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O MUNDIALITO DE 1981 E O NARIZ QUEBRADO QUE UNE A NAÇÃO

27 / março / 2018

por Marcelo Mendez

O ano de 1980 acabava.

Não dá para dizer que as coisas iam totalmente bem no Brasil da época.

Ainda vivíamos sob a égide de uma ditadura militar, que mesmo de ressaca, ainda incomodava um bocado. Já não havia mais o AI-5, que meu pai sempre me contou que era algo muito ruim, mas ainda havia censura, repressão e com a chegada da nova década, veio também a recessão e uma caça às bruxas que fez do meu Pai, uma de suas vitimas.

Com o indefectível tempero das perseguições ocasionadas pela participação latente do velho nas grandes greves do ABC Paulista, meu Pai foi demitido da multinacional que ele trabalhava. Então, aos 10 anos de idade, comecei a entender de coisas do Brasil que decerto eu não queria entender naquele momento…


Talvez por isso, o futebol tenha tomado conta de mim com tanta força.

Eu já jogava no E.C Nacional do Parque Novo Oratório, já acompanhava o futebol via rádio e TV, quando tinha, lia a Gazeta Esportiva e a parte de esportes do Jornal da Tarde e tudo isso ficou ainda melhor quando descobri que janeiro de 1981 já começaria com um tal Mundialito no Uruguai:

– É uma espécie de mini Copa do Mundo, filho. O Uruguai vai comemorar os 50 anos da sua primeira conquista e então, vai ter esse torneio! – Me explicou meu Tio Zezinho.

O Contra que nos uniu!

Era um janeiro quente!

Todos os sóis do mundo tomaram conta do Parque Novo Oratório naquele 1981. A novidade da minha vida era que eu tinha diminuído consideravelmente minhas idas até a casa dos tios e agora, tinha minha vida na casa nova na ladeira da Rua Tanger, pra valer.

No novo endereço, os novos amigos: Pedrinho, Néinha, Rogério, Serginho… E além do Nacional, os novos parceiros da rua me chamaram para formar o nosso time da “Tanger de baixo”, afinal éramos nós que jogávamos na parte da ladeira da rua, em detrimento da “Tanger de Cima” que jogava na parte em que a rua ficava plana. E no “contra” com eles o pau comia!

Em um desses, um clássico “Vira cinco, acaba dez, gol grande, com goleiro”, vencíamos por 8×4 e eu tinha feito um punhado de gols.

Numa bola dividida, com raiva do vareio que tava levando, Tocão o zagueiro da “Tanger de Cima” me deu uma cotovelada no nariz e o sangue desceu. Na hora o pau comeu, a treta começou e então, 10 moleques começaram a trocar sopapos no meio da rua, lindamente. A coisa só acabou quando o Peu, tio do Denis, nosso goleiro, apartou a coisa:

– Marcelo, limpa o nariz, aperta a mão do Tocão e voltem a ser amigos. O que se faz no campo, fica no campo! – me recomendou o Peu. Eu aceitei.

Tocão apertou minha mão, me pediu desculpas e ali senti que ganhei um amigo, desses que o futebol é capaz de nos dar.

– Marcelo, eu não queria te machucar. Mas num queria ficar tomando caneta, chapéuzinho, um monte de gol…

– Tá bom, Tocão. Mas num precisava quebrar meu nariz, né?

– Mas acho que num quebrou, não.

– Será?

– Deixa eu ver…

E depois do diagnóstico de Tocão, apalpando minhas fuças, ficou constatado que eu num tinha nada. Depois do jogo, o acordo com minha mãe era eu ir na venda do seu Mário comprar um quilo de lingüiça caseira pra nossa janta, na “caderneta de pagar depois”. O Tocão foi comigo e no caminho, falamos de futebol:

– Amanhã tem jogo do Brasil na tv, contra a Argentina, sabia?


– Claro que sim, o Mundialito. Cê vai ver na onde, Marcelo?

– Ah, em casa!

– Sua TV é em cores?

– Não, preta e branca…

– Então pede pro seu pai deixar você ver lá em casa. Da minha casa é colorida!

– Posso ir mesmo?

– Pode!

– Ah… mas só se eu puder ir com os caras do meu time!

Tocão pensou por alguns minutos e, então, compreendendo o espírito de corpo da situação, liberou a sala pra geral:

– Tá bom, Marcelo. Vou falar pra minha mãe, que vocês vão ver o jogo lá em casa.


Dá para dizer, portanto, que a Copa do Mundo de 1982, começou antes, a partir de um nariz quebrado e de uma porradaria generalizada. Foi depois daquele “contra” de rua x rua, que começou a torcida para aquela que viria a ser a maior seleção da minha geração. E não apenas isso.

Por conta da seleção de 1982, uma turma de moleques de uma rua da periferia de Santo André, no ABC Paulista, decidiu se juntar, se conhecer e se entender. Nascia ali a torcida para a seleção de 1982 e nascia também, as mais belas amizades que se pode ter.

E a partir dali, parou de ter “Tanger de Baixo” contra “Tanger de Cima”

A Rua Tanger passou a ser uma só…

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