por Wilker Bento
Morumbi, 13 de outubro de 1977. O Corinthians vence a Ponte Preta por 1×0, gol de Basílio, e conquista o título paulista após 23 anos de espera.
Maracanã, 22 de junho de 1988. Vasco e Flamengo decidem o título carioca. Cocada entra aos 41 minutos do segundo tempo, marca o gol da vitória aos 44 e é expulso em seguida. O Vasco vence por 1×0 e é bicampeão.
Morumbi, 12 de junho de 1993. Palmeiras vence o Corinthians na prorrogação, com gol de pênalti de Evair, e encerra o jejum de 17 anos no Campeonato Paulista.
Maracanã, 25 de junho de 1995. No Fla-Flu valendo o título estadual, Renato Gaúcho desvia com a barriga o chute de Aílton e o tricolor vence por 3×2, conquistando o Campeonato Carioca no ano do centenário do rival.
Os relatos acima contam histórias sobre títulos estaduais marcantes para os clubes envolvidos. Decisões com estádios lotados, desfechos emocionantes e espaço especial no coração do torcedor. Mas há um outro elemento em comum: todas essas finais ocorreram no século XX. Não conseguiremos lembrar de nenhum título estadual recente com importância parecida, exceção feita ao tri carioca do Flamengo em 2001 – e mesmo assim, lá se vão vinte anos do inesquecível gol de falta de Petkovic contra o Vasco aos 43 do segundo tempo.
Incômodo para os grandes, insuficiente para os pequenos e rentável apenas para as federações, será que está na hora desse tipo de torneio chegar ao fim?
Contexto
Até a metade dos anos 1980, a grande maioria dos clubes de elite do futebol brasileiro tinha em seu calendário apenas o estadual e o Campeonato Brasileiro. A Copa do Brasil ainda não existia e a Libertadores, único torneio de clubes organizado pela CONMEBOL, era restrita a dois times por país. Mesmo o Brasileirão era mal organizado, durando apenas um semestre e com regulamentos que mudavam a cada edição. Assim, ser campeão estadual era mais importante que nos dias de hoje.
Na atualidade, o cenário é diferente. Os clubes grandes têm mais o que fazer além de disputar o título estadual, que fica pequeno diante das outras taças que uma equipe pode conquistar na temporada, não sendo mais uma prioridade. Infelizmente, os organizadores dos estaduais estão demorando a reconhecer isso. Por exemplo: em sua apresentação no São Paulo, o técnico Crespo afirmou que “provar jogadores no Paulistão não parece correto”. Uma declaração compreensível, em tom político, de um treinador estrangeiro que acabou de chegar em um clube que não ganha um título desde 2012. No entanto, a FPF repercutiu a fala como se transformasse o Campeonato Paulista na coisa mais importante do mundo.
Episódio ainda mais lamentável foi a publicação do regulamento do Campeonato Carioca desse ano. No documento, a FERJ prevê multa para o clube que, a partir da terceira rodada da Taça Guanabara, “deixar de utilizar sua equipe considerada principal sem motivo justo”. Uma cláusula completamente subjetiva e que interfere na autonomia dos técnicos em escolher os jogadores que bem entender.
Somente com as federações admitindo sua atual pequenez e cuidando do seu valor histórico é que a tradição dos estaduais jamais se perderá.
Preparação e revelação
Um dos argumentos mais comuns na defesa da manutenção dos estaduais é a revelação de atletas. Boa parte dos craques que o futebol brasileiro teve surgiram nesses torneios. É a oportunidade que jogadores de times menores têm de aparecer na mídia e dar um salto em suas carreiras.
Para os clubes grandes, os estaduais devem ser vistos como um espaço de experiência aos garotos da base, que terão a chance de mostrar serviço e ganhar vaga no time principal. O Athletico-PR entendeu isso e vem há alguns anos disputando o Campeonato Paranaense com a equipe sub-23.
Jogadores veteranos, que custam milhões aos clubes, devem ficar reservados apenas aos clássicos e fases decisivas, e não se desgastando fisicamente e correndo o risco de até mesmo sofrer uma lesão em partidas de pouco valor. O estadual não é o Santo Graal, mas um brinde. Aí entra a parte da colaboração do torcedor, que deve ter paciência. Não adianta reclamar dos estaduais o ano inteiro e pedir a cabeça do técnico após o primeiro empate contra um time pequeno.
Regulamento
O Campeonato Carioca virou piada nos últimos anos por adotar uma fórmula esdrúxula: um time poderia cair e subir no mesmo ano, ou vice-versa; uma seletiva entre os piores da primeira divisão e os melhores da segunda foi inventada; alguns jogos tinham vantagem do empate para quem tivesse a melhor campanha, e outros não; e ganhar os turnos passou a não ter valor nenhum. Uma criança jogando videogame faria melhor. O primeiro passo para que os estaduais sejam minimamente atrativos é a elaboração de regulamentos simples, de fácil entendimento.
O tamanho da competição também precisa ser repensado. O Palmeiras em 2020 venceu a Libertadores após 13 partidas disputadas, mas para ser campeão paulista precisou de 16. É muito tempo gasto em um campeonato pouco importante. O excesso de jogos sem dúvidas pesou no final da temporada, onde o Verdão teve que se desdobrar para disputar Copa do Brasil, Libertadores e Brasileiro de forma competitiva, chegando no Mundial de Clubes em frangalhos. A pandemia contribuiu para essa situação, mas o calendário do futebol nacional já era caótico antes do surgimento do novo coronavírus.
Existem várias soluções possíveis para isso. A mais óbvia delas é a redução dos estaduais para torneios de no máximo 10 datas. Uma competição não necessariamente precisa ser grande para ser atrativa: com menos jogos, a margem de erro diminui e cada partida ganha um peso maior. Um time pequeno pode emendar uma sequência inspirada e brigar pelas primeiras posições; um time grande não pode dar bobeira, sob o risco de ser eliminado na primeira fase ou até mesmo parar na zona de rebaixamento. É nos menores frascos que se encontram os melhores perfumes… Para compensar a redução e não deixar os clubes menores a ver navios, seria necessário um aumento nas datas das copas estaduais.
Outra possibilidade seria manter o número de datas atual, mas espaçando o torneio ao longo da temporada. Atualmente, os estaduais ocupam os quatro primeiros meses, com o Brasileirão ocorrendo nas datas restantes. Seria mais interessante se ao invés disso ambas as competições ocorressem paralelamente, durando o ano inteiro, com uma rodada do estadual ocorrendo a cada duas ou três do Campeonato Brasileiro. Dessa forma, os técnicos administrariam melhor o rodízio do elenco, e os clubes pequenos teriam mais tempo de atividade, deixando de serem “times de aluguel”.
É viável propor até mesmo o aumento para no mínimo 30 datas ao longo do ano. Nesse caso, as equipes que estivessem nas primeiras divisões do Brasileirão disputariam o estadual com times B ou a base do início ao fim.
Mando de campo
Os estaduais existem por causa dos times pequenos, sendo a oportunidade de clubes do subúrbio e do interior enfrentaram os gigantes do futebol nacional. Se o estadual acontece para contemplar os clubes menores, os jogos devem ocorrer na casa deles.
Flamengo x Madureira? Jogo em Conselheiro Galvão. Corinthians x Ferroviária? Jogo em Araraquara. Grêmio x São Luiz? Jogo em Ijuí. Com essa medida, o campeonato fica mais equilibrado, pois os pequenos teriam o fator casa sempre a seu favor.
Além disso, os torcedores que moram em locais mais afastados do estádio do seu time teriam a chance de acompanhar o clube de coração mais de perto. Por exemplo, um vascaíno que more em Bangu tem mais facilidade para se deslocar até Moça Bonita que São Januário; um cruzeirense de Governador Valadares veria um jogo contra o Democrata no Mamudão de maneira mais especial que alguém que mora em Belo Horizonte e pode ir ao Mineirão toda semana.
Outra vantagem seria a redução de custos, sem a necessidade de abrir os grandes estádios para partidas de pouco apelo, com palcos como o Maracanã e o Morumbi reservados para os jogos mais importantes.
Conclusão
A época de ouro dos estaduais, com gênios como Pelé e Garrincha desfilando seu talento, não vai mais voltar. A cena de torcedores invadindo o gramado e parando o trânsito para comemorar o título também não – com exceção de cidades como Campinas, onde Guarani e Ponte Preta esperam pelo troféu estadual há mais de um século.
Ainda assim, existe sobrevida. Unindo tradição e modernidade, charme e organização, os campeonatos estaduais podem se reinventar e render boas histórias por muitos anos
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