Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

O MENINO NA MURETA

3 / outubro / 2023

por Claudio Lovato Filho

O time está mal na foto. Despencou na tabela. Pode ser que ainda hoje assuma a lanterna. Mas o menino está lá. Na arquibancada. Com a camisa do clube. A camisa preferida. A mais nova.

O time está jogando mal de novo. Um esforço máximo para segurar o zero a zero. Superação total. E o menino ali, firme, gritando.

“Vai, vai!”

Ele não desiste do time. Sua convicção. Seu sentimento.

O pai está sentado um pouco mais atrás. Olha para o filho tanto quanto olha para o campo. O pai acha que o time vai ser rebaixado. Fica irritado com os seguidos erros na defesa, no meio e no ataque (em todos os setores, em todos os fundamentos). Quando olha para o filho, contudo, o pessimismo perde força. O mau humor arrefece. A irritação se dilui. E ele, o pai, chega até mesmo a sorrir. E até (até!) a acreditar que… De repente… Quem sabe…

“Vai, vai!”, o menino grita.

Então o centroavante do time do pai e do menino, o time de amarelo e preto, manda um chute atravessado, lá do bico da grande área, que passa tirando lasca do travessão. O menino olha para trás, para o pai, e diz: “Viu? Viu???” E o pai balança a cabeça para cima e para baixo e diz: “Vi”.

Há outros meninos ali, mas só ele está com o peito encostado na mureta, com os braços passando por cima da borda.

Termina o primeiro tempo. O pai chama o vendedor de picolé. Compra dois.

“Tamo jogando melhor que eles”, o menino diz. O pai concorda, sem muita sinceridade: “É”.

Faz calor. O sol castiga sem dó nem piedade. Não tem vento, não tem sequer uma brisa. Os bumbos da organizada voltam a fazer barulho. O menino termina o picolé e volta para o seu posto, abraçado à mureta. O pai diz: “Vira a aba do boné pra frente”. O menino obedece, mas não por muito tempo. Aba pra trás.

Os minutos passam, o calor continua, os times voltam. Aplausos, poucos. “Vamo, suas ferida!”, alguém grita. O pai ri. O menino não gosta – nem do que o torcedor disse nem da risada do pai. O pai percebe isso e tira o riso do rosto.

O apito do árbitro. O segundo tempo começa do mesmo jeito como terminou o primeiro. Então um contra-ataque do time adversário. Uma troca de passes rápida entre dois jogadores. O drible no goleiro. A bola morrendo no fundo do gol. Vaias.
O time da casa perdendo. Agora é lanterna. Mais vaias.

O menino olha para o pai, mas não diz nada. O pai olha para o menino e também não diz nada.

O jogo prossegue. A partir disso, um tremendo perde-ganha nas duas intermediárias. Os goleiros só assistem ao jogo. Um calor infernal. Algumas nuvens escuras se aproximam.

“Mas são uns pereba mesmo!”, diz alguém lá em cima. O menino se volta e olha de cara feia.

Segue o perde-ganha, o bate-rebate, o rame-rame. Então, um passe errado do volante adversário. A bola interceptada por um volante do time da casa. Um passe em diagonal para o centroavante, cria da base. Ele parte para cima do zagueiro. Um corte seco em direção à linha de fundo. Pisa na bola quando ela está em cima da linha. Nova acelerada, agora invadindo a área. De novo pé em cima da bola. A travada e o outro zagueiro passa lotado. A tentativa de enquadramento do corpo. O chute engatilhado. Ainda sem ângulo. Vai assim mesmo. Um foguete. Bola no alto. O goleiro apenas levanta um braço – impotente, protocolar. Um a um.

O menino salta e grita. Não cabe em si. Pula e pula. Mais um pouco cairia no fosso. O pai está de pé. De boca aberta. Não acredita no que viu. O pai desce dois degraus e se aproxima do filho, que olha para ele e diz: “Viu? Viu???” E o pai responde: “Vi!” “Eu não te falei? Eu não te falei?”, o menino diz. “Falou”, o pai diz. “Falou”. O coração do menino parece uma britadeira. O do pai, um bate-estaca.

O jogo termina. O time escapou da lanterna. Até quando, ninguém sabe. E neste momento não importa. O menino e o pai vão saindo do estádio. Cumprimentam conhecidos. Cumprimentam também desconhecidos. O menino tem o peito estufado, e, de tempos em tempos, passa a mão sobre o distintivo.

O pai tem a mão no ombro do menino. O menino tem uma tarde para jamais esquecer. Lembrará disso tudo para sempre: a emoção da partida, o gol (aquele gol!), a mão do pai no seu ombro, o lento caminhar deles até a rua. E do quanto sempre acreditou.

Caminham em silêncio. Estão felizes.

Nada mais precisa ser dito.

TAGS:

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *