por Marcelo Mendez
Era uma manhã ensolarada de junho de 1978.
Por entre alguns orvalhos que molhavam os pés de frutas do velho quintal da Avenida das Nações, em Santo André, no Parque Novo Oratório, o dia amanheceu claro, colorido, com um sol bonito, que começava a iluminar a rua da minha casa, que naqueles tempos, ainda era de terra.
Aliás, esqueçam esse troço aí de São Paulo, a metrópole era muito distante do Parque Novo Oratório.
O bairro em que nasci era parte do grande loteamento do segundo sub-distrito de Santo André, iniciado nos anos 50 e que àquela altura, crescia aos borbotões. Minha família estava ali já desde os anos 40 e nosso quinhão de terra no meio daqueles morros e descampados já estava garantido.
Mas nossa vida ali era longe demais das capitais. E, para encurtar a distância, havia já a televisão…
As novelas da minha mãe, o programa Vila Sésamo, a sessão bang bang, os desenhos da Hanna Barbera, eu começava a ver o mundo através daquele trombolho de cabos, válvulas, seletores, antenas e outras mandingas que se fazia para melhorar a imagem. E foi com ela, a velha TV Philips preta e branca, que comecei a ver e me encantar pelo futebol.
Eram outros tempos. Não existia futebol ao vivo e francamente, ninguém fazia muita questão de ver tudo que era jogo na TV. Naquele tempo as pessoas ainda saíam de casa, se falavam, tinham muito mais coisas para se descobrir na vida pré-celular. Eu mesmo esperava ansioso pelo “Futebol Compacto” da TV Gazeta, às 20h do domingo.
Foi na voz do velho Peirão de Castro, que me apaixonei pelo futebol na TV. E nossa relação estava ótima, eu estava satisfeito. Porém, já há alguns dias que eu sentia que alguma coisa diferente estava para acontecer.
Via meus primos comprando fogos de artifício, minha mãe preparando guloseimas, meu tio João pendurando bandeirinhas verdes e amarelas por todo quintal, as primas eufóricas falando do goleiro Leão e meu pai, que há dias tramava alguma coisa, finalmente revelou o segredo naquela manhã, logo que cheguei para tomar café:
– Filho, bota sua roupa do Brasil, que hoje vamos na casa da Tia Dete ver a Copa do Mundo. Na TV em Cores!
Não sabia o que era Copa do Mundo, assim como não entendi o que eram as benditas “Cores”. Mas a julgar pela alegria do meu Velho, imaginei que devia se tratar de algo muito bom. Sendo assim, coloquei a minha camisa amarela, meu calção azul, meu kichute novo e la fui eu, para casa da Tia. Era o começo da minha aventura por algo que viria a se tornar muito caro à minha vida.
Era a Copa do Mundo…
Mitsubishi e Psicodelia Ludopédica
A vida era dura na periferia de Santo André em 1978.
As linhas de ônibus que abasteciam a região eram todas precárias, os trajetos, muitos deles sendo feitos em ruas sem asfalto, acabavam por arrebentar os ônibus que já num eram lá essas coisas. Mesmo assim, eu me divertia.
Minha Tia Dete morava em São Matheus, na Zona Leste de São Paulo. Para irmos até lá, pegávamos o “Santo André/Guaianazes”, que rasgava pela Rua Oratório afora. Da janelinha, onde eu via o mundo passando, tudo era festa e passear seja lá para onde fosse, era um grande barato. Afinal de contas, tudo fica imenso e épico quando você é criança. Inclusive a saudade de ser menino. Fernando Sabino, falou disso muito bem…
Chegamos!
Na casa da Tia, festa, comida, bebida, música, a vitrola tocava um disco do Agepê, com hits como “Menina de Cabelos Longos”, “Moro Onde Não Mora Ninguém” entre outros. Os primos conversavam, as primas riscavam o chão no samba rock e eu me desvencilhei disso tudo para ver o que tanto empolgava meu pai e meu Tio, que falavam alto na sala da casa:
– Mauro, veja só; É a cores, 28 polegadas e tem controle remoto!!!
O Tio Moreno apresentava o aparelho com a pompa de um Mestre de Cerimônias de gafieiras imortais. Meu pai que olhava pra tudo aquilo extasiado tentava operar a coisa através do controle remoto enorme que meu tio entregou a ele. E depois de algum esforço, conseguiu.
E ao ligar aquela coisa, quem ficou extasiado fui eu…
O Campo é Verde!
Menino, aos 8 anos de idade, pela primeira vez na vida vi o campo de futebol verdinho, bonito, com as riscas brancas. Vi a camisa canarinho, de fato amarela e a Suécia, adversária do Brasil jogando com um azul forte, bonito. Não conseguia, tirar os olhos daquela tela!
Por entre o jogo e as conversas, os adultos comiam pipoca, xingavam um cara de nome, “Coutinho”, alguns diziam que Reinaldo não podia jogar, meu Pai não concordava, dizia que o mesmo era craque. Minha prima Miriam defendia o goleiro Leão após a Suécia abrir o placar e meu primo Edmilson queria Waldir Peres ali no lugar do goleiro coxudo.
Eu não tava nem aí. Enquanto comia meu tacho de pipocas, eu olhava para cada milímetro colorido daquela tela. Que coisa mais linda! A vida então tinha cor na tal TV Mitsubishi, que meu tio comprou justamente por conta da tal de Copa.
O jogo seguia.
Reinaldo empatou o jogo e todo mundo se abraçou. Na hora do gol dele, a transmissão da TV Globo tocava uma batucada e eu gostei muito. No segundo tempo, pouca coisa aconteceu até o final. Apenas no último minuto de jogo, o árbitro resolveu encerrar a partida com a bola vinda da cobrança de escanteio do Nelinho, no alto, antes do Zico cabecear para fazer 2 a 1.
Na casa da Tia Dete, isso gerou as mais espetaculares teorias da conspiração, sem falar que a Suécia, virou o maior dos inimigos de todos ali. Nem liguei.
Ao término do jogo, enquanto todos voltaram para desconjurar o árbitro, xingar a Suécia e o tal Coutinho, eu segui de frente para a TV em cores. E naquele dia, isso me bastou para ser feliz, para me agradar o coração.
Graças a tal da Copa do Mundo, descobri que a vida podia ser colorida.
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