarta à noite, reencontrei ele no saguão do Maraca, antes do jogo:

“Garoto, tudo bem?”

Me surpreendi, ao receber um beijo dele no rosto. Depois, com mais de dez seguranças a tiracolo, caminhou tranquilo rumo ao vestiário.

Castor de Andrade faleceu, vítima de ataque cardíaco, aos 71 anos. A disputa por seus negócios e a fortuna que acumulou causou mortes na família. A Justiça ainda está para decidir quem vai herdar uma propriedade do bicheiro na Ilha Grande, avaliada em mais de 40 milhões de reais.

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2 Comentários

  1. Rodrigo de Souza

    Elso parabéns pelo texto impecável e que retrata com clareza impressionante aqueles anos dourados do Rio de Janeiro,em especial da Zona Norte. Tenho 62 anos e vivi tudo isso.

    Responder
  2. Mario Dellarmi

    Espetacular meu caro amigo retrada tudo de verdade o que era o Rio no tempo do Dr Castor brilhante texto parabéns

    Responder

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